Esperava-se que, diante da indignação popular contra o comportamento do Congresso, os senadores e deputados agissem com inteligência, na reforma da lei eleitoral. Agissem com inteligência, se não com a inteligência ética (ou, seja, com sabedoria), com a esperteza do oportunismo, a fim de melhorar a imagem da atividade política junto aos cidadãos. O que não ousaram os senadores, atreveram-se os deputados. Desdenhando as evidentes manifestações de desagrado dos cidadãos, aferíveis mediante as pesquisas de opinião pública e os meios de comunicação, entre eles, a internet, tudo que era ruim ficou pior no projeto aprovado quarta-feira à noite.
O ponto mais grave foi a rejeição às restrições aprovadas pelo Senado, com relação ao financiamento das campanhas. Vale tudo, até mesmo doações de entidades que recebem dinheiro da União. O financiamento é sempre público, embora dissimulado. A maioria dos deputados que aprovou tal insensatez fornece razões aos que, a pretexto da moralização, pregam abertamente golpes liberticidas. É nesse desvario – e não na conduta dos meios de comunicação – que se encontra a ameaça aos estados democráticos. Se o Parlamento não é capaz de zelar pelos interesses permanentes da sociedade nacional, cabe aos cidadãos, mediante os instrumentos possíveis, entre eles a imprensa, reclamar a restauração do bom senso.
Os cidadãos devem, apesar disso, precatar-se contra os cantos das sereias golpistas. Há quem reclame o retorno dos militares, em nome da moralidade administrativa. Seria bom que esses saudosistas do porrete se lembrassem apenas do que foi possível saber, em um tempo de férrea censura à imprensa. Lembrar-se de escândalos como os da Coroa-Brastel, da falência de bancos administrados pelos gênios da economia nacional, como o União Comercial, do senhor Roberto Campos, que causou prejuízo bilionário ao país. Só no governo Geisel – em consequência da política anterior, dos precursores do neoliberalismo – o Banco Central foi obrigado a intervir, de agosto de 1974 a abril de 1977, em dezenas de bancos e instituições financeiras. Ninguém pagou pelo prejuízo até hoje. O dinheiro roubado da poupança popular pelas empresas financeiras, que operavam no financiamento da casa própria, via BNH, deve estar flutuando em círculos em torno do Triângulo das Bermudas, entre as ilhas Cayman, as Ilhas Virgens (nem tanto assim) e outros pontos do arquipélago antilhano. Isso, sem falar no que se encontra em Jersey e nos cofres suíços.
Voltando aos cuidados do dia, o Poder Legislativo, pela sua maioria, desafia os direitos e poderes do povo, ao qual deve obediência de mandatário. Com isso, revelam, esses parlamentares, a quem devem sua eleição: aos poderes de fato que, mediante o superfaturamento de obras públicas e do fornecimento de bens e serviços ao Estado, obtêm lucros marginais ilícitos, com que financiar a carreira de alguns políticos (felizmente, nem todos). Do ponto de vista institucional, a decisão de anteontem é um retrocesso criminoso. A atual legislatura se torna responsável pelo que houver no futuro.
Toffoli
O presidente Lula indicou ao Senado, para a vaga do ministro Carlos Menezes Direto no STF, o jovem advogado José Antonio Toffoli. O presidente comete o mesmo erro que cometeu seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, com a indicação do ministro Gilmar Mendes. A única diferença é a de que Gilmar servira a Collor e a Fernando Henrique, e Toffoli tem servido ao PT e ao presidente. Para tornar ainda mais semelhante o ato, tanto Gilmar como Toffoli atuaram no mesmo cargo, o de advogado-geral da União. Faltam-lhe, como faltaram a Gilmar, os dois requisitos constitucionais básicos, o da presumível imparcialidade e o do notório saber, que no caso dos juízes, vai além do conhecimento do direito, e exige também o convívio com os problemas humanos conforme apontou Obama, na indicação da juíza Sottomayor.
O STF – como os outros poderes – passa por fase histórica crítica, diante de decisões que o senso comum não aceita. A sociedade esperava a indicação de alguém com boa experiência na magistratura, maturidade de vida, e incontestável saber jurídico, como os nomeados, até agora pelo atual governo. Apesar da força do presidente Lula, ele pode ser surpreendido. O Senado está ansioso por um beau geste que melhore a sua imagem. ------------
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