Moradores que viveram a mais assustadora das noites no Morro da Bumba, em Niterói, relatam o desespero, com casas engolidas pelo lixão e crianças soterradas
Por volta das 21h de quarta-feira, um estrondo que lembrava uma batida de carros, seguido pelo som de uma cachoeira que parecia se aproximar cada vez mais, fez a estudante Gisele Barbosa, de 27 anos, e o marido saírem correndo de casa com o filho de quatro anos no colo, no Morro da Bumba, no bairro Cubango, em Niterói, Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Eles olharam em volta e viram que várias casas vizinhas tinham desaparecido e um monte de terra, água e lixo continuava a descer com uma violência assustadora. “Parecia um filme de terror. Muita gente gritando. Era como se as pessoas estivessem descendo, gritando de uma roda gigante. A gente ouvia os apelos por socorro e logo depois a pessoa era levada pela avalanche”, contou a moradora.
Aliviada por ter escapado da tragédia, Gisele entrou em pânico ao perceber que a casa da mãe estava no caminho da avalanche e começou a gritar por ela. Por sorte, a mãe tinha saído para carregar o celular em um bar próximo à comunidade minutos antes do soterramento. Quando voltou, a casa tinha desaparecido nos escombros, mas a família chorou de alegria por ter conseguido sair ilesa da catástrofe.
Buscas
Infelizmente, histórias com final feliz, como a de Gisele, foram raras no Morro do Bumba, que presenciou o episódio mais dramático desde segunda-feira, quando fortes chuvas deixaram o Rio de Janeiro em estado de calamidade pública. Os bombeiros acreditam que 50 casas foram destruídas e que 200 pessoas podem estar debaixo dos escombros. Acreditam que a avalanche começou 600 metros acima da base do morro. A Defesa Civil montou uma tenda perto do local do acidente e dezenas de pessoas passaram o dia contando histórias de dor e sofrimento, a procura de parentes e amigos desaparecidos.
Segundo moradores, não chovia na região no momento do deslizamento. Dois pontos podem ter contribuído para o acidente: primeiro, o fato de a comunidade ter sido construída em cima de um lixão desativado há mais de 30 anos. E também, por causa de uma espécie de “bolsão de água” que se formou desde segunda-feira, quando duas casas desabaram no morro, matando um morador — um aposentado de 62 anos, que tinha saído do bairro horas antes temendo um deslizamento, mas voltou para buscar um documento e acabou surpreendido. Os escombros formaram uma montanha de dois metros, que serviu como reservatório da água da chuva que caiu nos dois dias seguintes. O terreno não resistiu à pressão e desmoronou com força muito maior, arrastando o que havia pela frente num percurso de um quilômetro, segundo a Defesa Civil.
Das 22 pessoas resgatadas com vida, 15 foram retiradas pelos próprios moradores antes da chegada dos Bombeiros. Com a tragédia, o número de mortos em todo o estado, segundo dados oficiais, chegou a 182, até as 22h30 de ontem.
O prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira (PDT), disse que não havia sinalização de que isso ocorreria. “O lixão estava desativado há 50 anos. Ninguém poderia imaginar. Lamentavelmente isso ocorreu e estamos estudando as causas e as consequências no entorno. Quando houve o primeiro deslizamento, a prefeitura estava atuando aqui. A prova disso é o nosso maquinário, entre os escombros”, afirmou o prefeito.
Moradores da comunidade disseram que muitas crianças foram soterradas nos escombros de uma casa que funcionava como creche. Oito crianças dessa escola foram resgatadas com vida, mas as demais estavam desaparecidas até o fechamento desta edição.
Áreas de risco
O trabalho de resgate foi feito sob ameaça de novos deslizamentos e explosões, por causa da concentração de gás metano, comum em aterros sanitários. Cerca de 300 homens trabalharam na área desde as 22h de quarta-feira. Além dos bombeiros, soldados do Bope também foram chamados e agentes da Força Nacional de Segurança se deslocaram para o local. Equipamentos pesados, como retroescavadeiras e geradores de energia também foram fornecidos para auxiliar nos trabalhos que devem durar cerca de 15 dias.
Muitos moradores ainda insistem em ficar em suas casas, mesmo depois de ter visto a terra engolir boa parte da comunidade. “Estamos fazendo um apelo para os moradores que estão em áreas de risco para que deixem suas residências e procurem casas de familiares ou um abrigo da prefeitura”, disse o comandante-geral do Corpo de Bombeiros e subsecretário de Defesa Civil Pedro Machado.
No meio da tarde, a suspeita de um arrastão provocou pânico. Agências bancárias, restaurantes e supermercados fecharam suas portas em Icaraí.
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