O Congresso Nacional tornou-se monotemático. Nos corredores, nos gabinetes da presidência da Câmara e do Senado, nos plenários das duas Casas, em toda parte só se discute uma coisa: medida provisória. É MP pra lá. É MP pra cá. Só se fala nisso.
Como se sabe, as MPs são baixadas pelo presidente da República. Têm peso de lei a partir do instante em que são publicadas no "Diário Oficial", antes mesmo de votadas pelos congressistas. No Legislativo, entram pela Câmara. Só depois vão ao Senado. Na pauta de votações, as MPs têm preferência absoluta. Nada pode ser votado antes delas.
Daí a irritação de deputados e senadores. “Vivemos sob a ditadura do Executico”, resume José Aníbal (SP), líder do PSDB na Câmara. “No ano passado, produzimos muito pouco, quase nada. Em 2008, só votamos MPs.” Embora seja mais candente na oposição, a revolta contra o acúmulo de MPs contagiou também as legendas que gravitam em torno do Planalto. Mais: os presidentes do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), e da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), parecem ter comprado a briga. A dupla também acha, ao menos na retórica, que o Planalto não pode continuar prevalecendo sobre o Legislativo por meio do “grito” que as MPs representam. Acham que urge abrir janelas para que o Congresso retome a sua atividade precípua: legislar. Garibaldi chega a dizer que o Congresso “virou um quartinho de despejo do Planalto.” A gritaria ecoou do outro lado da Praça dos Três Poderes. Chegou em volume tão alto que Lula autorizou o seu coordenador político, ministro José Múcio, e os líderes no Congresso a ir à mesa. De uma coisa, porém, não abre mão: quer continuar editando MPs sempre que julgar que elas são imprescindíveis. Mudanças? Apenas aquelas que não usurpem os poderes constitucionais do presidente. Ou seja: poucas alterações, muito poucas, pouquíssimas. Um auxiliar de Lula disse ao repórter ter ouvido do presidente algo assim: “Se o Fernando Henrique podia [lançar mão das MPs], por que eu não posso? Todos os meus antecessores usaram. Por que não reclamaram antes?” Na verdade, reclamaram. Só que as queixas eram feitas pelo ex-oposicionista PT. Gritava muito, mas não dispunha de votos suficientes para tranformar berro em ação. Lula encomendou um levantamento comparativo das MPs que baixou e das que foram editadas sob FHC. Sustenta que, nessa matéria, o antecessor o supera. A principal queixa da maioria dos parlamentares diz respeito a uma peculiariadade das MPs: o chamado “trancamento de pauta”. Queixam-se de que, quando há MPs em plenário, nada mais pode ser votado. E como Lula baixa uma MP atrás da outra, só se vota o que interessa ao governo. Chegou-se à fronteira do paroxismo. Quando querem ver algo aprovado no Parlamento, os congressistas amigos do governo suplicam para que suas propostas sejam injetadas, como carona, nos amplos vagões das MPs. Entre as idéias sob análise, há algumas que deixam Lula e sua equipe de cabelo em pé.
Por exemplo: 1) a MP só passaria a ter peso de lei depois que as comissões de Justiça do Legislativo as considerasse “urgente” e “relevante”, como manda a Constituição; 2) se não fossem votadas num prazo de 120 dias, as MPs perderiam instantaneamente sua eficácia. Com isso, o governo se veria compelido a mobilizar os seus exércitos se quisesse impedir o pior, aprovando-as antes da queda por decurso de prazo. O tema foi objeto de discussão de um encontro realizado na noite passada no Planalto. Deu-se no gabinete de Lula. Lá estavam, além do presidente, o ministro Múcio e os lideres governistas no Congresso. Ficou estabelecido o seguinte: o governo vai negociar, mas não abre mão de preservar o caráter mandatório das MPs e algum tipo de preferência nas votações. Um assessor de Lula lembrou ao repórter que quem criou o “trancamento de pauta” foi o governador tucano de Minas, Aécio Neves, à época em que presidiu a Câmara. Qualquer mudança depende de alteração na Constituição. E o governo festeja o fato de que a aprovação de projetos de emenda à Constituição exige o voto de três quintos do Congresso. Algo não será obtido sem o pleno assentimento da base congressual governista. Nesta segunda-feira (17), o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ) deve apresentar uma proposta de reforma da sistemática de tramitação das MPs. Age por encomenda de Arlindo Chinaglia, que constituiu comissão especial para tratar do tema, já esmiuçado pelo Senado. A proposta de Picciani contém parte das idéias que o governo rejeita. O deputado esteve com Múcio, no Planalto. Mas decidiu apresentar o seu parecer como se encontra. Escora-se no fato de que a peça, antes de ser levada a voto, será emendada a mais não poder. José Aníbal, o líder tucano, conta que, há uma semana, os comandantes da oposição reuniram-se com o líder de Lula na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS). Sugeriram uma moratória na edição de MPs até que o Congresso delibere sobre as mudanças. Em troca, a oposição se absteria de obstruir as sessões, facilitando a votação das 18 MPs que ainda atulham os escaninhos do Legislativo. Fontana disse que poderia negociar uma redução do número de MPs, nada além disso. Nesta segunda, Múcio acenou com a hipótese de o governo firmar um “pacto” pela diminuição do fluxo de MPs. Não falou em números. Tião Viana (PT-AC), o vice-presidente do Senado, sugere um corte de 50% em relação a 2006. Em meio à algaravia, o Planalto prepara a edição de novas MPs. Concedem aumentos salariais para cerca de 800 mil servidores públicos e abrem créditos para obras do PAC. Alega-se que o Orçamento da União, aprovado na semana passada, só vai vigorar no mês que vem. E as obras não poderiam esperar. Ou seja, vem mais barulho pela frente. “Nós queremos negociar, mas é preciso que haja bom senso”, diz o oposicionista Aníbal. “As MPs estão impedindo o Congresso de deliberar sobre temas que interessam a todo mundo. Por exemplo: estão prontos para votação 13 projetos que tratam de segurança pública, projetos sobre voto distrital, o projeto das agências reguladoras e a proposta de reforma tributária.” Escrito por Josias de Souza, Folha Online, 1803.
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