Vamos tirar reeleição da nova Carta boliviana, diz vice-presidente
Álvaro Garcia Linera
O vice-presidente da Bolívia, Álvaro Garcia Linera, afirmou que o governo vai retirar a reeleição para presidente e vice da nova Carta boliviana e que o tema será submetido à população em um referendo separado do texto da nova Constituição, que também irá a consulta popular.
É a primeira vez que o governo fala da proposta. Linera acredita, porém, que nem isso destravará a tramitação da Constituição, cujo prazo para ficar pronta expira em 14 dezembro. Para ele, a oposição do país recusa-se à aprovação da Constituição --que, sustenta, estará pronta, sim ou sim, no dia 15-- para não constitucionalizar a lei de nacionalização dos hidrocarbonetos e terras. Sociólogo marxista e matemático de 45 anos, ele usa imagens do sociólogo marxista italiano Antonio Gramsci para explicar a Bolívia atual. Segundo García Linera, o país resolveu "o empate catastrófico" entre conservadores e progressistas na disputa sobre o projeto do Estado boliviano com a vitória de Evo Morales em 2005. Resta, porém, resolver o embate de forças políticas e essa é a explicação para o confronto entre o governo Evo Morales e seis dos nove departamentos (Estados) bolivianos, que paralisaram as principais cidades do país na semana que passou e ameaçam declarar autonomia unilateral em relação a La Paz. García Linera vê como cenário possível, ainda que não o mais provável, um confronto entre movimentos sociais e a elite do leste do país, caso a última resolva desconhecer o governo nacional: "Eles estão abrindo uma caixa de Pandora que pode ser muito perigosa." Leia a íntegra da entrevista concedida à Folha em seu apartamento em La Paz, na noite de sábado, onde o vice-presidente fala sobre a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente chilena Michelle Bachelet na próxima semana à Bolívia e a crise de abastecimento de diesel, que preocupa produtores do departamento de Santa Cruz --inclusive brasileiros, responsáveis por 35% da produção de soja local.
Depois da entrevista, García Linera disse ainda à Folha que o governo pretende mudar no texto da Carta as regras para a eleição da Assembléia Legislatura Plurinacional, com 157 cadeiras, que pela proposta substituirá Câmara e Senado.
O texto atual diz que a eleição garantirá "a participação proporcional dos povos originários e nações indígenas camponesas", e participação igual de homens e mulheres. Segundo o vice-presidente não haverá cotas para povos originários. "Eles não precisam de cotas, não são minorias --isso faria sentido no Brasil, talvez". No futuro, diz, com a consolidação da participação política dos indígenas, o país precisará de cotas para brancos. Na Bolívia, 62% da população se declara indígena.
FOLHA - O sr. mencionou, numa entrevista logo após a vitória nas eleições, que a Bolívia caminhava para resolver "o empate catastrófico" entre duas forças --as conservadoras e as progressistas-- em que o país estava preso. Com a crise com seis dos nove departamentos (Estados), o empate não está posto de novo?
ÁLVARO GARCÍA LINERA - Em 2003, lidamos com essa hipótese gramsciana do empate catastrófico, na medida que resumia a coexistência confrontada de duas visões, dois projetos de país. Um em ascensão e outro em descenso, e os dois disputando os rumos da sociedade, em que não se consolida um projeto estatal. Dissemos que a eleição de 2005 resolvia o empate catastrófico porque consolidava um projeto de país. Isso não significa que havia acabado a confrontação, mas naquele momento estava claro que a política que viria depois teria eixos definidos, com posições mais conservadoras ou mais radicais, mas já com consenso na sociedade. Quais são esses eixos que se impuseram? O papel do Estado na economia: não há um projeto, ao menos na Bolívia, que diga "voltemos à privatização, ao investimento privado em setores estratégicos". Até a direita tem de dizer: "Não nacionalizaram bem, eu faria de outra forma."
É a primeira vez que o governo fala da proposta. Linera acredita, porém, que nem isso destravará a tramitação da Constituição, cujo prazo para ficar pronta expira em 14 dezembro. Para ele, a oposição do país recusa-se à aprovação da Constituição --que, sustenta, estará pronta, sim ou sim, no dia 15-- para não constitucionalizar a lei de nacionalização dos hidrocarbonetos e terras. Sociólogo marxista e matemático de 45 anos, ele usa imagens do sociólogo marxista italiano Antonio Gramsci para explicar a Bolívia atual. Segundo García Linera, o país resolveu "o empate catastrófico" entre conservadores e progressistas na disputa sobre o projeto do Estado boliviano com a vitória de Evo Morales em 2005. Resta, porém, resolver o embate de forças políticas e essa é a explicação para o confronto entre o governo Evo Morales e seis dos nove departamentos (Estados) bolivianos, que paralisaram as principais cidades do país na semana que passou e ameaçam declarar autonomia unilateral em relação a La Paz. García Linera vê como cenário possível, ainda que não o mais provável, um confronto entre movimentos sociais e a elite do leste do país, caso a última resolva desconhecer o governo nacional: "Eles estão abrindo uma caixa de Pandora que pode ser muito perigosa." Leia a íntegra da entrevista concedida à Folha em seu apartamento em La Paz, na noite de sábado, onde o vice-presidente fala sobre a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente chilena Michelle Bachelet na próxima semana à Bolívia e a crise de abastecimento de diesel, que preocupa produtores do departamento de Santa Cruz --inclusive brasileiros, responsáveis por 35% da produção de soja local.
Depois da entrevista, García Linera disse ainda à Folha que o governo pretende mudar no texto da Carta as regras para a eleição da Assembléia Legislatura Plurinacional, com 157 cadeiras, que pela proposta substituirá Câmara e Senado.
O texto atual diz que a eleição garantirá "a participação proporcional dos povos originários e nações indígenas camponesas", e participação igual de homens e mulheres. Segundo o vice-presidente não haverá cotas para povos originários. "Eles não precisam de cotas, não são minorias --isso faria sentido no Brasil, talvez". No futuro, diz, com a consolidação da participação política dos indígenas, o país precisará de cotas para brancos. Na Bolívia, 62% da população se declara indígena.
FOLHA - O sr. mencionou, numa entrevista logo após a vitória nas eleições, que a Bolívia caminhava para resolver "o empate catastrófico" entre duas forças --as conservadoras e as progressistas-- em que o país estava preso. Com a crise com seis dos nove departamentos (Estados), o empate não está posto de novo?
ÁLVARO GARCÍA LINERA - Em 2003, lidamos com essa hipótese gramsciana do empate catastrófico, na medida que resumia a coexistência confrontada de duas visões, dois projetos de país. Um em ascensão e outro em descenso, e os dois disputando os rumos da sociedade, em que não se consolida um projeto estatal. Dissemos que a eleição de 2005 resolvia o empate catastrófico porque consolidava um projeto de país. Isso não significa que havia acabado a confrontação, mas naquele momento estava claro que a política que viria depois teria eixos definidos, com posições mais conservadoras ou mais radicais, mas já com consenso na sociedade. Quais são esses eixos que se impuseram? O papel do Estado na economia: não há um projeto, ao menos na Bolívia, que diga "voltemos à privatização, ao investimento privado em setores estratégicos". Até a direita tem de dizer: "Não nacionalizaram bem, eu faria de outra forma."
FLÁVIA MARREIRO; Enviada especial a La Paz da Folha de S.Paulo. 0312.
[Entrevista a ser publicada].
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