Petrobras substitui o nome do campo de Tupi, o maior da camada do pré-sal, pelo do presidente. Homenagem pega mal no mercado.
Ex-presidentes da República costumam emprestar seus nomes a pontes, rodovias, praças e ruas, mas Luiz Inácio Lula da Silva será lembrado no futuro por barris de petróleo. Levando ao limite a tradição política brasileira de homenagear chefes de Estado associando-os a grandes obras, a Petrobras anunciou ontem que Tupi, o maior campo comprovado até agora da camada pré-sal, passa a se chamar Lula. O gesto foi visto com ressalvas pelo mercado e coincide com a confirmação de José Sergio Gabrielli à frente da estatal durante o governo Dilma Rousseff. A estatal também rebatizou como Cernambi a área antes conhecida por Iracema.
Tupi e Iracema, localizados na Bacia de Santos (SP), eram denominações provisórias, e, conforme o artigo terceiro da Portaria nº 90 da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), quando é declarada a produção comercial do campo, o concessionário modifica o nome pelo de animais marinhos. Apesar de a maioria dos campos em alto- mar serem conhecidos por nomes de peixes, não é a primeira vez que a companhia se inspira em moluscos. Há, por exemplo, os campos Polvo e Mexilhão, na Bacia de Campos (RJ).
A diretoria da Petrobras é quem aprova as denominações. Os nomes obedecem a uma regra específica da ANP, justificou a companhia. Oficialmente, a empresa descarta qualquer vínculo do campo Lula ao nome do presidente, que deixará o cargo no sábado. Nos oito anos da era petista, o investimento em exploração e produção de petróleo chegou a R$ 283 bilhões. Com a troca de nomes, a Petrobras comunicou ontem o início da comercialização de petróleo e gás natural na camada pré-sal.
O mundo financeiro reagiu mal à homenagem, indicando que o tiro pode ter saído pela culatra. O economista da corretora Souza Barros Clodoir Vieira disse que a medida é fora de propósito, especialmente em um momento de transição de governo. “O presidente Lula não precisava disso logo na sua saída. É mais um sinal de que a democracia no Brasil ainda não está totalmente consolidada, pois ele usou a estrutura da máquina pública para ajudar a eleger Dilma Rousseff”, criticou.
“Crustáceo”
O Campo de Lula tem um volume de 6,5 bilhões de barris e será o primeiro supergigante de petróleo do país (volume recuperável acima de 5 bilhões de barris de petróleo). O de Cernambi, com 1,8 bilhão de barris, está entre os cinco maiores do Brasil. Os dados do relatório final precisam ser aprovados pela ANP. A capacidade de produção diária da plataforma na Bacia de Santos será de 100 mil barris. A Petrobras opera o campo, detém 65% da concessão e tem como sócias o BG Group, com 25%, e a Galp Energia, com 10%.
Em viagem a Fortaleza (CE), ontem, onde lançou a pedra fundamental para a instalação da Refinaria Premium II e do terminal no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, o presidente Lula comentou a mudança de nome do campo de Tupi. “Eu fiquei, fiquei orgulhoso”, disse para, em seguida, corrigir-se: “Não é o meu nome, é o nome de um crustáceo, da lula. É que eu pensei que só tinha lula pequena, aquela que a gente faz isca”. Na verdade, lulas são moluscos. Antes de deixar a cerimônia, porém, Lula voltou a falar sobre o assunto: “Então, eu fiquei feliz, sinceramente fiquei feliz. Obrigado, companheiros da Petrobras, por colocarem o meu nome”.
Ações
O volume declarado pela Petrobras nos dois campos que começam a ser comercializados, de 8,3 bilhões de barris, ficou acima das estimativas iniciais de 5 bilhões a 8 bilhões de barris. A informação não era esperada para este ano e ajudou a elevar as ações da companhia na Bolsa de Valores de São Paulo. Em dezembro, os papéis da Petrobras sobem cerca de 10%, em grande parte porque os fundos de investimentos (que possuem aproximadamente 15% dos títulos da empresa em carteira) partiram para as compras. O objetivo da operação é aumentar a demanda, que é fraca nessa época, para elevar o preço dos papéis da estatal e minimizar as perdas acumuladas no ano, que giram em torno de 25%.
Gafe atropela Dilma
Atropelando a presidente eleita, Dilma Rousseff, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ontem a permanência de José Sergio Gabrielli no comando da Petrobras durante o próximo governo. Em discurso em Fortaleza (CE), onde lançou a pedra fundamental para a instalação da Refinaria Premium II e do terminal no Complexo Industrial e Portuário de Pecém, Lula disse que Dilma decidiu manter o executivo no cargo. Poucas horas depois, a assessoria da futura presidente da República confirmou a informação.
Professor licenciado de economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Gabrielli ocupou a Diretoria Financeira da empresa em 2003 e, em 2005, assumiu a Presidência. Ao longo deste ano, conduziu pessoalmente o processo de capitalização da companhia de petróleo, que resultou em R$ 120,3 bilhões. O executivo é ligado ao PT e foi candidato pelo partido ao governo da Bahia em 1990. “Quero cumprimentar o companheiro Gabrielli por Dilma ter anunciado que ele fica na Presidência da Petrobras”, afirmou Lula.
Descontraído, Lula brincou dizendo que Gabrielli “deve estar meio chateado” com ele, em referência às obras e aos investimentos que estão programados para sair do papel nos próximos anos. “Não era normal dar trabalho para o presidente da Petrobras faltando dois dias para terminar o mandato do presidente da República”, justificou Lula. Em tom de provocação aos adversários, o presidente Lula disse que política não é feita apenas de realizações. “Política também é feita de gestos. E eu precisava fazer este gesto de voltar ao Ceará para poder assumir com o governador Cid, com o companheiro Gabrielli, com o povo do Ceará e com o povo do Brasil, o compromisso final de que o Ceará, finalmente, terá a tão sonhada refinaria que tanta gente prometeu e que não conseguiram fazer”, completou.
Mercado
Os contratos futuros de petróleo fecharam em baixa ontem depois de atingirem o maior preço em quase dois anos. O movimento foi atribuído ao rigoroso inverno que atinge os Estados Unidos e a Europa. O mercado aguarda pela divulgação dos dados sobre estoques da commodity nos EUA. O Departamento de Energia adiou o anúncio para hoje. A expectativa é que nas próximas semanas os estoques de gasolina subam. O barril do WTI para entrega em fevereiro foi negociado na Nymex a US$ 91,12, com baixa de US$ 0,37, enquanto o contrato de março encerrou o dia a US$ 91,90, com baixa de US$ 0,33. Em Londres, o Brent de fevereiro bateu em US$ 94,14, com queda de US$ 0,24, enquanto o vencimento de março foi cotado a US$ 93,98, baixa de US$ 0,21.
Recorde na mineração
O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) prevê um novo ciclo de investimentos recorde para o setor mineral de 2011 a 2015. Segundo o presidente da entidade, Paulo Camilo, o número ainda não está fechado, mas, diante da forte recuperação do setor, deve superar a cifra histórica de US$ 62 bilhões estimada para o período entre 2010 e 2014. “Acho que vai ser ainda mais forte. Hoje, temos uma oferta apertada e muita demanda (por matérias-primas)”, afirmou Camilo.
Em 2010, por conta da forte recuperação do setor, o Ibram revisou três vezes as expectativas para o ciclo 2010/2014. A primeira projeção apontava para US$ 49 bilhões e a segunda, para R$ 54 bilhões, ambas abaixo dos valores previstos antes da crise financeira mundial de 2008, que provocou uma grande retração na demanda por insumos minerais. “A rapidez da recuperação nos surpreendeu. Os valores de investimentos que trabalhamos hoje só eram esperados para meados de 2011 ou início de 2012”, destacou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário