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sábado, julho 03, 2010
EDITORIAL [In:] A ERA LULA ou A ESQUERDA BRASILEIRA ''JÁ ERA'' ?
A jornada da esquerda petista em direção à irrelevância, por Ethan Edwards
“A cada vez que Lula sentia necessidade de enforcar alguém, parte da esquerda corria a lhe oferecer um pedaço de corda, outra lhe trazia um pescoço”, constata Ethan Edwards em mais um texto admirável, que amplia e ilumina o post sobre a subordinação do PT à vontade de Lula e à cupidez do PMDB. É o tipo de leitura que não se adia:
Em 1980, a esquerda entregou a Lula a direção do processo de construção do PT. Compreendia que, de outro modo (isto é, com base nos princípios do marxismo ─ na hipótese de que alguém os conhecesse), não conseguiria construir o partido com que sonhava. Ou entregava a chefia do partido a Lula e seus amigos despolitizados (sabendo que daquilo adviria, na melhor hipótese, um partido populista) ou ficava à margem desse processo onde já se encontravam embarcados os militantes da Teologia da Libertação e o “novo sindicalismo”.
Optou, depois de pensar um pouco (na verdade, bem pouco), por associar-se a estes e ajudar a construir o partido que se dizia “dos trabalhadores”, reservando-se a ilusão de que, com o tempo, acabaria por arrebatar do operário personalista e seus cortesãos o comando do processo. Essa capitulação tinha um fundo realista. A esquerda já suspeitava (embora nunca tenha examinado de frente essa suspeita) que, em vez de complicados problemas teóricos, o que tornava impossível, no Brasil, a construção de um partido “verdadeiramente revolucionário” era algo bem mais difícil de “equacionar”: o povo brasileiro.
Cristão, conservador, respeitador das hierarquias, profundamente ligado à família, avesso a regras impessoais, o máximo de “comunismo” a que o brasileiro comum alguma vez se permitiu foi o de Dias Gomes e de João Saldanha, que estavam para Lênin e Trotsky assim como a umbanda está para a reforma protestante. Quem insistisse em construir no Brasil um partido marxista estaria condenado a viver num gueto. Lula, ao contrário da esquerda que o cercava, falava diretamente ao coração do “brasileiro médio”. O mais inteligente era entregar-lhe a chefia do novo partido.
Trinta anos depois, a situação da esquerda petista não melhorou. Na verdade, deteriorou-se por completo. Se lhe serve de consolo, entretanto, deve-se registrar que nessa jornada em direção à irrelevância a esquerda jamais pediu ajuda a ninguém. Caminhou sempre com as próprias pernas. A cada vez que Lula sentia necessidade de enforcar alguém, parte da esquerda corria a lhe oferecer um pedaço de corda, outra lhe trazia um pescoço. O executado quase sempre era um dos seus – mas isso não tinha importância.
O que importava, então? Boa pergunta. Aceitemos, por generosidade, que tudo não passou de um enorme erro de cálculo. Mas a pergunta que realmente interessa, no entanto, é outra, e não se refere ao passado: por que, trinta anos depois daquela decisão infeliz, a esquerda continua, como um velho serviçal desfibrado, a apoiar todos os atos, mesmo os mais desprezíveis, de um governo banalmente populista, que enriqueceu os milionários e se aliou ao que havia de pior na política brasileira, e que evidentemente jamais abrirá caminho para a “revolução”, qualquer que seja a revolução que a esquerda diz almejar?
A pessoa ideal para responder a essa pergunta já faleceu: a Dra. Nise da Silveira. Ex-trotskista, dedicou toda sua vida madura a tratar de esquizofrênicos. Ela provavelmente compreenderia, melhor do que ninguém, o que se passa na alma de um petista que continua a se imaginar “revolucionário”. Ela lhe daria tinta e pincel e o estimularia: “Pinte, meu filho. Pinte mandalas. Você vai se sentir muito melhor”.
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O partido a que Lula pertencia agora é um partido que pertence a Lula
O casamento de conveniência entre os maiores partidos governistas, concebido e consumado por Lula para eleger a sucessora que inventou, foi um bom negócio para Dilma Rousseff, um negócio da China para o PMDB e um péssimo negócio para o PT. A candidata ganhou um viveiro de palanques estaduais e mais quatro minutos no horário eleitoral gratuito. O PMDB ganhou o direito de indicar o candidato a vice-presidente, mais fatias do possível bolo ministerial e o status de parceiro preferencial ─ privilégio que lhe garantiu o apoio de Lula em todas as pendências envolvendo o parceiro. O PT não ganhou nada. Só perdeu.
Oito anos depois de ter chegado ao coração do poder com Lula, o partido ficou bem menor que o candidato vitorioso. Em 2002, para levar seu fundador à Presidência da República, o PT lançou 24 candidatos a governador. Desta vez, para instalar no Planalto uma candidata nascida e criada no PDT brizolista, teve de conformar-se com apenas 10 candidaturas próprias. Porque Lula assim resolveu, perdeu peso para que o parceiro engordasse.
O arrendamento do PT maranhense à família Sarney, que estendeu à sigla companheira o domínio exercido pelos donatários da capitania sobre o PMDB, foi tão repulsivo quanto previsível: só poderia dar nisso a sequência de capitulações desonrosas impostas pelo chefe supremo. Lula vem mostrando quem manda desde que o ex-ministro Tarso Genro ignorou a ordem presidencial para entender-se com o PMDB gaúcho e colocar-se à disposição de José Fogaça, candidato do PMDB ao governo estadual, que retribuiria a gentileza oferecendo a Dilma Rousseff um bom palanque.
Em vez disso, Tarso lançou a própria candidatura ─ sem a indispensável autorização prévia do chefe supremo. Enquadrado no crime de desobediência, acabou condenado a quatro meses de abandono: o palanque do PT não será iluminado por aparições de Lula (que está pronto para atender a todos os convites que Fogaça fizer). Tarso refugiou-se no silêncio dos resignados. Depois de mostrar que o partido tem chefe, Lula tratou de mostrar o que faz um chefe sem freios nem controles.
Em São Paulo, o PT só foi poupado de engolir a candidatura de Ciro Gomes porque o deputado do PSB cearense não se interessou pela prenda. No Rio, em troca da submissão ao governador Sérgio Cabral, Lindberg Farias ganhou um salvo-conduto para perder sem constrangimentos a eleição para o Senado. Em Minas, a rendição sem luta foi sublinhada por humilhações adicionais.
Incluído em todas as listas de prováveis sucessores de Lula até 2007, quando todos os pretendentes petistas foram preteridos pela neocompanheira Dilma Rousseff, o ex-ministro Patrus Ananias soube em abril que também estava proibido de sonhar com o governo mineiro. Em seguida, soube que deveria fazer companhia a Hélio Costa como candidato a vice. Soube, enfim, que deveria receber com muito orgulho a notícia do rebaixamento.
O PMDB dispensou-se de concessões ao PT para lançar 13 candidaturas próprias. Para chegar a 10, o PT curvou-se a todas as exigências do parceiro e não teve uma única reivindicação atendida. O baiano Jacques Wagner e a paraense Ana Júlia Carepa imaginaram que um governador no primeiro mandato teria a candidatura à reeleição prontamente chancelada pela aliança. Erraram. Wagner vai dividir o apoio de Lula e Dilma com Geddel Vieira Lima. Ana Júlia terá de sobreviver por conta própria ao confronto com a tropa de choque de Jader Barbalho.
Concluída a montagem dos palanques estaduais, a contemplação do horizonte eleitoral escancara a verdade que os companheiros fingem não enxergar. O sócio majoritário é o PMDB. O partido a que Lula pertencia agora é um partido que pertence a Lula.
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http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/
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