Aguiar – Se nós olharmos o cinema de hoje, por exemplo, existe disseminada uma estética do fim. O fim pode ser bonito. Seja o do Titanic, que mostra o fim de uma época, seja a o da Guerra dos Mundos, que mostra o impasse de uma civilização. O fim, como é uma coisa extrema, motiva atitudes moralmente dignas ou indignas. Mais do que uma preocupação, existe uma verdadeira estética do fim. Está cada vez mais difícil nós termos uma estética da continuidade da vida. Como nós podemos pensar isso?Sachs – A síndrome do Titanic, aliás, é o título de um livro de um ambientalista francês, Nicolas Hulot, muito influente. Mas o fim não é um fenômeno esteticamente agradável. Agora, é claro que a arte vai sempre exagerar. Kucinski – E também não é novo, né? A idéia do fim do mundo já ocorreu várias vezes na história da humanidade. Sachs – Não é novo. Se nós temos que saber quantas décadas nós temos para fazer a adaptação, é absolutamente fundamental para desenhar o processo. Se me dizem que em dez anos tem que mudar tudo, digo: “Vamos para o cemitério mais próximo”. Agora, se me dizem que eu tenho meio século, um século... O seu exemplo demográfico era muito bom. Falava-se da explosão-bomba da população. Como se controla a explosão demográfica? Através de medidas autoritárias, como ensaiou a China, ou através de uma política social, pela melhora das condições do campo, a melhora da educação das meninas, a melhora das condições sanitárias, com menor mortalidade infantil, com redução da taxa de natalidade? Se eu tenho trinta ou quarenta anos para essa mudança social, valer uma estratégia. Se eu não tenho esse tempo, vale uma outra. Por isso, eu acho: não há dúvida de que temos que mudar o padrão energético deste mundo em que vivemos e reduzir o uso das energias fósseis. Dispomos para isso de algumas décadas. Temos que sair do petróleo antes que ele se esgote completamente. Não é pelo esgotamento do petróleo que temos que sair dele. Ao contrário, é por causa dos efeitos nefastos da energia fóssil. E eu diria: viva a crise do preço do petróleo! O alto preço do petróleo permite fazer coisas que deveriam ter sido feitas já antes. Elas não estavam sendo feitas num mundo que continua a se organizar ao redor de decisões que são tomadas unicamente em função de resultados econômicos de curto prazo. Enquanto o petróleo estava barato, não se fazia nada. O petróleo focou caro, os biocombustíveis estão competitíveis, e todo mundo de repente descobre a necessidade de sair da energia fóssil...Kucinski – Mas o petróleo não está mais caro. O petróleo ainda custa hoje menos do que custa um litro de água mineral. Sachs – O petróleo está hoje mais caro do que estava há três anos atrás.Kucinski – Mas não mais caro do que estava há 15 anos atrás. Sachs – Mas isso não tem importância. O petróleo hoje está acima do patamar de competitividade do etanol. É por isso que todo mundo está falando do etanol. O etanol é competitivo a partir de 35 dólares o barril do petróleo. O petróleo está acima de 50. Há razões para pensar que ele nunca mais vai baixar abaixo de 50. Talvez suba até 100, ou mais. Portanto, gerou uma situação onde se pode fazer os biocombustíveis. Dowbor – Basicamente, na visão positiva, que é a que nos interessa, o fato do aquecimento global estar se tornando uma preocupação planetária está, pela primeira vez, agregando diversas forças, está colocando a longo prazo a necessidade de pactuações de interesses planetários. Porque nós falamos de aquecimento global porque a questão emergiu, porque tem o filme do Al Gore (4). Mas, na realidade, nós temos a destruição dos recursos de vida nos mares, temos o problema nas florestas, o esgotamento do solo, esterilização. Quer dizer, nós termos um conjunto de processos. Então o avanço da capacidade planetária, da gente começar a tomar medidas pactuadas e organizadas, é vital. Agora, eu queria puxar uma pergunta para o Ignacy, que me parece central, que é o seguinte: no caso da gente transitar para os diversos usos da agricultura, agora reforçando sua base de fonte energética, isso tanto pode ser um bem, de um lado dinamizava o conjunto de atividades agrícolas, como pode se transformar, especialmente no caso do Brasil, em mais um ciclo de monocultura destrutiva em termos ambientais e econômicos e de concentração de renda. Quais são as opções de organização que a gente estaria recomendando? Sachs – Você está botando o dedo na ferida. Eu acho que, primeiro, não devemos reduzir o problema da saída da energia fóssil unicamente ao problema da substituição. Temos que começar a colocar no centro da estratégia a redução do perfil do consumo da energia, o aumento da eficiência do uso final da energia, e só depois colocar, em terceiro lugar, o problema das substituições. Agora, contrariamente ao que se afirma em muitos lugares, eu acho que existem condições para compatibilizar um aumento forte da produção dos biocombustíveis com o objetivo da segurança alimentar. Isso não se fará automaticamente. Requer uma política, na qual a ênfase seja posta sobre sistemas integrados de produção de alimentos e energia adaptados aos diferentes biomas, em que se busca produzir a bioenergia a partir da recuperação de áreas degradadas com plantas oleaginosas, robustas, como o pinhão manso, que não tem muita preferência aos olhos dos agrônomos brasileiros, mas que é considerada como a principal planta do biodiesel, por exemplo, na Índia, e em vários lugares na África (5). Temos que pensar muito mais no aproveitamento de florestas plantadas consorciadas. O conceito da RECA (Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado)(6). O Brasil desmatou tanto que tem muito espaço para reflorestar. Se a gente pegar tudo isso, e sobretudo, atentar ao fato que estamos nas vésperas de uma revolução tecnológica, mas isso são os próximos cinco anos, vamos passar ao etanol celulose, onde todos os resíduos florestais e vegetais passam a ser a matéria-prima. Acho que a contradição entre a produção de bioenergia e a produção de alimentos pode ser administrada. Segundo problema, vamos ou não desmatar para fazer isso? Aí, a minha resposta é muito mais cautelosa, para não dizer pessimista. Não é que tenhamos que desmatar. Tem espaço fora das florestas. A questão é se a ânsia do lucro não vai precipitar mais desmatamento, porque as terras de lá são mais baratas que as terras em outro lugar. Portanto, temos um problema. Mas, esse problema, conhecemos por muitos lados. O Banco Mundial acaba de financiar um empréstimo para botar matadouros na Amazônia. Quando todo mundo sabe que a principal fonte do desmatamento é a poupança sobre quatro patas do pequeno, que começa a fazer a roça, depois transforma a roça num pasto sujo, depois bota neste pasto sujo algumas vacas, e vai continuando. A soja chega já, em cima do pasto, mas esse ciclo tem que ser controlado. Não vai haver controle do desmatamento da Amazônia sem um severo controle da pecuária extensiva na Amazônia. E o banco vem, de repente, financiar um elemento que vai criar um incentivo para mais desmatamento. Portanto, esse é o outro lado. Dito isso, para mim, a bioenergia aparece como uma extraordinária janela de oportunidade para mudar o modelo social do campo brasileiro. E essa é a questão central do momento. Em que tipo de modelo vai gerar o boom da bioenergia? Nossos colegas da UNICAMP dizem: “Vamos passar de 6 milhões a 30 milhões de hectares da cana”, 30 milhões de hectares da cana seria uma França e meia agrícola. Um mar de cana. Estamos com seis, vamos multiplicar por cinco, qual será o modelo social nestes 24 milhões adicionais de cana?Aguiar – Aí eu tinha uma pergunta a fazer para o Ladislau. O que o professor Ignacy está chamando a atenção é que não basta mudar o conteúdo da produção. É necessário mudar o modelo produtivo. Não basta trocar os antigos capitães de indústria por cooperativas operárias ou de trabalhadores. É necessário mudar a cadeia de produção. Mas nós vivemos num mundo que está indo na direção contrária a isso. Um mundo cada vez mais individualizado. Cada vez mais, a agricultura produtiva é vista como sendo a agricultura extensiva. Cada vez mais se aproximando deste modelo monocultural, pelo menos em escala regional. Como é que se altera isso? O que é necessário fazer para criar esta política que o professor Ignacy está apontando? Ag. Carta Maior, jornalistas Kucinski e Aguiar.
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