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quinta-feira, outubro 29, 2009
RIO DE JANEIRO: MORRO E ASFALTO...
29/10/2009 - 07h00
"Favela é mais segura do que Copacabana", diz ex-chefe do tráfico, hoje no AfroReggae
Enviada especial do UOL Notícias
No Rio de Janeiro
Feijão é mediador de conflitos do grupo AfroReggae, como o colega que trabalhava na favela vizinha, Parada de Lucas, Evandro João da Silva, morto bem longe dali, após um assalto no centro do Rio. O crime aconteceu por volta da 1h de 18 de outubro. Câmeras de circuito interno flagraram a liberação dos dois assaltantes por dois policiais militares, que não prestaram socorro. "Se fosse aqui em Vigário, Parada, ele poderia andar até as 4h, 5h, que dificilmente aconteceria alguma coisa", afirma.
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Esquina das ruas do Carmo e do Ouvidor, no centro do Rio, onde aconteceu o assassinato do coordenador do AfroReggae
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No lugar onde Evandro João da Silva, 42, foi encontrado ainda com vida por um amigo, a população se queixa da falta de segurança diária
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Com medo, os comerciantes não querem falar sobre o crime;
O descaso tem dois lados
"Aqui é perigoso diariamente, não dá para falar ao telefone, descuidar da bolsa, não tem policiamento. Depois das 20h, fica tudo deserto, e mesmo de sábado e domingo, nem durante o dia é bom andar não", diz a filha do dono da banca de jornal. "Teve um dia que PMs assaltaram uma loja e levaram os eletrodomésticos durante a noite. Ninguém teria visto não fosse um mendigo, que fez a denúncia", conta o taxista Antonio.
Em comparação com a região que compreende Vigário, Parada de Lucas e outras favelas violentas, como as do Complexo do Alemão, o número de ocorrências é 60% menor em média. Lá, no entanto, quase todos os crimes diminuíram no mesmo período, exceto a lesão corporal dolosa (10%), homicídios (14%) e tentativas (85%) que, ainda assim, cresceram em escalas menores.
"É uma ironia. O Evandro foi criado dentro da favela, e a violência pega ele onde as pessoas se sentem mais seguras", diz o presidente do AfroReggae, Altair Martins. "Na favela está mais seguro do que em Copacabana", complementa Feijão.
Sob o comando do tráfico
Chegou a ser preso, tem marcas de bala pelo corpo. Só largou o crime com o nascimento do primeiro filho. "Quando se é moleque na favela, a gente fica seduzido por aquilo, tênis, roupa de marca, e os chefes do tráfico tinham isso tudo. Eram meus ídolos. Mas nenhum bandido quer ver seu filho no crime, e eu percebi que aquilo era uma prisão. Não morri por sorte."
O tráfico cruel
"Na minha época, a gente se apelidava com os nomes do tráfico. Eles sorteavam brinquedos pra gente, queriam conquistar. Mas a violência não é novidade não. Do lado da minha casa, toda sexta, saía uma carroça para jogar corpos, uns 15, 20, no valão. Vítimas dos traficantes", conta Altair, que entre as histórias de infância, lembra ainda da "casa do volt", onde pessoas eram eletrocutadas com água jogada no chão, além de torturas com tacos de beisebol.
Vigário Geral é palco de confrontos há mais de 20 anos. Na madrugada de 30 de agosto de 1993, um grupo de homens encapuzados invadiu a favela para vingar a morte de quatro policiais militares por traficantes. Foram assassinados 21 moradores, sem antecedentes ou ligação com o tráfico.
A mesma opinião tem Feijão. "Esses confrontos sempre existiram. Só chegaram na televisão porque as balas perdidas chegaram lá na zona sul. Eu comecei a tomar consciência porque, a cada amigo que eu perdia, era um pouco de mim que morria. Parei de contar no 300. Mas eu sei que eu fui uma exceção no meu tempo, eu me via na necessidade de retribuir pra comunidade onde eu nasci, eu conhecia as pessoas. Era um bandido atípico", diz ele.
Largando o crime
É com a experiência de quem sabe o preço a pagar pela vida no tráfico que, hoje, ex-traficantes, como Feijão, trabalham para conscientizar jovens da comunidade, através da música, da arte e da cultura.
Há também os que não estiveram no crime, mas conviveram com ele. "Eu, assim como o Evandro, nunca mexi com o tráfico, mas eu quis sair da favela por causa disso", afirma Altair. "Antes de conhecer o AfroReggae, eu nunca tinha ido ao cinema. Então, hoje, eu quero ajudar a abrir a cabeça desses jovens para o que o mundo oferece."
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Ex-chefe do tráfico em Acari, Washington Rimas, o Feijão, largou a vida do crime e hoje trabalha como mediador de conflitos no AfroReggae
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O grupo, com uma sede nova em construção em Vigário, onde trabalha Feijão, quer conscientizar jovens das comunidades com arte, cultura e música;
Uma nova sede do AfroReggae está sendo construída em Vigário Geral, com salas de aula, auditório, cinema, onde já acontecia uma sessão vespertina, e acesso à internet. O wi-fi já estava ligado, e em breve deverá servir a toda a favela. Um dos computadores trazia a página aberta de José Junior no Twitter. Naquele momento, era preso o segundo suspeito pela morte de Evandro, o acusado de apertar o gatilho.
"Nós perdemos um homem que fazia questão de proliferar o respeito entre seres humanos, uma pessoa do bem. Nós perdemos um grande guerreiro nessa nossa batalha diária, mas isso só nos dará mais força para continuar o trabalho que era dele e continua sendo o nosso", diz Altair.
É quase noite, e o número de sentinelas aumentou na saída de Vigário, cada um com um fuzil. "Outro dia veio um deles e falou que me viu na Globo. Eu disse pra ele: 'tá na hora né'. Ele respondeu: 'é, tô pensando'. E assim vamos, um por um", se despede Feijão.
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