Se resistir, ainda assim continua integrando a estatística na condição de quarto presidente do Senado a ter sua conduta questionada publicamente em oito anos. Na média, o Senado produz um escândalo a cada dois anos com o presidente no papel de protagonista.
Não houvesse outro motivo, só os números já indicariam a necessidade de uma revisão urgente de procedimentos no Parlamento, mas também no Poder Executivo.
Se a promíscua lógica de compra e venda que preside a relação do Congresso com os governantes não mudar, não adiantam cassações, renúncias, sindicâncias, demissões, reformas administrativas, porque a dinâmica do funcionamento será a mesma: o Legislativo ajoelhado diante do Executivo e ambos de costas para a sociedade.
Enquanto não se restabelecer a relação correta de hierarquia no sistema representativo, as maiorias parlamentares continuarão a considerar mais importante obedecer ao governo que lhes assegura benesses que se submeter aos ditames dos eleitores que lhes proporcionam o mandato.
Quem se lixa para a opinião pública é também quem não vê mal em ignorar as leis do País, normas éticas óbvias, regras de convivência adotadas em qualquer ambiente, para adotar um código próprio de comportamento, cujo principal parâmetro é o conforto de seus signatários.
Os desmandos, sejam eles os da Câmara ou do Senado, só acontecem porque todos, com raríssimas exceções, se consideram pessoas incomuns - naquele sentido consagrado recentemente pelo presidente Luiz Inácio da Silva - com direito a assento em classe especial. Não incorporam o conceito dos deveres impostos pela representação.
Isso fica claríssimo nas repetidas invocações ao passado do senador José Sarney e aos serviços já prestados por ele à nação. Manifestações que invertem a escala dos valores.
É justamente o conjunto da obra extensa o que obriga Sarney a saber que não pode praticar nepotismo, que o neto com negócios no Senado significa tráfico de influência sim, que não pode usar funcionários do Senado para tomar conta de suas propriedades no Maranhão, enfim, quem pode o mais, pode o menos.
Quem não adota princípios básicos de correção, muito menos respeita regras mais elaboradas. Isso vale para José Sarney ou qualquer outro integrante dos Poderes da República. Deputado, senador, magistrado, ministro, presidente da República.
A compreensão e a mudança dessa realidade, no entanto, é processo que leva tempo. As crises de conduta se repetem, ora mordem os calcanhares do Legislativo, ora do Executivo, mais raramente do Judiciário.
A anterior não tem o efeito didático necessário para evitar a crise seguinte. Simplesmente porque ninguém se mexe de verdade para dar combate às causas, o que leva à suspeita de que a situação de alguma forma seja cômoda, causando desconforto apenas quando estouram as denúncias.
Nessa hora, a preocupação é com a administração dos efeitos do escândalo. Quando os ânimos de acalmam, tudo passa e fica esquecido até que a nova onda volte fortalecida pelo peso do entulho acumulado.
O exemplo mais evidente é a eleição de José Sarney para presidente do Senado sob a inspiração de um ex-presidente que havia sido há dois anos a causa de outra crise. Só uma instituição completamente alheia às consequências de seus atos pode encarar com a naturalidade que o Senado encarou o fato de Renan Calheiros patrocinar a eleição de Sarney com o explícito objetivo de retomar o poder perdido.
Quando aceitou essa regra do jogo o Senado - inclusive os opositores de Sarney na disputa, porque não expuseram o principal motivo da inadequação da candidatura - assumiu um risco alto.
Expôs à opinião pública sua completa indiferença à imagem que se faria de uma Casa que aceitava a influência de alguém que fora obrigado a deixar a presidência porque o Senado se envergonhava de sua figura. Mas não se importava, viu-se logo depois, em conviver com seu poder desde que exercido às escondidas.
Nas crises anteriores envolvendo presidentes, o Senado optou por resolver a conjuntura e manter intacta a estrutura. Desta vez, como as denúncias alcançaram exatamente a estrutura construída a poder dos mais variados vícios, apresenta-se a chance de se fazer a travessia.
Fica incompleta, se limitada ao Senado. Mas é preciso começar o serviço. O senador Arthur Virgílio deu o primeiro passo queimando suas caravelas da tribuna, mas não obteve respaldo. Seu partido, o PSDB, o DEM e os outros que pedem o afastamento de Sarney, adotaram a moderação típica de quem vê na saída conveniente lenitivo.
O PMDB se fecha na trincheira da defesa de um poder nessa altura inexistente, escorado no presidente da República, e o PT, tarefeiro do Planalto, discursa em prol da faxina e bate continência à sujeira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário