Como reverter um desastre
Autor(es): Claudio J. D. Sales |
O Estado de S. Paulo - 09/06/2011 |
Na noite do dia 1.º de junho, o Senado Federal aprovou a Medida Provisória (MP) 517/10, que, dentre seus 53 artigos multitemáticos, prorrogou a Reserva Global de Reversão (RGR) até 2035. A cobrança desse encargo desnecessário e que pesa sobre a conta de luz deveria ter sido encerrada no dia 31 de dezembro de 2010, mas, com a aprovação da MP, os consumidores de energia serão forçados a desembolsar cerca de R$ 40 bilhões nos próximos 25 anos. Cientes do absurdo que a prorrogação da RGR representa, alguns senadores tentaram, em plenário, impedir a iniciativa. Mas a base de apoio ao governo, orientada a não abrir mão dessa arrecadação, fez valer sua maioria e conseguiu a vergonhosa aprovação da MP. Durante as várias horas de discussão sobre a MP 517/10 - apelidada de Frankenstein, por versar sobre temas completamente distintos - nenhum senador foi capaz de defender a prorrogação da RGR. Discorreram sobre outros artigos da MP, que perderia a eficácia caso não fosse aprovada naquela sessão. Com a pressa, votaram como foram orientados, talvez até constrangidos. Mas renunciaram ao direito de questionar e ao dever de representar os interesses de seus eleitores. Tornou-se nítida a incoerência dessa MP, justamente no momento em que o Executivo começa a admitir, por pressão da sociedade, que a absurda carga tributária sobre a conta de luz precisa ser reduzida. De 1999 a 2008, os tributos e encargos sobre a energia elétrica aumentaram a uma taxa de 13,5% ao ano. E todos os episódios que levaram a esse resultado foram iniciativas do Poder Executivo, com anuência do Congresso. A defesa da continuidade da RGR pelo governo apoiou-se no argumento central de que o encargo é reinvestido no setor elétrico. Pela versão do governo, o Fundo RGR, que acumula R$ 16 bilhões, seria uma poupança para financiar investimentos a taxas subsidiadas e custear programas do setor. Mas a realidade é bem diferente. A RGR é cobrada diretamente sobre os investimentos do setor elétrico e, portanto, em vez de estimulá-los, encarece-os: as concessionárias de energia pagam uma alíquota de 2,5% sobre os investimentos. E mais da metade (54%) do Fundo RGR está retida pelo governo federal e tem sido usada para o superávit primário. Não há regras claras e transparentes para a aplicação dos recursos do fundo. Sua gestão sofre de um vício que precisa ser urgentemente sanado: é a Eletrobrás que administra os recursos e decide onde e como serão aplicados. O resultado é que 66% dos recursos beneficiam empresas subsidiárias ou coligadas da Eletrobrás. A gestora do Fundo RGR é, portanto, sua maior beneficiária, em flagrante conflito de interesses. Além disso, a Eletrobrás ainda é remunerada por essa função. Somente em 2010 recebeu R$ 90 milhões. Os critérios de alocação dos bilhões da RGR precisam ser imediatamente comunicados para que o consumidor, que paga a conta, saiba quais projetos, e por quais razões, estão sendo financiados. Mesmo o Congresso Nacional tendo desperdiçado essa grande oportunidade de beneficiar os consumidores de energia e a economia do País com a extinção da cobrança da RGR, ainda há como amenizar o prejuízo. Tornar transparente a gestão do Fundo RGR - que, vale ressaltar, continuaria existindo mesmo com o fim do encargo na conta de luz - é um desafio que deve ser abraçado pelos parlamentares que se envergonham da recente decisão consentida pelo Congresso Nacional. A lei que criou a RGR já foi alterada diversas vezes para prorrogar sua cobrança e dar novas destinações ao encargo - muitas vezes com sobreposição a outros encargos. Com mais coragem, ainda é possível propor um projeto de lei para extinguir a cobrança da RGR. Será mais meritória uma alteração que respeite o bolso do brasileiro e barateie os investimentos. É uma boa chance para o Congresso Nacional provar que não é apenas carimbador de iniciativas do Executivo, inclusive das mais descabidas. ------ (*) A VOLTA DO BOÊMIO (Nelson Gonçalves). --- http://youtu.be/61tLRiiOa9c ----------------- |
Nenhum comentário:
Postar um comentário