Massacre do Carandiru, que deixou 111 mortos, completa dez anos
[(02/10/2002) Lívia Marra; Milena Buosi; da Folha Online]
Tudo começou com uma briga de presos no Pavilhão 9 e deveria terminar como mais um tumulto da Casa de Detenção, no complexo do Carandiru, zona norte de São Paulo. No entanto, uma intervenção policial resultou em 111 mortes. O episódio que ficou conhecido como Massacre do Carandiru completa dez anos nesta quarta-feira. O pavilhão está vazio, assim como toda a Casa de Detenção, que foi desativada dia 15 de setembro. Um parque público, com centros de cultura, lazer e de formação profissional, vai ocupar o espaço da antiga penitenciária. As lembranças ficaram nas paredes das celas, na memória dos sobreviventes e dos familiares dos mortos. Alguns presos se misturaram aos cadáveres para fingir que estavam mortos e tentar sobreviver. A chacina teve repercussão internacional por causa da violência, pela quantidade de mortos e pela forma de atuação da polícia. O coronel da reserva Ubiratan Guimarães, que comandou a invasão da Polícia Militar na Casa de Detenção, foi condenado, em junho de 2001, a 632 anos de prisão pela morte de 102 dos mortos e cinco tentativas de homicídio. Por ser réu primário, recorre da sentença em liberdade. Na ocasião do julgamento, a Promotoria afirmou que, no dia do massacre, ocorreram nove mortes provocadas por "armas brancas", com facas ou estiletes, provocando dúvida sobre a autoria dos crimes. As mortes por armas brancas podem ter sido provocadas durante briga entre os próprios presos.Um ato ecumênico, realizado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, centro de São Paulo, foi realizado hoje lembrar os 10 anos do massacre do Carandiru.
Tumulto e intervenção
O tumulto na Casa de Detenção, há dez anos, teve início envolvendo dois presos no segundo andar do Pavilhão 9. Agentes penitenciários levaram os feridos para a enfermaria, no pavilhão 4, e trancam a grade de acesso ao segundo andar. Pouco depois, os detentos conseguem romper o cadeado. O tumulto é generalizado. Durante a rebelião, os presos queimam colchões, arquivos e montam barricadas nos corredores para impedir o acesso da polícia. O então secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, teria telefonado para o governador Luiz Antonio Fleury Filho, que estava viajando pelo interior do Estado. Fleury, no entanto, afirma que só foi informado sobre o tumulto. O coronel Ubiratan Guimarães assume o comando da operação. Em uma tentativa de pôr fim à rebelião, a Polícia Militar, armada e com cães, invade a penitenciária. Os presos reagem. Sem negociação, a Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) ocupa o primeiro e o segundo andar do pavilhão. A tropa não é preparada para esse tipo de ação e entra no presídio fortemente armada. Todos os presos que estavam no primeiro andar foram mortos. No segundo andar, morrem 60% dos detentos. O número total da chacina só foi divulgado oficialmente no dia seguinte, meia hora antes do encerramento das eleições municipais.
Folha Online.
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Massacre do Carandiru completa 15 anos sem punição
01/10/2007 - 07:17 - Por volta das 11h de 2 de outubro de 1992, uma briga entre os presos conhecidos como Coelho e Barba provocou tumulto no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, na Zona Norte da Capital. Esse foi o estopim do episódio conhecido como o massacre do Carandiru, que completa 15 anos nesta semana.O que se seguiu à briga culminou na morte de 111 presos após a entrada da Tropa de Choque da Polícia Militar na Casa de Detenção, desativada em 2002. Quinze anos depois, nenhum agente público foi punido pelas mortes e parentes ainda lutam na Justiça pelo direito a indenização do estado. Os ex-detentos ainda guardam cicatrizes daquele 2 de outubro e relembram como sobreviveram à ação policial. Personagens cujas histórias se cruzam à da Casa de Detenção, como a da ex-chacrete Rita Cadillac, eleita madrinha dos presos do Carandiru, contam como o episódio marcou para sempre a história do sistema prisional. “Ficou faltando alguma coisa. Tinha alguma coisa voando... Tinha uma nuvem em cima dali que você sabia que tinha alguma coisa estranha”, diz a ex-chacrete.
Na Justiça: No comando da operação policial estava o coronel Ubiratan Guimarães, assassinado em setembro do ano passado. Em 2001, ele chegou a ser condenado a 632 anos de prisão por co-autoria em 102 mortes e em cinco tentativas de homicídio. Ele recorreu da condenação em liberdade e, cinco anos mais tarde, a sentença foi anulada e Ubiratan, absolvido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça. Os desembargadores entenderam que o coronel agiu em estrito cumprimento da ordem e em legítima defesa. “A Justiça já reconheceu que não ocorreu esse massacre. Houve um confronto entre 2.069 presos que atacaram 80 e poucos policiais que estavam cumprindo ordens superiores para salvar presos de um incêndio”, diz o advogado Vicente Cascione, que defendeu o coronel nos tribunais. Por sua vez, os 84 policiais acusados de homicídios qualificados (quatro dos suspeitos morreram no período) ainda não foram julgados. A defesa dos réus recorreu de sentença de pronúncia e o processo aguarda decisão do Tribunal de Justiça para ser enviado a júri popular. Os policiais querem, no entanto, que a absolvição de seu comandante seja a eles estendida. “Por que não estender aos demais? Vou pedir o trancamento da ação penal porque ficou provado que nenhum deles praticou crime nenhum”, diz o advogado Antonio Cândido Dinamarco, que representa 42 dos acusados, citando a sentença (...). Já as acusações contra 32 policiais, suspeitos de terem provocado lesões nos presos, prescreveram, isto é, não serão mais levadas a julgamento. Alguns deles se livraram da acusação ao aceitar na Justiça a suspensão condicional do processo. Nem mesmo por meio da PM os policiais receberam qualquer tipo de punição, segundo Norberto Jóia, promotor do caso. “O pior é saber que ninguém foi punido. Ou que a tentativa de punição do comandante foi frustrada”, lamenta ele. O promotor aponta que o resultado da ação é citado em “estatuto” da organização criminosa que age a partir dos presídios paulistas como uma motivação para a união dos presos.
Dano moral: Na outra ponta, familiares dos mortos reclamam até hoje ressarcimento na Justiça. A extinta Procuradoria de Assistência Judiciária de São Paulo ajuizou 59 ações, acompanhadas atualmente pela Defensoria Pública. De acordo com o órgão, quase 20% delas ainda estão em discussão nos tribunais.Os demais casos obtiveram de cem a 200 salários mínimos por dano moral, de R$ 38 mil a R$ 76 mil em valores atuais. Mas quem teve sentença favorável entrou na chamada “fila do precatório” (dívida judicial do estado) e teve a indenização dividida em dez parcelas. As primeiras famílias começaram a receber o ressarcimento há quatro anos – 11 anos após as mortes. Alguns parentes conseguiram ainda na Justiça direito à pensão mensal vitalícia. “Nada substitui uma vida. Independente de ser pouco ou muito (o valor do dano moral) não vai trazer ele de volta. Se for por danos morais é pouco, eu tenho três filhos com ele. Bem ou mal, de lá de dentro ele me ajudava”, diz uma viúva de um preso que preferiu não ter a identidade revelada.e inocentou Ubiratan. “Para nós, continua existindo o massacre porque há 84 réus no processo. Mortes de presos não têm um grande clamor social, por isso até hoje ninguém foi punido. Existe omissão por parte da Justiça”, acusa Ariel de Castro Alves, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
Globo.com - G1. 0210
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