A proposta deste blogue é incentivar boas discussões sobre o mundo econômico em todos os seus aspectos: econômicos, políticos, sociais, demográficos, ambientais (Acesse Comentários). Nele inserimos as colunas "XÔ ESTRESSE" ; "Editorial" e "A Hora do Ângelus"; um espaço ecumênico de reflexão. (... postagens aos sábados e domingos quando possíveis). As postagens aqui, são desprovidas de quaisquer ideologia, crença ou preconceito por parte do administrador deste blogue.
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segunda-feira, julho 21, 2008
REPORTAGEM ESPECIAL ``VEJA``. O BRASIL QUE CAMINHA SOZINHO...
Comprar para não ser comprado: esse é o desafio das megaempresas brasileiras que atuam globalmente em setores nos quais só haverá lugar para duas ou três gigantes. Desde 2002, algumas delas, na disputa pela liderança, se lançaram em operações ousadas que lhes deram musculatura para enfrentar o ímpeto concentrador do mercado. Abaixo, os negócios bilionários que precederam a criação da maior cervejaria do planeta.
A BUDWSEIR é nossa
No domingo 13, sete meses depois dos primeiros movimentos, os conselheiros da Anheuser-Busch finalmente capitularam e venderam por 52 bilhões de dólares a cervejaria fundada em Saint Louis há quase 150 anos. Foi o maior negócio de que brasileiros já participaram como protagonistas, uma transação superlativa sob qualquer aspecto. E a segunda maior aquisição de uma empresa de bens de consumo da história dos EUA – só perde para a venda da Gillette para a Procter & Gamble, três anos atrás, por 57 bilhões de dólares. O que se criou com a união de forças da Anheuser-Busch com a InBev é um colosso de 37 bilhões de dólares em vendas anuais, dono de 300 marcas em cinco continentes e líder de vendas nos EUA, na América do Sul e na China (veja quadro). A Anheuser-Busch InBev – esse é o nome oficial da nova companhia – subiu ao topo: ao lado da Procter & Gamble, Nestlé e Coca-Cola, é uma das quatro maiores empresas de consumo do mundo.
[Foto:Pedro Rubens. Marcel Telles: depois do vazamento da estratégia da InBev, viagem a Saint Louis com Lemann para oficializar uma proposta aos donos da Anheuser-Busch].
Os sete meses que se passaram desde as discussões no escritório de Jim Collins até o triunfo final foram divididos entre a estruturação financeira da operação e a penosa luta política para que ela se concretizasse. Na linha de frente ficaram Brito e seus auxiliares mais diretos, Felipe Dutra, diretor financeiro, e David Almeida, vice-presidente externo da InBev. A estratégia e algumas negociações especiais ficavam por conta do trio de empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, os maiores acionistas individuais da InBev, integrantes do conselho da empresa e criadores de uma cultura de gestão baseada em meritocracia, agressividade e foco nos lucros única no Brasil. Lemann, Telles e Sicupira são os primeiros e mais bem-sucedidos empreendedores globais produzidos pelo capitalismo brasileiro. São ícones de vanguarda de um período glorioso da economia do Brasil – como mostra a reportagem especial das próximas páginas.
Não é exatamente fácil conseguir a confiança da banca para um empréstimo de 45 bilhões de dólares. Não bastasse o montante, o momento é de crise bancária e de dúvidas sobre a economia dos EUA. Isso sem falar da inflação dos alimentos, como o trigo, que impacta diretamente os insumos de uma cervejaria. O responsável por convencer um grupo de nove bancos, capitaneados pelo JP Morgan e pelo Santander, a topar financiar de modo compartilhado a operação foi Felipe Dutra, 42 anos. Assim como Brito e Almeida, Dutra trabalha com o trio Lemann, Telles e Sicupira desde os tempos da Brahma no início dos anos 90 (veja quadro).
Quase no fim da negociação do empréstimo, emergiu a batalha política. Motivo: o sigilo da operação voou pelos ares antes da hora prevista. No dia 23 de maio, o diário inglês Financial Times revelava em detalhes o plano de ataque da InBev. Como não dava para desmentir a notícia, era preciso agir rápido. Imediatamente, Marcel Telles e Lemann voaram para Saint Louis. Foram conversar com August Busch IV, presidente e trineto do fundador da empresa, e com o seu tio Adolphus, integrante do conselho da cervejaria. Os quatro não são propriamente amigos, mas são velhos conhecidos. Nos últimos quinze anos, em várias ocasiões Telles e Lemann propuseram que se iniciassem conversas para uma associação. Até porque a dupla sempre achou que não existe uma empresa verdadeiramente global sem ser forte nos EUA. Nessas abordagens, os Busch diziam que concordavam com a idéia, mas empurravam com a barriga qualquer tentativa mais firme de avançar numa negociação. No encontro do fim de maio, tio e sobrinho repetiram amavelmente o script. Mas seus interlocutores haviam se cansado da velha conversa para boi dormir. Os Busch, então, ouviram de Lemann: "Nós vamos enviar uma proposta formal de compra para o conselho da companhia".
Foi a senha para o início de uma batalha. No dia 11 de junho, a InBev anunciou oficialmente que fizera uma proposta de 46 bilhões de dólares pela empresa. Duas semanas depois, os americanos recusaram a oferta. Consideraram-na baixa. Em Saint Louis, a confirmação da proposta soou como uma declaração de guerra da tropa estrangeira. Políticos e sindicalistas americanos começaram a levantar suas vozes contra a venda de um patrimônio tão caro aos americanos. É um filme que já se viu muitas vezes por aqui: o da empresa estrangeira ultracompetitiva que compra um símbolo nacional cheio de gorduras. Mas, desta vez, com sinais trocados. Neste filme eram os americanos que faziam o papel dos nacionalistas ofendidos. O tema atravessou até a campanha presidencial americana. "Será uma vergonha se os estrangeiros se tornarem donos da Bud", disse Barack Obama dias antes da conclusão do negócio. Sites foram criados para tentar barrar a "invasão estrangeira".
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[Fotos Célia Thowe/AE e Regis Filho. Sicupira (à esq.) e Lemann: mais uma vitória do modelo de gestão baseado em meritocracia, agressividade e foco no lucro].
Como o conselho de administração se mostrava arredio, a InBev começou a preparar a chamada oferta hostil – ou seja, faria a proposta diretamente aos acionistas e não mais ao conselho. No meio de tudo isso, os dois lados foram à Justiça. Os americanos, porque duvidavam de que a InBev tivesse realmente o comprometimento dos bancos para o empréstimo. Acusavam os proponentes de divulgar falsas ofertas. A InBev também subiu o tom: entrou com uma ação para que os diretores fossem destituídos, o que a lei americana prevê, e propôs uma nova diretoria, formada por ex-altos executivos de grandes empresas americanas. Antes que qualquer uma dessas ações fosse julgada, a InBev subiu o valor da oferta: agora, eram 52 bilhões de dólares na mesa. Para surpresa de Telles, Lemann, Sicupira e Brito, que contavam com uma batalha jurídica de uns quatro meses, um telefonema deu a senha de que a vitória estava próxima. Na semana passada, Busch IV, que em abril dissera que enquanto ele fosse presidente da empresa ela nunca seria vendida, ligou para Lemann. Era a rendição.
Durante todo esse processo, o carioca Carlos Brito, 48 anos, arregaçou as mangas. Agressivo nos negócios, mas avesso à exposição pública, Brito mandou às favas o horror aos holofotes. Dava entrevistas quase todos os dias explicando por que o negócio seria bom para os americanos também e se reunia com políticos, sindicalistas americanos – além de falar diretamente para os formadores de opinião de Saint Louis, escrevendo até artigos para o jornal local. Brito começou sua carreira na Brahma em 1989 e não parou de subir. É focado em lucros e não é carismático – o que, na opinião de Jim Collins, o oráculo de Boulder, é uma vantagem. Para Collins, os líderes carismáticos pensam mais em si mesmos do que nas empresas que comandam.
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Os americanos chiaram, mas a realidade é que a Anheuser-Busch virou uma presa fácil para empresas fortes e globalizadas. Eis um dos erros da companhia: acomodou-se no confortável mercado americano, no qual detém 50% de participação. Era uma empresa de um país só, ainda que fosse o país com o maior e mais lucrativo mercado de cervejas do mundo. Nos últimos dois anos, a Anheuser-Busch teve de enfrentar uma guerra de preços com a britânica SABMiller, que até a semana passada era a maior cervejaria do planeta. Isso aguou os lucros da americana. A fragilidade do dólar e uma gestão ultrapassada criaram as condições para o bote da InBev.
O grande temor econômico dos que se opunham ao negócio eram possíveis demissões e o fechamento de algumas das doze fábricas da empresa – o medo, enfim, era do enxugamento obsessivo, que é a marca da cultura Lemann-Telles-Sicupira. Para não criar maiores atritos nesse início, contudo, Brito e companhia vão começar os trabalhos tirando da gaveta um remédio criado pela própria Anheuser-Busch, que ela nunca teve coragem de executar. É o Blue Ocean, um plano de reestruturação que vai emagrecer os custos em 1 bilhão de dólares por ano. Mas que ninguém duvide: a cultura InBev vai se infiltrar em todos os poros da cervejaria preferida dos americanos. Assim como eles terão de se acostumar com brasileiros em Saint Louis. Quando a InBev foi criada, os brasileiros eram minoria na diretoria. Hoje, eles são sete dos doze diretores. Outros 130 brasileiros estão espalhados mundo afora em cargos de direção da empresa.
Qual é o passo seguinte? Aos mais íntimos, Lemann e Telles dizem que nos próximos cinco anos não poderão pensar em aquisição. Nesse período, estarão empenhados em pagar o gigantesco empréstimo tomado. Mas e depois? "Depois, eu não sei", disse na semana passada Telles, numa conversa reservada em Nova York, deixando no ar a óbvia possibilidade de outro ataque daqui a alguns anos. Te cuida, Heineken.
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