Brasileiro da ONU prevê catástrofe em Mianmar
Mais de nove pessoas já morreram em Mianmar desde 15 de agosto por conta da escalada de violência da repressão a protestos pacíficos contra o governo militar do país, a antiga Birmânia, e a previsão para o futuro é de “catástrofe”, segundo o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro. Relator especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos no país, ele disse em entrevista ao G1 que já previa esta escalada da violência nas últimas semanas e crê que a situação ainda pode piorar. “Sabia-se o que ia acontecer, e era possível prevenir, mas nada foi feito, e as opções são cada vez mais limitadas. Há um mês eu dizia isso, estive em várias reuniões, enviei vários documentos, e era óbvio que as manifestações iam crescendo e a centelha estava acesa”, contou Pinheiro. Segundo ele, a única saída é um esforço diplomático em várias frentes, contando com apoio da ONU, da China, da Rússia e dos países vizinhos, mas uma resolução pacífica para o atual confronto entre militares e manifestantes é muito improvável. “Se a comunidade internacional não tiver agilidade vai acontecer um desastre. A paciência dos militares está se esgotando e eles devem reagir de forma ainda mais violenta a esses manifestantes, mantendo a repressão.” G1 – Quão diferente é a atual situação de conflito em relação ao clima de repressão que o país vive tradicionalmente? Paulo Sérgio Pinheiro – Em 1978 o país vivenciou algo muito similar, mas menos visto de fora porque não havia meios de comunicação desenvolvidos como atualmente. O que impressiona é o fato de que agora acompanhamos ao vivo. Na época, houve eleições, a oposição ganhou e o governo não entregou o poder. G1 – E o que vai acontecer desta vez? Pinheiro – Nada, não vai haver nenhuma mudança política. Vai acontecer uma catástrofe. Se a comunidade internacional não tiver agilidade vai acontecer um desastre. A paciência dos militares está se esgotando e eles devem reagir de forma ainda mais violenta a esses manifestantes, mantendo a repressão. A repressão pode se tornar mais generalizada, incluindo prisões, perseguição, tortura aos manifestantes. Espero que minha bola de cristal esteja errada e que os militares atendam aos apelos da ONU, sejam sábios e não continuem nessa linha. G1 – Por que a comunidade internacional demorou tanto para reagir? Pinheiro – Há uma série de fatores. O país tem uma situação geopolítica muito especial, entre a Índia e a China, com um milhão de refugiados na Tailândia, com muitos recursos econômicos, muito gás para exportar, e acabam não sofrendo pressão internacional. O país não está preocupado em promover o desenvolvimento, nem distribuição de renda. G1 – Existe a possibilidade de alguma saída doméstica, articulada dentro do país, para este atual conflito? Pinheiro – Absolutamente, não. Sem o estímulo da China, da ONU, nada vai mudar. Com representantes internacionais é possível que seja transmitida uma mensagem clara ao governo de que este tratamento a manifestantes pacíficos é completamente inaceitável para a comunidade internacional. G1 – A atual situação vivida em Yangun foge do cotidiano de violência da ditadura birmanesa? Pinheiro – O regime militar, em diferentes fases, existe há 40 anos. É um regime autoritário, com pequenas fases de abertura, mas violento, parecido com os períodos de ditadura militar no Brasil, mas dentro de uma cultura diferente, numa sociedade budista. Tirando as diferenças culturais, é um regime militar autoritário como qualquer outro. Quem se manifesta está sujeito à perda de emprego, espancamentos, prisão. Há três semanas divulguei um protesto porque dois estudantes que já haviam ficado dez anos na cadeia por oposição ao governo foram condenados à prisão perpétua por conta de manifestações. O sistema judicial não oferece nenhuma garantia. G1 – O budismo influi na forma como a ditadura atua? Pinheiro - Influi na forma como o governo lida com a religião, a forma como faz o convite ao pacifismo, à resignação. G1 – Com a participação da China e da ONU, há a possibilidade de o país deixar de ser uma ditadura militar? Pinheiro – Não. A junta militar só vai ceder em termos do esforço concentrado dos países vizinhos, da ONU, da Rússia e da China. Não há outro caminho senão o da diplomacia. A comunidade internacional perdeu muito tempo e a situação se torna mais complicada. Hoje é mais difícil solucionar o problema de que um mês atrás, quando já era possível prever e até prevenir os conflitos. Sabia-se o que ia acontecer, e era possível prevenir, mas nada foi feito e as opções são cada vez mais limitadas. Há um mês eu dizia isso, estive em várias reuniões, enviei vários documentos, e era óbvio que as manifestações iam crescendo e a centelha estava acesa. Para quem acompanha o país há sete anos, como eu, era completamente previsível. G1 – O foco dos conflitos está voltado para os monges budistas. Qual a situação do restante da população de Mianmar? Há um clamor popular contra o governo militar? Pinheiro – É uma população muito empobrecida, a renda é muito concentrada e há muita corrupção. As políticas sociais são ineficazes, por mais que tenha havido uma melhora na educação e na saúde nos últimos anos. A opinião deles funciona como em todos os países. Nenhum país que teve revolução teve mobilização de 100% da população. A maior parte das pessoas têm medo, por um cálculo racional, pensam não ter motivos para arriscar a própria vida. Os que se manifestam são estudantes, membros de partidos políticos, ex-prisioneiros, e pessoas comuns também. Mas a maioria dos 47 milhões de habitantes está parada, naturalmente. Daniel Buarque, G1, SP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário