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15/11/2012
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03h30
Vil metal e vil prisão
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BRASÍLIA - Enquanto eram os PPP (pobres, pretos e prostitutas)
jogados desde sempre nas cadeias, estava tudo muito bem. Bastou o
Supremo decretar dez anos e dez meses de prisão para José Dirceu para
todo mundo acordar e discutir a realidade penitenciária brasileira.
Se o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classifica as prisões do
país como "medievais" e prefere a morte a ficar preso no Brasil, o que a
sociedade e principalmente os próprios condenados podem dizer?
Com a autoridade de quem atuou efetivamente para melhorar esse estado de
coisas, retirando das prisões milhares de presos ilegais à época em que
presidiu o STF e o CNJ, Gilmar Mendes concordou com a crítica de
Cardozo, mas ironizou: "Lamento que ele fale só agora".
Depois da pena de Dirceu à prisão, também entrou em pauta no Supremo o
debate sobre penas pecuniárias versus privação de liberdade. Ou seja,
multas em vez de prisão.
Estridente, Dias Toffoli disse que o intuito dos crimes (do mensalão)
era financeiro, e não atentar contra a democracia ou partir para a
violência, e resumiu: "Era o vil metal. Que se pague então com o vil
metal".
E houve uma inversão. Antes, o revisor Ricardo Lewandowski abria o
debate e Toffoli o acompanhava. Ontem, Toffoli puxou a questão e
Lewandowski foi o primeiro a aderir à tese, com uma ressalva: desde que
de acordo com as posses do réu.
Soou como uma tentativa de negociação típica de advogados, não de
juízes: já que estão condenados, que paguem em dinheiro, não em dias na
cadeia. Tudo, menos levar réus tão ilustres para a prisão?
A dinâmica do julgamento, porém, segue a lei e a tradição: uma coisa não
elimina a outra. Condenados devem pagar com o bolso e, dependendo do
caso, com a liberdade.
Que a condenação de poderosos não seja em vão nem só vingança. Além de
resgatar a Justiça, que possa também tornar mais justas as prisões
medievais dos brasileiros comuns.
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Eliane Cantanhêde, jornalista, é colunista da Página 2 da versão impressa da
Folha,
onde escreve às terças, quintas, sextas e domingos. É também
comentarista do telejornal "Globonews em Pauta" e da Rádio Metrópole da
Bahia.