As únicas opiniões que o Brasil de Brasília costuma levar em conta são as do travesseiro e do espelho. Natural. O travesseiro e o espelho têm vocação para a indulgência. Aprovam tudo. Perdoam qualquer coisa. Nos último dias, porém, uma outra opinião vem emitindo sinais de que deseja ser ouvida: a opinião pública. Ouviram-se, aqui e ali, as primeiras vaias.
Neste domingo, em São Paulo, um naco daquilo que o ex-governador Cláudio Lembo chamou de “elite branca” foi à rua –6.500 pessoas, pelas contas da PM. Não é todo dia que um pedaço do Brasil bem-nascido desce ao meio-fio para protestar. Essa gente vive num paraíso que Manuel Bandeira classificaria de Pasárgada pós-moderna, com grades na janela, muros altos e, por vezes, segurança privativa. Desfrutam de uma normalidade assombrosa. Para apartar pessoas como essas da companhia de seus lençóis, numa manhã cinzenta de domingo, só mesmo um acontecimento desses que ferem a rotina como uma lâmina fria, só mesmo um episódio desses que fazem a vida escapar ao controle. Por exemplo: a morte, numa única explosão, de duas centenas de brasileiros – a maioria branca e bem-posta. Pois bem, sob garoa fina e um frio de 11 graus, esses 13.000 pés forrados com calçados finos e tênis de grife resolveram romper a inércia, pisando o asfalto.
O objetivo primordial era o de homenagear as vítimas da tragédia da TAM e os bombeiros que se esfalfaram para resgatar os corpos carbonizados. Mas, em meio ao choro e às lamúrias, ouviram-se protestos contra Lula e seu governo. Não foram poucos.
O Palácio do Planalto pode reagir à manifestação de três maneiras. A melhor forma de reação seria a adoção de providências que demonstrem capacidade gerencial para demover o caos aéreo. A forma inadequada seria ignorar a passeata.
E a pior forma de reação seria a organização, como começam a defender os acólitos de Lula, de manifestações públicas de apoio ao governo, contrapondo os insatisfeitos ao grupo dos contentes. Monteiro Lobato já denunciava a passividade do Jeca Tatu. Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, cunhou a imagem do brasileiro como o “homem cordial”. Uma imagem que arrastou atrás de si, a contragosto do autor, a famigerada interpretação de que o Brasil é um país mergulhado no doce conformismo dos países atrasados. O recado embutido na passeata da “elite branca” é o de que a paciência, mesmo no Brasil, tem limites. Para além da identificação de culpados –algo que, no caso da TAM, ainda depende da conclusão das investigações—, o que se pede é um mínimo de respeito. Além de uma dose de eficiência compatível com a carga de tributos que a administração pública arranca dos bolsos alheios. Não é, convenhamos, muita coisa.
Escrito por Josias de Souza, Folha Online. Chargista Angeli, 3007.
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