OS SUCESSIVOS ESCÂNDALOS que sistematicamente corroem a imagem do Senado há pelo menos dois anos provocam indignação em qualquer cidadão razoavelmente bem informado.
As opiniões mais exaltadas já chegaram a sugerir soluções mais radicais, como a ideia de extinguir a Câmara Alta – denominação que se tornou um oxímoro diante das cenas de baixaria protagonizadas na Casa nos últimos dias. Trata-se de uma típica reação enviesada pelo tom emocional, próprio aos tempos de crise aguda.
É um dever cívico pensar em mudanças para um combalido Congresso. Mas não a tanto. Apesar dos incontáveis problemas do Senado, sua extinção seria um disparate.
Convém admitir, no entanto, que são compreensíveis os sinais de inconformismo com os rumos tomados pelo Senado. Como se não bastassem os próprios fatos políticos gerados pelas acusações correntes, a irracionalidade e o infantilismo – características geralmente atribuídas à massa ignara por teóricos da democracia para justificar as vantagens do governo representativo e a existência do Parlamento – tomaram conta até do espírito de alguns dos principais senadores da República.
Tudo bem que a política, como observou Carl Schmitt, é feita sob a dicotomia amigo versus inimigo, do mesmo modo que a economia oscila entre o lucro e o prejuízo, e o reino da estética entre o belo e o feio. Mas as excelências estão descendo ao nível das paixões mais rasas e dos instintos primitivos, os quais a arquitetura institucional e os ritos legislativos procuram aplacar.
Esse cenário lamentável fornece motivos de sobra para aqueles que querem abolir o Senado. A instituição tem obviamente graves problemas de representação, a começar pela figura extemporânea do suplente. Em torno de 20% dos representantes da Casa não são os titulares eleitos para o cargo. Foram indicados para substituí-los e, em certos casos, jamais receberam um único voto, sequer para vereador. É uma situação que, evidentemente, põe em xeque sua legitimidade.
Outras características deletérias são o tempo de duração dos longos mandatos, de oito anos, que leva a um distanciamento em relação às demandas do eleitor, e a renovação parcial de seus membros a cada pleito, baseada num conservadorismo inócuo.
As funções exercidas pelo Senado também são alvo de críticas.
Em tese, sua existência é justificada pelo federalismo. Enquanto a Câmara dos Deputados representa o povo, o Senado é a Casa dos estados, tendo uma representação igualitária, de três senadores para cada membro da Federação, independentemente do tamanho de sua população. Esse princípio busca a coesão nacional. Mas é pervertido quando o Senado deixa de se ater às questões federativas e legisla sobre uma agenda ampla, funcionando quase como uma segunda Câmara dos Deputados. Desse modo, o problema da distorção da proporcionalidade da representação dos estados, que ocorre na Câmara Baixa, é ainda mais ressaltado, por vias tortas, pelo papel exercido pelo Senado na vida nacional.
Há quem veja o Senado como uma instituição elitista criada para acomodar os interesses das oligarquias regionais. Países como Portugal, Israel, Suécia e Dinamarca prescindem desta Casa e são unicamerais. Mas as propostas radicais de extingui-lo no Brasil – levadas, insista-se, pelo clima emocional típico das grandes crises – se esquecem das nossas características nacionais, de um país com grande diversidade e disparidades regionais. A abolição do Senado não eliminaria as mazelas que permeiam a cultura política nas diversas instituições brasileiras. E ainda teria como efeito perverso o rebaixamento dos estados menos populosos e mais pobres no processo decisório do país. Abolição do Senado não elimina as mazelas da cultura política. ------------
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