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quarta-feira, março 28, 2007

AQUECIMENTO GLOBAL: Entrevistas com os Economistas SACHS e DOWBOR (conclusão)

AguiarAí eu tinha uma pergunta a fazer para o Ladislau. O que o professor Ignacy está chamando a atenção é que não basta mudar o conteúdo da produção. É necessário mudar o modelo produtivo. Não basta trocar os antigos capitães de indústria por cooperativas operárias ou de trabalhadores. É necessário mudar a cadeia de produção. Mas nós vivemos num mundo que está indo na direção contrária a isso. Um mundo cada vez mais individualizado. Cada vez mais, a agricultura produtiva é vista como sendo a agricultura extensiva. Cada vez mais se aproximando deste modelo monocultural, pelo menos em escala regional. Como é que se altera isso? O que é necessário fazer para criar esta política que o professor Ignacy está apontando?
Kucinski – Eu queria complicar um pouco mais a sua questão. Acho que há uma questão também de mudança não só do padrão de produção, mas também do padrão de consumo. O grande vilão desta história toda é o automóvel. Dizem que agora vamos chegar a 2 bilhões de automóveis. Esse complexo, a indústria automobilística, o transporte individual, a mudança de carro todo ano, todo esse padrão, essa sedução de consumo, junto com o complexo da indústria petrolífera, que são as refinarias, os super tanques, os petroleiros, todo esse complexo comandou o processo até agora. Isso criou uma deformação, na verdade, inclusive na qualidade de vida das cidades. Se você não muda esse padrão de consumo, a gente é prisioneiro de uma coisa que vai crescendo cada vez mais. Dowbor – Deixa-me comentar, primeiro pelo lado da produção. Trabalhei muitos anos na África. Passei sete anos montado sistemas de planejamento. Vi o impacto da monocultura, a destruição radical das capacidades agrícolas do país em detrimento da produção alimentar. Todos nós conhecemos os grandes ciclos da cana, cacau, e outros, como a monocultura pode ser destrutiva, por exemplo, agora no caso da soja, com a dupla face: rende divisas, mas com um impacto para o país. Acho que uma das propostas centrais, que o Ignacy tem trazido com muita força, é que você pode aproveitar essa demanda, essa valorização, em termos de produção de renda, que a associação da agricultura com a produção de matéria energética através de culturas consorciadas, de se associar a agricultura alimentar com a produção energética. Isso implica dinamizar em cada localidade um sistema integrado de desenvolvimento que permita que haja um equilíbrio. O grande perigo deste processo é que eu tenho que pensar o que está na cabeça de uma visão do tipo estritamente empresarial, que só se preocupe com as dezenas de milhares de hectares necessárias para a produção de etanol. O tipo de conta que se faz pode ser diferente. Por exemplo, o Ignacy estava fazendo. Bom, você tem que ter 200 hectares de soja para gerar um emprego. No caso do óleo de palma, 10 hectares. Do ponto de vista do empresário, ele calcula, “para mim não interessa se estou gerando emprego, interessa só o quanto isso rende”. Do ponto de vista de uma política de governo que queira absorver o excedente de mão-de-obra que temos, ou que é subtilizado, você vai ter que fazer um cálculo mais inteligente: diversificação das culturas, torná-las associadas, priorizar cultivos que absorvam mais mão-de-obra. Ou seja, interessa a nós todos a utilidade sistêmica para o país, e não apenas, digamos, mais um horizonte econômico para a monocultura. Sachs – Há duas observações sobre isso. O problema da mudança da estrutura do consumo evidentemente é aquele do primeiro nível da política energética. E a questão quanto aos automóveis individuais e o transporte coletivo é uma questão extremamente importante. Em cima dela vem um problema: vai se trocar o automóvel por que tipo de consumo? Por exemplo, os projetos norte-americanos sobre a redução da dependência em relação ao petróleo, começam por esse lado: reduzir pela metade o consumo do automóvel graças a uma nova geração de automóveis ultraleves. Isso faz parte da solução. Agora, voltando ao problema da produção e o que queremos. Um conceito que circulou pouco no Brasil, e que merece a maior atenção, é o que se chamou de uma “revolução duplamente verde”. Porque tivemos a primeira revolução verde, que vocês chamam aqui de agricultura produtivista. A produtividade aumentou muito, mas aumentou através do ganho por insumos de agrotóxicos, fertilizantes e dispêndio de capital. E, num dado momento, a gente andava dizendo que a revolução verde ajuda aqueles que não precisam ser ajudados, porque já têm aquele capital que permite entrar na produção, marginalizando os pequenos. Daí surgiu o conceito da revolução duplamente verde. Um dos grandes teóricos desta revolução é o agrônomo indiano mundialmente conhecido M. S. Swaminathan(7), que diz: maior produtividade, total respeito à natureza e orientada para o agricultor familiar. E o Brasil tem condições, mais do que qualquer outro do mundo, de avançar neste caminho. Aguiar – Mas aí é um problema político? Sachs – Obviamente. São políticas. Kucinski – As soluções científicas e técnicas existem. O problema é político. Por isso, a gente tinha que discutir algumas experiências que se originaram do saber científico e deram politicamente certo. Acho que a experiência do protocolo de Quioto, apesar da relutância dos EUA, é uma experiência interessante. Sachs – Mas eu acho que antes de discutir o internacional, nós temos que reafirmar com toda a força que nesta época da globalização é extremamente importante ter políticas nacionais de desenvolvimento. E ver quais são os instrumentos para esta política. Voltando ao que Ladislau estava dizendo, há o critério de eficiência energética, ou seja, quanto de energia fóssil é necessário para produzir a bioenergia. Os americanos estão num caminho totalmente absurdo, do ponto de vista da eficiência energética. A relação de substituição é de 1 tonelada de energia fóssil para produzir 1,4 tonelada de bioenergia a partir do milho. Na cana, essa relação é de 1 para 8. No dendê, essa relação é de 1 para 5. Na soja, é bastante medíocre, acho que de 1 para 3. Segundo critério: o ambiental. Como isso afeta os gases do efeito estufa? Mas também se deve perguntar como isso afeta as poluições locais. Porque não adianta discutir a redução dos gases do efeito estufa com o álcool, o etanol de cana-de-açúcar, sem olhar os efeitos ambientais da queima do canavial. Portanto, você tem os critérios ambientais, entre os quais está a produtividade por hectare, para poupar terras para a agricultura. Você tem menos de mil litros por hectare da soja, e 6 mil litros do dendê. Entra o problema de água, que não vamos discutir, e entram os critérios sociais. Você gera um emprego por duzentos hectares de soja, um emprego por dez hectares de dendê. E tendo todos esses critérios em vista, além dos critérios tradicionais do custo-benefício, é que deveriam ser tomadas as medidas para autorizar ou não autorizar tais ou tais projetos da expansão da produção da bioenergia. E ainda entra em conta o problema da desnacionalização de um setor da economia que, bem ou mal, era 100% nacional. Hoje empresas internacionais estão comprando e instalando usinas... Onde vamos parar neste processo?
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Notas: (7) Presidente da Comissão Nacional para Segurança na Agricultura, Alimentação e Nutrição na Índia.

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