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segunda-feira, setembro 16, 2013

CAPITALISMO NA BERLINDA?

16/09/2013
O capitalismo faliu? 


:: Roman Frydman e Michael D. Goldberg


Até seis dias antes de o Lehman Brothers quebrar, cinco anos atrás, a agência de classificação de risco Standard & Poor"s reafirmou sua nota "A" de grau de investimento; a Moody"s esperou mais tempo ainda, ao rebaixar o Lehman um dia útil antes de sua falência. Como é que agências de classificação de risco - e bancos de investimento - de renome puderam cometer tamanho erro de avaliação?

As agências reguladoras, dirigentes de bancos e agências de classificação têm boa parte da culpa pela crise. Mas o quase colapso não foi tanto uma falha do capitalismo quanto uma falha de compreensão, por parte dos modelos econômicos contemporâneos, do papel e do funcionamento dos mercados financeiros - e, de forma mais ampla, da instabilidade - das economias capitalistas.

Esses modelos foram o suporte supostamente científico para a tomada de decisões e para a adoção das inovações financeiras que tornaram provável, se não inevitável, a ocorrência do pior colapso desde a crise de 1929. Após a falência do Lehman, Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, em depoimento ao Congresso dos Estados Unidos, disse que tinha "encontrado uma deficiência" na concepção que defendia que o interesse próprio protegeria a sociedade dos excessos do sistema financeiro. Mas o mal já tinha sido feito.

Os modelos mecanicistas dos economistas contemporâneos permitem concluir que os interesses próprios dos participantes do mercado não levariam os preços dos imóveis residenciais e de outros ativos a níveis claramente exagerados às vésperas da crise.

Essa convicção pode ser atribuída à teoria econômica dominante sobre as causas da instabilidade do preço dos ativos - uma teoria que explica o risco e as flutuações dos preços dos ativos como se o futuro fosse consequência mecânica do passado. Os modelos mecanicistas dos economistas contemporâneos permitem concluir que os interesses próprios dos participantes do mercado não levariam os preços dos imóveis residenciais e de outros ativos a níveis claramente exagerados às vésperas da crise. Consequentemente, essas flutuações exageradas foram vistas como sintoma da irracionalidade dos participantes do mercado.

O recurso dos economistas contemporâneos a leis mecanicistas para entender a economia se estende também para a política pública macroeconômica, e muitas vezes se inspira em John Maynard Keynes, que teria rejeitado seu enfoque. Keynes compreendeu cedo a falácia de aplicar leis mecanicistas. "Nós nos envolvemos numa colossal trapalhada ao cometer grandes disparates no controle de uma máquina delicada, cujo funcionamento não é do nosso conhecimento."

Em "A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", Keynes tentou desenvolver o raciocínio que faltava para recorrer à política fiscal expansionista para tirar as economias capitalistas avançadas da Crise de 1929. Mas, depois da Segunda Guerra Mundial, seus sucessores formularam uma ordem do dia mais ambiciosa. 

Em vez de buscar medidas para combater as flutuações exageradas do nível de atividade econômica, como a profunda retração da década de 1930, as políticas de estabilização se concentraram em medidas destinadas a manter o pleno emprego. Os modelos "neokeynesianos" que alicerçam essas políticas públicas pressupunham que o "verdadeiro" potencial de uma economia - e portanto o fator conhecido como hiato do produto [diferença entre o potencial de produção, dado pela capacidade instalada, e a produção real] que a política expansionista tem de preencher para obter o pleno emprego - pode ser medido com exatidão.

Mas, para situar a questão, a crença de que um economista possa especificar plenamente, com antecedência, a maneira pela qual os resultados agregados - e, portanto, o nível potencial de atividade econômica- evoluem com o passar do tempo é falsa.

Mas a corrente predominante dos profissionais de economia insiste que esses modelos mecanicistas mantêm sua validade. O economista Paul Krugman, laureado com o Prêmio Nobel, por exemplo, afirma que "um cálculo aproximado" com base em "macroeconomia de manual acadêmico" indica que os US$ 800 bilhões gastos pelos EUA em incentivos fiscais em 2009 deveriam ter sido uma soma três vezes maior.
Precisamos, sem dúvida, de um novo manual acadêmico. A questão não é se o incentivo fiscal ajudou ou se um estímulo maior teria ajudado mais, e sim se os formuladores de políticas públicas deveriam agir com base em qualquer modelo que pressupõe que o futuro deriva mecanicamente do passado.

Mas renunciar ao que Friedrich von Hayek chamou de "pretensão ao conhecimento exato" dos economistas não é abandonar a possibilidade de a teoria econômica moldar a formulação de políticas públicas. Na verdade, reconhecer a contínua imperfeição do conhecimento dos economistas, formuladores de políticas públicas e participantes do mercado tem implicações importantes para a nossa compreensão de instabilidade financeira e do papel do Estado em mitigá-la.

As oscilações dos preços dos ativos não decorrem do fato de os participantes do mercado serem irracionais, e sim de sua tentativa de lidar com seu conhecimento sempre imperfeito do fluxo futuro de lucros dos projetos de investimento alternativos. A instabilidade do mercado é, portanto, decorrência natural da maneira pela qual as economias capitalistas alocam suas poupanças. Em vista disso, os formuladores de políticas públicas deveriam intervir não porque têm conhecimento superior sobre o valor dos ativos (na verdade, ninguém tem), mas porque os participantes do mercado, que buscam o lucro, não internalizam os enormes custos sociais associados às exageradas oscilações, para cima e para baixo, dos preços.

São essas flutuações exageradas, e não os desvios de algum fantasioso valor "verdadeiro" que, segundo Keynes, os formuladores de política pública deveriam tentar mitigar.

Esse ponto de vista parece ter voltado à formulação de políticas públicas do país de origem de Keynes. Nas palavras de Mervyn King, o ex-presidente do Bank of England, "Nossa compreensão da economia é incompleta e está em constante evolução... Descrever a política monetária em termos de uma lei constante derivada de um modelo conhecido da economia é ignorar o processo de aprendizagem". Seu sucessor, Mark Carney, passou a encarnar essa opinião, ao evitar as normas fixas da política pública em favor da liberdade de ação limitada embutida nas diretrizes dadas pelas faixas de variação dos principais indicadores.

Em vez de tentar alcançar metas numéricas exatas, seja para a inflação ou para o desemprego, a formulação de políticas públicas, sob esse ângulo, tenta diminuir as flutuações exageradas. Assim, reage a problemas reais, e não a teorias e regras (que esses problemas podem ter tornado obsoletas). Se formos sinceros quanto às causas da crise de 2008 - e sérios na intenção de evitar sua reincidência -, precisamos aceitar o que a análise econômica não consegue oferecer a fim de nos beneficiar do que ela pode oferecer. (Tradução de Rachel Warszawski)

adicionada no sistema em: 16/09/2013 12:30

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