




A proposta deste blogue é incentivar boas discussões sobre o mundo econômico em todos os seus aspectos: econômicos, políticos, sociais, demográficos, ambientais (Acesse Comentários). Nele inserimos as colunas "XÔ ESTRESSE" ; "Editorial" e "A Hora do Ângelus"; um espaço ecumênico de reflexão. (... postagens aos sábados e domingos quando possíveis). As postagens aqui, são desprovidas de quaisquer ideologia, crença ou preconceito por parte do administrador deste blogue.
Nas democracias, o governo cumpre os desígnios dos cidadãos. O povo diz o que quer, o governante executa. Parece uma receita infalível. Mas será? Em cidade relativamente próspera de Minas Gerais, uma pesquisa de opinião mostrou que três quartos dos jovens reclamavam da falta de diversões. Apesar de os esgotos serem jogados in natura nos córregos, nem mesmo entre os adultos houve reclamações quanto à falta de tratamento de efluentes. Sabidamente, esse é o investimento que mais faz cair a mortalidade infantil. O que deve fazer o prefeito? Esgotos que salvam vidas ou espetáculos de música sertaneja que trazem votos?
Um livro recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Understanding Quality of Life, mostra abundantes estatísticas sobre o que os latino-americanos mais valorizam. Nelas fica claro o conflito entre o que as pessoas querem e o que é necessário para garantir um futuro promissor para o país. Pesquemos alguns temas do livro. As pessoas querem medicina de alta tecnologia e atendimento hospitalar. Contudo, a saúde pública preventiva é mais barata e evita as doenças. Verificou-se também que o estado de saúde das pessoas pouco se associa com as suas percepções de saúde. No Brasil, pobres e ricos estão igualmente satisfeitos com os serviços de saúde. Mas sabemos serem piores para os pobres. Nos países mais ricos da América Latina, há mais contentamento com a situação da saúde. No entanto, quando o país cresce, baixa essa satisfação. Não dá para entender. No Brasil, 65% dos entrevistados estão satisfeitos com a educação. Somente os mais educados percebem como ela é ruim. De fato, sabemos ser péssima a sua qualidade: último lugar no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2001. Ainda pior, entre 1980 e 2000, em um grupo de 35 países, o Brasil foi o que mais recuou de posição.
Ilustração Atômica Studio |
Na área econômica, as percepções também estão desalinhadas com a realidade. Mais renda se associa a mais satisfação. Até aqui, vamos bem. Mas o crescimento econômico traz desagrados. Entre outras coisas, requer mudança de políticas, reformas e outros sustos, mais temidos do que a pobreza. Apesar de o desenvolvimento econômico acabar beneficiando os pobres, são eles que mais resistem às mudanças. Ademais, têm uma opinião mais ingênua acerca da competência do governo. Nessa área, entra em cena um mecanismo maldito. As aspirações crescem mais rápido do que a renda.
Em suma, os governados indicam aos governantes algumas prioridades incompatíveis com o progresso. Pensam no curto prazo e são consumistas impenitentes. Dizem que querem sistemas de saúde mais caros (e mais ineficientes). Querem conforto nas escolas e desdenham mais aprendizado. Não querem as reformas econômicas imprescindíveis para crescer.
A reação mais imediata diante dessa miopia nas preferências é perguntar se não seria a melhor receita um governo autoritário, do tipo "déspota esclarecido". Contudo, como Churchill nos advertiu, a democracia é um péssimo sistema de governo, com a agravante de que não há outro melhor. A experiência com déspotas de todos os sabores não mostra um bom registro histórico. Quando acertam aqui, acolá cometem um erro mais estrondoso. Não é por aí. Temos de insistir nos acertos capengas que nos oferece um sistema democrático e na tentativa de esclarecer a opinião pública.
Os governantes se equilibram em um terreno resvaladiço. Se tentam oferecer o que trará mais progresso e desenvolvimento, sem ouvir o povo, arriscam-se a perder sua popularidade e, com ela, seu poder de implementar reformas. Podem acabar execrados e sem reformas (veja-se Jimmy Carter). Governos populistas fecham as portas para o futuro se jogam confete ao povaréu ou alimentam seus anseios imediatistas. Os exemplos latino-americanos estão nos jornais. Em contraste, governantes bem-sucedidos não perdem a ressonância com a sociedade, mas negociam também uma agenda de futuro.
A história classifica como estadistas aqueles que perceberam as reais necessidades do país, assumiram o risco da impopularidade no curto prazo, mas souberam vender suas ideias com sucesso. Na teoria, a receita é simples: visão, coragem e liderança. A pílula pode ser amarga. Churchill jogou pesado quando ofereceu aos ingleses apenas "sangue, suor e lágrimas". Mas ganhou. Pena que não adianta colocar um anúncio classificado do tipo "Precisa-se de um estadista".
Claudio de Moura Castro é economista
claudio&moura&castro@cmcastro.com.br
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http://veja.abril.com.br/300909/arte-governar-p-26.shtml
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30 de setembro de 2009
O Globo
Manchete: TCU pede bloqueio de obras do PAC por irregularidades
Honduras discute saída negociada
2016: Rio vence o duelo da divulgação
Cursar duas universidades públicas será proibido
Inflação do aluguel sobe após 6 meses
Despesas do governo têm alta de 12%
Lula libera debates na internet
Guiné: governo mata 157 em estádio
Minc anuncia meta climática obrigatória (págs. 1 e 32)
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Folha de S. Paulo
Manchete: Brasil recusou avião para Zelaya voltar, diz Amorim
Após terremoto, tsunami mata ao menos 39 no sul do Pacífico
TCU sugere que 15 obras do PAC sejam paralisadas
MEC afirma que locais de prova do Enem podem ser alterados
Ex-ministro acusado fala que Toffoli o ajudou a achar defensor
Debate é sobre o futuro de Toffoli, não seu passado
Lula sanciona minirreforma eleitoral e veta limite à internet
Dinheiro: Chineses negociam exploração de 1/6 do petróleo nigeriano (págs. 1 e B1)
Editoriais
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O Estado de S. Paulo
Manchete: TCU manda parar 41 obras federais e irrita Planalto
Superávit sobe em agosto, mas queda no ano chega a 68%
Vereadores influenciam subprefeitos, mostra mapa
Amorim diz que Brasil negou avião a Zelaya
Foto legenda: Câmara: chega projeto contra fichas-sujas
Petróleo: 'Estado' debate modelo do pré-sal
Candidatos no Enem terão três minutos por questão
No lobby pelo Rio, Brasil escala Pelé e Paulo Coelho
Notas e Informações: A única saída para o Brasil
29 de setembro de 2009
O Globo
Manchete: Honduras cede e promete suspender estado de sítio
Pedágio: o barato que agora sai caro
Taxação da poupança pode ser engavetada
Dilma está curada, dizem os médicos
Servidores da Justiça terão de trabalhar 8 horas
Irã desafia mundo e testa mísseis que chegam a Israel (págs. 1 e 28)
Obama X Lula; 'NYT' x 'N. Yorker'
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Folha de S. Paulo
Manchete: Golpista fecha rádio e TV em Honduras
Embraer vende à Argentina aviões com suspeita de sobrepreço
Foto legenda: Navegar é preciso
BC começa a desmontar iniciativas contra a crise
Brasil vai trocar de embaixador em Washington
Editoriais
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O Estado de S. Paulo
Manchete: EUA condenam Zelaya e criticam 'os que o ajudaram'
Governo usa depósitos judiciais para obter superávit
Censura ao 'Estado' faz 60 dias e pode ter nova decisão
Esportes: Obama entra na campanha por Olimpíada em Chicago
Irã testa mísseis que poderiam atingir Israel
.edu: Profissões do pré-sal
Eleição: Iniciativa popular veta os 'fichas-sujas'
Notas e Informações: 'Vazamentos seletivos' de dados
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Jornal do Brasil
Manchete: Jogos vão gerar dois milhões de empregos
Foto legenda: Aliança pelo Rio
Golpistas aumentam repressão em Honduras
Irã testa mísseis de longo alcance
Foto legenda: No comando
Inadimplência de empresas cai
Terra ficará 4°C mais quente
Informe JB
Coisas da política
Sociedade Aberta
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Correio Braziliense
Manchete: Mais uma chance para fantasmas do Senado
Foto legenda: Mordaça em Honduras
Efeito Meirelles: Diretoria do BC prepara debandada
Foto legenda: Para o que der e vier
Bancários: Paralisação afeta caixas eletrônicos
Lei de diaristas gera polêmicas
Bafômetro ganha força no STJ
Fotos Sergio Dutti/AE |
DIVISÃO DE TAREFAS Dilma seguirá o roteiro de herdeira de Lula, enquanto Ciro se encarregará de atacar os tucanos: o compromisso fechado com o presidente é que não haja fogo amigo entre seus aliados |
Para o presidente Lula, eleger o sucessor em 2010 é uma obsessão. Ele é dono de índices espetaculares de aprovação, coleciona comendas mundo afora e está convicto de que a história do Brasil será dividida entre os períodos a.L. e d.L. – antes de Lula e depois de Lula. A derrota nas urnas de um herdeiro político não cabe nesse currículo. Há mais de seis meses o presidente está em campanha apresentando nos palanques sua candidata, a ministra Dilma Rousseff. Até agora, porém, a fama de eficiente dela e a popularidade dele não têm se transformado em intenções de voto no volume esperado. O que parecia ser a receita correta para o continuísmo está se mostrando um fracasso na prática. Diante do quadro até agora desfavorável, Lula pôs em andamento um plano alternativo. O governo decidiu dividir as bênçãos da aprovação plebiscitária de Lula entre Dilma e um segundo nome identificado com a atual administração – o deputado Ciro Gomes, do PSB.
Craig Ruttle/AP |
OBSESSÃO Lula quer garantir um candidato oficial no segundo turno. Mas quem? |
Lula relutou em abraçar a candidatura Ciro Gomes. Nos últimos três meses, o presidente se empenhou em tentar convencer o deputado a transferir o domicílio eleitoral para São Paulo e disputar o governo estadual. Assim, com uma única tacada, ele se livraria de um adversário incômodo no plano federal e ganharia um aliado em São Paulo. As últimas pesquisas, porém, mostraram que Ciro e Dilma podem, pelo menos no primeiro turno, constituir uma aliança informal pelo parentesco ideológico e, principalmente, pelo adversário comum. Ciro é um orador inflamado, exímio construtor de frases que, a despeito da falta de lógica e amparo na realidade, têm poderoso efeito comunicador. Os julgamentos sobre o que é certo ou errado, bom ou ruim, velho ou novo, saem da boca de Ciro com a certeza de um pregador protestante. Ele faz o mundo parecer simples. Isso agrada aos ouvidos de certo tipo de eleitor incapaz ou indisposto diante do desafio de destrinchar discursos mais complexos. Nesse particular, Ciro é o oposto de Dilma. A ministra é quase sempre cerebral ao ponto de enregelar as audiências com o fogo frio de seu olhar e a cordilheira de números que deita sobre seus ouvidos.
O ponto decisivo para convencer Lula foi o fato de a estratégia ter dado certo antes. Eduardo Campos, atual governador de Pernambuco, estava em terceiro lugar, mas acabou vencendo a eleição no segundo turno. Para superar o candidato que liderava com folga todas as pesquisas, PT e PSB, aliados, lançaram cada um seu próprio candidato com o compromisso de que o perdedor apoiaria o vencedor num eventual segundo turno. Deu Campos. Diz Ciro Gomes, que adorou o arranjo: "Eu não serei um candidato contra o governo ou contra Dilma. Pelo contrário, a condição para eu ser candidato é ser aliado de Lula. A candidata do partido dele é Dilma, mas ele também vai me apoiar". Na campanha, uma das principais funções do candidato do PSB, segundo o plano traçado pelo governo, será fustigar José Serra. Enquanto Dilma fará uma campanha propositiva, aos moldes do "Lulinha paz e amor" de 2002, Ciro vai atacar o tucano, relembrando escândalos do governo FHC e mostrando os pontos fracos do governo paulista. Ele não terá dificuldades em cumprir esse papel. Ciro, que já foi do PSDB, tem uma antiga rixa com o governador paulista. Ele abandonou o ninho tucano por desavenças políticas e pessoais com a ala paulista do partido, principalmente com Serra. Na campanha de 2002, ele atribuiu ao tucano o naufrágio de sua candidatura. "Havia uma equipe de TV do Serra no meu encalço o tempo todo. Todo escorregão que eu dava estava no dia seguinte no programa de TV do PSDB", conta, ainda demonstrando muita mágoa. Ciro repetirá que o governo de Lula foi melhor que o de Fernando Henrique Cardoso e que a eleição de um novo presidente tucano seria um retrocesso. "Não podemos deixar que eles voltem" é bordão repetido em entrevistas e debates do candidato.
Jojser Patricio |
TERCEIRA VIA Marina acabou de entrar na disputa e já preocupa governo e oposição |
Fotos Ueslei Marcelino/Obritonews e Wilson Dias/ABR |
BARRADOS NO BAILE O PV abriu as portas para filiados de várias origens, mas dispensou o ex-governador Luiz Antonio Fleury e Ivo Cassol, governador de Rondônia |
A mais recente rodada de pesquisas reforçou a pororoca eleitoral armada pela candidatura presidencial da senadora Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente de Lula, ex-petista e agora estrela do Partido Verde (PV). Conhecida por apenas 18% dos brasileiros, Marina já tem 8% das intenções de voto no cenário mais provável, que exclui a ex-senadora Heloísa Helena da disputa. Isso significa que, de cada dois brasileiros que a conhecem, um está disposto a votar nela. A onda verde está atraindo surfistas de todas as tribos para a praia do PV, partido que chegou a ser ameaçado de extinção antes de abonar a ficha de Marina. A média de filiações saltou de 500 por mês para 2 600 após a chegada da senadora. A nova militância é bastante eclética. Inclui ambientalistas, evangélicos, intelectuais e até a líder das prostitutas fluminenses, Gabriela Leite, que se filia neste domingo para disputar um mandato de deputada federal. O potencial eleitoral do PV está atraindo até políticos dispostos a lustrar a biografia. Luiz Antonio Fleury, que governava São Paulo quando ocorreu a chacina do Carandiru, e Ivo Cassol, governador de Rondônia, às voltas com suspeitas de fraudes amazônicas, flertaram com o PV, mas foram descartados – sinal de que a epifania da diversidade, bandeira do partido, pode ser relativa.
As sondagens pré-eleitorais já captaram uma tendência. Os eleitores que reprovam o governo por envolvimento em episódios como o mensalão e a salvação do senador José Sarney estão migrando para a candidatura de Marina Silva. A senadora está fazendo sua parte para se tornar um hit eleitoral. Evangélica fervorosa e intransigente em sua militância verde, seu discurso está cada vez mais moderado. Na semana passada, em entrevista ao programa Roda Viva, ela elogiou os avanços dos governos do ex-presidente Fernando Henrique e do presidente Lula, dizendo que eles devem ser mantidos. E fez uma crítica, suave mas muito acertada, ao principal programa social do governo Lula, o Bolsa Família. "As pessoas não podem depender para sempre do Bolsa Família. Tem de haver um processo de libertação de qualquer tipo de dependência em relação ao estado", disse a senadora, que ultimamente tem se dedicado ao estudo da psicanálise.
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http://veja.abril.com.br/300909/numero-2-lula-p-068.shtml
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Edgard Garrido/Reuters |
À vontade Zelaya dorme na embaixada brasileira em Tegucigalpa: ele se diz torturado por "mercenários de Israel" com "radiação de alta frequência" |
Lula tem na política o instinto matador que caracteriza os grandes artilheiros do futebol tão admirados por ele. Na semana passada, essa habilidade abandonou o presidente da República. Ele esteve em Nova York para discursar na abertura da 64ª Assembleia-Geral da ONU, palco privilegiado para fazer aquilo de que mais gosta e que faz como poucos: enaltecer o Brasil aos olhos do mundo. Em sua fala, Lula assinalou os avanços no uso de energias limpas no Brasil e mesmerizou os burocratas internacionais com ataques à caricatura do mercado onipotente. Ficou nisso. A maior parte do tempo passado sob os holofotes foi dedicada por Lula a falar de um país estrangeiro, Honduras, uma nação paupérrima sem nenhuma relação especial com o Brasil. Politicamente instável, Honduras vem de ejetar do posto e exilar um presidente, Manuel Zelaya, pela tentativa de desrespeitar a Constituição e, por meio da convocação de um plebiscito, perpetuar-se no poder.
Caso típico da contaminação ideológica patrocinada pelo venezuelano Hugo Chávez, Zelaya vendeu a Caracas seu pouco valorizado passado de latifundiário direitista. De repente, começou a se pautar pela cartilha populista chavista de miséria moral e material, supressão de liberdades individuais, desrespeito às leis, aos costumes civilizados, associação com o narcotráfico e, claro, eternização no poder – receita que estranhamente passou a ser chamada de esquerda na América Latina. Em uma operação comandada por Chávez, Zelaya foi conduzido de volta a Honduras e se materializou com numerosa comitiva na casa onde funciona a Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Esse hóspede incômodo, de aparência bizarra e com sinais evidentes de distúrbios mentais – ele se diz vítima de ataques por radiação de alta frequência e gases tóxicos que ninguém mais percebe –, foi o grande assunto de Lula em Nova York. O Brasil pode esperar outra oportunidade.
Zelaya é um problema dos hondurenhos que encurtaram seu mandato antes que ele o espichasse indefinidamente. É um problema também de Chávez, que não se conforma em perder o investimento feito na conversão dele ao seu credo. É um problema dos Estados Unidos pela proximidade geográfica e por estar na sua esfera de influência histórica. Pois a semana acabou com Zelaya sendo um problema e constrangimento para o Brasil. Golpe de mestre de Chávez, que evitou alojar Zelaya na Embaixada da Venezuela, ordenando a seus amigos na paradiplomacia brasileira chefiada por Marco Aurélio Garcia que o acolhessem na representação brasileira. "Hoje, o Brasil tem um problema em Honduras e Chávez, que o produziu, não tem nenhum", diz Maristela Basso, professora de direito internacional da Universidade de São Paulo. Chávez age como o líder do subcontinente americano. Faz troça dos Estados Unidos e ignora Lula.
Edgard Garrido/Reuters |
SINTAM-SE EM CASA Partidários de Zelaya sob proteção brasileira: a embaixada em Honduras foi convertida em palanque eleitoral |
"O Brasil passou à condição de refém de Zelaya. Ele jamais quis nossa proteção, tudo o que quer é usar a embaixada como palanque eleitoral", definiu na sexta-feira passada o embaixador Marcos Azambuja, expoente do passado de diplomacia profissional de padrão mundial que um dia prevaleceu no Itamaraty. O ministro-conselheiro Francisco Catunda Resende, único diplomata brasileiro em Honduras, foi quem recebeu Zelaya, acompanhado da mulher, Xiomara, filhos e bagagem, às 11 horas da manhã de segunda-feira. Catunda Resende já tinha sido informado, em termos misteriosos, da iminente chegada de um visitante ilustre, conforme VEJA apurou no Itamaraty. O que não estava combinado era que Zelaya transformaria a embaixada em comitê de campanha, com centenas de correligionários acampados dentro do prédio. Ele deu entrevistas dentro da embaixada e proferiu um discurso da varanda do 2º andar. Disse que lutaria pelo cargo até a morte e conclamou a população a resistir. Tomou conta do lugar com tal desfaçatez que seu pessoal se recusou a dividir com os funcionários brasileiros a comida enviada pela ONU. A situação é inédita nas relações internacionais (veja o quadro). Em geral, um país dá asilo em sua embaixada a alguém que é perseguido e corre risco no país. Não é o caso de Zelaya, que estava em segurança na Nicarágua e resolveu voltar para Honduras, onde há um mandado de prisão contra ele. A versão oficial do Itamaraty é que está "abrigando o presidente Zelaya numa situação peculiar, na qual ele corre risco" e que ele "não é um asilado". "Se eu estivesse lá, deixaria o presidente deposto entrar na embaixada e o manteria lá. O que não tem cabimento é a chegada de 300 aliados políticos, que passaram a utilizar a embaixada como um comitê", diz Roberto Abdenur, que foi embaixador em Washington.
Fotos Henry Romero/Reuters e Franklin Rivera/AFP |
PAÍS TUMULTUADO Hondurenhos protestam contra Chávez e, ao lado, partidário de Zelaya: o incrível latifundiário que virou ícone esquerdista |
Houve um golpe de estado? Sim. País pequeno e pobre, Honduras foi transformada num caso exemplar do repúdio da comunidade internacional aos golpes de estado. Foi castigada com sanções econômicas e congelamento nas relações diplomáticas. Exceto por isso, o problema não era tão grande. A medida de força foi, até certo ponto, justificável pelas leis do país. Até o momento do golpe, o maior perigo para a democracia era o presidente Manuel Zelaya. Ele seguia os passos de Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales, e queria reescrever a Constituição para ampliar o próprio mandato. Não foi um golpe revolucionário, que rasga a Constituição, militariza o Poder Executivo e elimina a liberdade de expressão. Ao contrário, o objetivo era preservar as instituições. As eleições foram mantidas, com a presença da oposição, em 29 de novembro. Havia calma nas ruas, apesar de o país sentir o peso das sanções econômicas. A situação em Honduras só tinha importância para Zelaya. Se as eleições fossem realizadas, um novo presidente assumiria e o deposto cairia no anonimato. Em entrevista a VEJA, o americano Peter Hakim, do Diálogo Inter-Americano, um centro de estudos em Washington, colocou a questão em termos realistas: "Honduras pode ter cometido um pecado, mas não é a Sérvia ou Darfur. A comunidade internacional deveria focar no retorno da melhor democracia que eles possam ter". O governo Lula preferiu apoiar os planos de continuísmo de Zelaya. Essa intervenção jogou lenha na fogueira e pôs Honduras à beira da anarquia.
Rodrigo Abd/AP |
CAOS E TEMOR O país estava em paz, mas a volta do presidente deposto esquentou os ânimos: supermercado saqueado |
Os hondurenhos desconheciam então que o presidente também recebera de Chávez conselhos perversos sobre como se utilizar de mecanismos democráticos, como eleições e plebiscitos, para aniquilar a democracia e se perpetuar no poder. Um comunista diria que faltaram ao chavista neófito as condições objetivas para aplicar o modelo bolivariano de tomada do poder. Em fim de mandato, com popularidade baixa (30%), andava às turras com os companheiros liberais e, quando não conseguiu cooptar o chefe das Forças Armadas para a realização do plebiscito, ele fez a besteira de demiti-lo sumariamente. É um mistério como ele pretendia ser aceito como caudilho sem ter o apoio do Judiciário, do Legislativo, das Forças Armadas e da população. É difícil deduzir se Zelaya se atrapalhou por esperteza ou ingenuidade. Não se deve descartar a hipótese de que o homem seja um lunático. Como sugere sua queixa, na semana passada, de que "um grupo de mercenários israelenses" estava perturbando seu cérebro com "radiações de alta frequência". A paranoia dos raios mentais é um sintoma clássico de esquizofrenia. O certo é que Zelaya não cabe no figurino de um mártir da democracia.
Oswaldo Ribas/Reuters |
SEQUELAS DO GOLPE Roberto Micheletti, presidente interino de Honduras: sanções econômicas já causaram uma queda de 6% no PIB hondurenho |
Com reportagem de Thomaz Favaro
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http://veja.abril.com.br/300909/pesadelo-nosso-p-116.shtml
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