O presidente do Paraguai, Fernando Lugo, afirmou, na chegada ao Brasil, que a nenhum país da América do Sul interessa ter um “vizinho pobre”. Lugo está correto. Talvez, escudado por essa visão, o vizinho tem a deliberada intenção de pressionar o Brasil a comprar a sua parte na energia gerada em Itaipu a preços de mercado. O governo de Assunção pretende exigir, primeiro, como pagamento adicional da energia cedida ao Brasil, um aumento dos atuais US$ 100 milhões para US$ 800 milhões. O principal negociador paraguaio já antecipou o tom das tratativas ao dizer que as ofertas de crédito feitas pelo Brasil serão aceitas, mas não substituem as demandas relativas à hidrelétrica. Já é bem conhecida a oferta brasileira de abertura de linha especial de crédito de US$ 1,5 bilhão do BNDES para vários projetos de infraestrutura no Paraguai.
Desde a posse de Lugo, em agosto do ano passado, já ocorreram três choques diplomáticos com o Brasil. O governo brasileiro não aceita discutir o primeiro ponto da proposta paraguaia para a venda de energia a outros países, embora já tenha comunicado pelas vias diplomáticas competentes que aceita elevar os desembolsos com a compra de eletricidade do país que também é dono de Itaipu. Porém, não com um aumento de oito vezes no valor atual, como quer Assunção.
Não há dúvida, no entanto, que a maior dificuldade será convencer os paraguaios de que não estarão recebendo só uma “esmola ”, e não a renegociação de valores que pretendem.
Os dirigentes latino-americanos apreciam os mecanismos da diplomacia presidencial, sempre confiantes na ação entre amigos, muito praticada pelas lideranças do continente nos últimos anos, quando toda a região livrou-se das ditaduras típicas e adotou regimes democráticos. A essência da pressão de Lugo vai um pouco nessa direção. O governo Lugo enfrenta momento de extrema fragilidade política, até por problemas pessoais do presidente. Se voltar a Assunção de mãos abanando, Lugo perderá o principal trunfo para recuperar a popularidade arranhada. O discurso paraguaio de “soberania energética” precisa de algum fato concreto para se sustentar. A diplomacia brasileira sabe disso e tenta contornar as dificuldades. O problema é o tamanho da pretensão do vizinho.
Para forçarem o Brasil a aceitar o que chamam de preço de mercado, os negociadores paraguaios propõem a mudança do Tratado de Itaipu, para que o Paraguai possa vender sua parcela de energia a quem quiser, assegurando que o Brasil manteria apenas a posição de mercado preferencial.
O mecanismo proposto é inaceitável para os interesses brasileiros. Haveria só um ano de carência na manutenção do status quo, com o Paraguai vendendo sua energia ao Brasil no preço acordado. A partir de 2010, com vigência até 2014, Assunção teria o direito de vender até 50% de sua parte na energia gerada a qualquer país.
De 2014 a 2023, seria praticada uma gradual liberação da energia restante para que o Paraguai a vendesse a quem quisesse. Os negociadores de Assunção insistem em que o Tratado não precisa ser revisto para que se faça tal concessão e que bastaria uma declaração dos presidentes. Ou seja, na visão paraguaia, a diplomacia presidencial pode tudo, inclusive suspender tratados referendados pelos Congressos dos dois países.
A posição brasileira é bem mais cautelosa. A proposta de Brasília inclui o reforço de caixa do governo paraguaio, antecipando a compra de energia excedente. A oferta não contempla nem mudança nos preços e muito menos a revisão do Tratado de Itaipu, mas permitiria a aplicação imediata dos recursos em programas sociais no Paraguai, dando fôlego político ao governo Lugo. Nessa oferta está a criação de um fundo binacional, com abertura instantânea de US$ 1 bilhão em linha de crédito do BNDES, para construção de pontes entre os dois países, e uma linha de transmissão de energia de Itaipu para Assunção. Vale lembrar que o presidente da representação brasileira no Mercosul, o senador petista por São Paulo Aloízio Mercadante, foi bem claro: “O caminho racional é sermos parceiros, mas o Tratado de Itaipu é inegociável”. E completou: “Mesmo que o governo quisesse, não há essa possibilidade porque o Congresso não aprovaria”. Este é o ponto essencial. O Brasil não abrirá qualquer revisão do tratado. Há limites nessa negociação, inclusive para o presidente Lula. A participação de Itaipu, no ano passado, representou 19% do consumo de energia do Brasil. O Paraguai deve observar esses fatos antes de aumentar a pressão diplomática e política sobre Brasília. |
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