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quarta-feira, março 14, 2007

ECOSSOCIOECONOMIA. "Entrevista com Ignacy SACHS" [1a. parte]


Brasil pode ser a primeira biocivilização da história, diz Sachs

SÃO PAULO - Em quase 80 anos de vida, Ignacy Sachs - polonês naturalizado francês, que cresceu no Brasil, formou-se adulto na Índia e integra os principais círculos do pensamento social do mundo - transitou inúmeras vezes do discurso à práxis. Uma nova coletânea de escritos seus sobre desenvolvimento, ambiente e sociedade será lançado no Brasil neste mês: Rumo à Ecossocioeconomia (Cortez Editora, 472 págs.), organizado pelo colaborador professor Paulo Freire Vieira. Em São Paulo, um de seus lares pelo mundo, Sachs fala sobre desenvolvimento sustentável, oportunidades e a maior ironia da história.
O sr. defende a implementação de "estratégias de desenvolvimento socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente sustentado", pela superação da hegemonia neoliberal. Como, se estamos inseridos neste contexto?
A grande ironia da história foi que a tomada de consciência ecológica, que coincide com a Conferência de Estocolmo em 1972, aconteceu junto à contra-reforma neoliberal. As idéias sobre como regular um mercado para que o respeito à condicionalidade ecológica e aos impactos sociais positivos surgiram no momento em que se começou se tentar demolir os arranjos formados na época do capitalismo reformado, que predominou de 1945 a 1975.
Chegamos a Estocolmo após 30 anos de crescimento rápido e progressos sociais discutíveis, porém estragamos terrivelmente a natureza. E o período de 1970 até o fim do século é o período da contra-reforma neoliberal, e essa contra-reforma complica a estratégia. Então vamos corrigir isso, com o desenvolvimento orientado para os objetivos sociais mas integrando as condicionalidades ecológicas. É melhor reconhecer esse conflito do que colocá-lo debaixo do tapete.
A nova geração questiona o que foi feito pela e para a geração anterior. Essa ruptura viria dessa nova geração?
Não se trata de idealizar o passado, nem se trata de voltar àquele capitalismo de 1945/1975. Não existem modelos históricos, mas antimodelos para serem superados. O que eu estou pleiteando não é uma volta pura e simples ao passado, mas um reatamento com a problemática que estava na pauta no fim da Segunda Guerra Mundial. Apagar as memórias, raciocinar sem memórias, empurrar para baixo do tapete leva a tropeços.
Da Cúpula da Terra (ECO-92), até agora, o sr. tem visto mudanças na direção de um desenvolvimento sustentável?
Houve mais retrocesso do que avanços. Estamos há 15 anos da Cúpula da Terra. O número de cidades que produziram e implementaram a Agenda 21 é muito reduzido. Não se fez o necessário para que as principais mensagens chegassem à opinião pública enquanto o interesse criado pela conferência existia. Deveríamos ter produzido uma espécie de folheto, em que cada capítulo da Agenda 21 fosse resumido em uma página, com outra para sugestões. Uma resolução deveria ter sido votada na Assembléia Geral das Nações Unidas para que o documento fosse traduzido em todas as línguas do mundo e difundido largamente na sociedade. Teríamos gerado um movimento ao redor da ECO-92, e esse movimento não aconteceu.
É possível retomar o interesse?
Olha, eu não sou Madame Soleil, eu não posso dizer o que vai acontecer. Mas estamos num momento novo. Propor o que foi discutido em 1945 ou 1972 obviamente não funciona. Porém, recolocar o debate atual numa perspectiva histórica, do que aconteceu e o que está acontecendo, é absolutamente indispensável. O momento atual é marcado pelo fato de que nossas intervenções funcionam como um entrelaçamento do processo do desenvolvimento da humanidade e do processo histórico. Durante algum tempo, o que fazíamos não interferia de forma significativa no âmbito maior. Hoje adquirimos tecnologia necessária para desencadear um processo de mudança climática que, se não for contido a tempo, trará ameaças à própria humanidade.
Neste caminho, se a gente olha historicamente o que aconteceu nos últimos 25 anos: perdemos o adicional social e entramos num crescimento que não gera um número suficiente de empregos. Estamos numa época de défict cada vez maior daquilo que a Organização Internacional de Trabalho (OIT) chama de trabalho decente: não só uma oportunidade de emprego, mas que seja razoavelmente bem remunerado e que se realize em condições aceitáveis e dignas.
Como repensar o debate ambiental frente aos planos de desenvolvimento?
Mais do que nunca precisamos do conceito de desenvolvimento. É um instrumento de avaliação do que passou para um conceito normativo. Acho totalmente descabível abandonar a idéia do desenvolvimento. É como dizer que o doente está com febre e a febre não baixou, então joga-se fora o termômetro. Não quero dizer que tivemos um processo favorável, aceitável, positivo. Não! Usei em várias ocasiões um conceito que não se firmou no Brasil, mas em outro países sim, de mau desenvolvimento.
O que é o "mau desenvolvimento"?
O crescimento econômico com resultados sociais e ambientais positivos, numa trajetória triplamente vencedora, é desenvolvimento. Um crescimento forte, mas com impactos sociais e ambientais negativos, não é desenvolvimento; é crescimento social e ambientalmente perverso. (O Estadão, Christina Amorim, foto Eduardo Nicolau/AE).

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