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quarta-feira, março 11, 2009

CRISE MUNDIAL: UM "ESPÍRITO ANIMAL" (A)RISCO

"Crise feriu espírito animal do empresário", diz ex-BNDES

Autor(es): Sergio Lamucci
Valor Econômico - 11/03/2009
Ex-presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros vê um período difícil para o investimento - no Brasil e no mundo. Segundo ele, o "espírito animal" dos empresários, de que falava o inglês John Maynard Keynes, foi duramente afetado pelo agravamento da crise, como mostraram os números divulgados ontem pelo IBGE. "Também contribuiu para esta mudança o desarme dramático da corrente de comércio internacional e o brutal choque negativo em nossos termos de troca, que em apenas seis meses eliminou os ganhos dos três anos anteriores e contribuiu decisivamente para a queda dos investimentos", diz Mendonça de Barros, também ex-ministro das Comunicações. "O espírito animal, por ser uma reação emocional altamente dependente da confiança em relação ao futuro, foi ferido gravemente no Brasil e no mundo, e talvez por um período que pode ser muito longo."

O economista acredita que a economia brasileira deve se recuperar nos dois últimos trimestres de 2009, desde que "não haja o que os analistas chamam de 'double dip' [duplo mergulho] nos EUA" - o grande risco que aparece atualmente em seu radar. Para Mendonça de Barros, a retomada do Brasil, ainda que lenta, poderá vir principalmente do mercado de trabalho "ainda preservado", em função da menor inflação em 2008 e 2009. Uma queda mais agressiva dos juros e alguma recuperação nos preços de commodities podem completar o quadro positivo para o segundo semestre. Mesmo assim, o economista estima que em 2009 o PIB deve cair 0,5% ou ficar estável.

Para Mendonça de Barros, ao mesmo tempo em que permite reduções mais fortes da Selic, o momento continua a exigir cautela na condução da política fiscal. Ele avalia que a atuação do governo na crise está na direção correta, em geral, apesar "do discurso fanfarrão". A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Qual o significado da queda do PIB? O que ela indica sobre os efeitos da crise mundial no Brasil?

Luiz Carlos Mendonça de Barros: O maior significado para mim é a certeza de que fomos atingidos duramente pela crise. Outro ponto importante é que os agentes econômicos privados, consumidores e, principalmente, empresários, tiveram uma avaliação mais realista da dimensão da crise no mundo econômico que nos cerca e não acreditaram no discurso oficial de que estávamos blindados em função de nosso crescimento interno e do bom estado de variáveis macroeconômicas. Mesmo sofrendo menos que outras economias o Brasil não pode escapar de uma crise da dimensão que estamos vivendo. O governo tem que tomar consciência disso e administrar a política econômica para tempos de dificuldade. Usando uma fábula conhecida, os tempos atuais estão mais para formiga do que para cigarras fanfarrãs.

Valor: O Brasil estava no maior ciclo de investimento das últimas décadas. A queda de 9,8% na formação bruta de capital fixo indica que esse ciclo já foi abortado?

Mendonça de Barros: Os investimentos privados estão fortemente correlacionados com o que Keynes chamou de espírito animal dos empresários. Os números divulgados pelo IBGE mostram claramente que este estado de espírito dos empresários brasileiros foi duramente afetado pelo agravamento da crise internacional. Também contribuiu para esta mudança o desarme dramático da corrente de comércio internacional e o brutal choque negativo em nossos termos de troca, que em apenas seis meses eliminou os ganhos dos três anos anteriores e contribuiu decisivamente para a queda dos investimentos. Além disso, o colapso das bolsas e a contração do crédito comprometem a estrutura de capital das empresas e dificultam qualquer plano de longo prazo. Por fim, o quadro global que se abre para os próximos anos é o de uma enorme capacidade ociosa de produção na maioria dos setores. O espírito animal, por ser uma reação emocional altamente dependente da confiança em relação ao futuro, foi ferido gravemente no Brasil e no mundo, e talvez por um período que pode ser muito longo.

Valor: Dá para dizer com o resultado, que os efeitos da crise sobre o Brasil foram mais brutais que em outros países, mesmo no mundo desenvolvido?

Mendonça de Barros: A dimensão da desaceleração de nossa economia assusta. No quarto trimestre ela foi duas vezes maior do que a da economia americana. Mas é preciso considerar que vivíamos um período de superaquecimento e o primeiro impacto foi terrível. Olhar para a desaceleração chinesa pode ser um conforto para nós. Mas as previsões para 2009 como um todo mostram nossa economia com um comportamento muito menos dramático do que o esperado para vários outros grupos de países, especialmente os da Europa e alguns países da Ásia, estes mais dependentes de comércio exterior e do consumo final americano. Nós estamos mais ligados à dinâmica de infraestrutura da China, que pode estabilizar antes do resto. Meu grande medo hoje é uma deterioração ainda maior no mundo desenvolvido e uma segunda onda nos atingindo na passagem de 2009 para 2010. Hoje a recessão no mundo desenvolvido em padrão "L", como têm dito vários economistas, é uma possibilidade real. E uma recessão deste tipo seria uma coisa muito feia, pois minaria lentamente as pessoas e as empresas, mesmo as que entraram na crise razoavelmente saudáveis.

Valor: Quando podemos esperar uma recuperação da economia brasileira? Por onde ela virá primeiro: mercado interno ou exportações?

Mendonça de Barros: Uma recuperação na economia brasileira nos dois últimos trimestres de 2009 vai ocorrer naturalmente se não houver o que os analistas chamam de "double dip" [duplo mergulho] nos EUA. O canal principal que pode permitir esta retomada, ainda que lenta, é o mercado de trabalho ainda preservado, principalmente em função de uma menor inflação este ano e no ano próximo. Outros canais importantes poderão ser a queda mais agressiva dos juros internos - taxa Selic a 9% ao ano na passagem de 2009 para 2010 - e alguma recuperação dos preços das commodities em função da economia chinesa crescendo 8% ao ano na margem já no segundo semestre. É preciso entender que o choque inicial criado pelo colapso do comércio internacional afetou o Brasil principalmente a partir dos termos de troca. Este choque pode ser compensado por uma política monetária mais frouxa e alguma criatividade na questão do crédito. Mas nós não nos defrontaremos, como é o caso de vários asiáticos, com a necessidade de converter a estrutura da economia para o consumo doméstico. Isso nós já temos, o que me dá confiança que seremos um dos primeiros países a estabilizar. Para este ano, nós prevemos que o PIB poderá cair 0,5% ou ficar estável.

Valor: Além de uma queda mais acentuada dos juros, o que poderia ser feito, em termos de política econômica, para ajudar na recuperação da economia brasileira?

Mendonça de Barros: O governo deveria se comprometer com o superávit primário necessário para estabilizar a relação dívida sobre PIB, de modo a manter o Brasil no grupo de economias saudáveis em termos fiscais. Pode ter alguma queda em relação ao do ano passado [de 4,1% do PIB], mas tem que gerir isso como formiga. Isso é uma coisa que nos diferenciou. Deve ainda continuar a agir para manter a oferta de crédito para empresas e consumidores e promover uma forte queda da taxa de juros. É importante preservar as coisas que têm ajudado a defender o país, como a situação fiscal e o nível de reservas. Eu gosto de como o BC administra a questão do fluxo cambial, sem interferir no preço, ajustando a liquidez. Usar as reservas para rolar a dívida externa de curto prazo das empresas também é uma boa ideia. O governo está em geral na direção correta, apesar do discurso fanfarrão.

Valor: Por que a sensação ainda não é de uma crise tão acentuada como os números indicam?

Mendonça de Barros: Alguns sinais de mercado são importantes, principalmente a força do real e a confiança na dívida pública, ao contrário de todas as nossas crises anteriores. Impressiona-me neste momento a liquidez no mercado de títulos públicos de prazo mais longo e o equilíbrio de fluxo no mercado de câmbio. Além disso, desta vez o impacto na renda das pessoas não está vindo de um choque de inflação, como foi o caso em 2003. Ao contrário, a renda real está por enquanto preservada e o ajuste será mais gradual, por meio de queda de emprego na margem. Faz diferença, pois a inflação pega todo mundo junto e, no quadro atual, mesmo considerando o aumento esperado do desemprego, a maioria esmagadora continuará empregada. Muitos analistas precisam de uma vez por todas entender que as consequências desta crise para o Brasil são totalmente diferentes do padrão histórico. A política monetária é a maior evidência disso e me espanta que muitos até recentemente ainda pregavam aumento de juros, como se estivéssemos em uma crise de solvência clássica.
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