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segunda-feira, fevereiro 01, 2010

DAVOS/FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL: ''O REI ESTÁ(VA) NÚ..."

Nacionalismo, fantasma de Davos

Brasil - Sergio Leo
Valor Econômico - 01/02/2010

Momento de celebração do mundo globalizado e das elites sem fronteiras, o Fórum Econômico Mundial, há 40 anos realizado em Davos, simpática e glacial cidadezinha na Suíça, incorpora, aos poucos, temas da sociedade civil que, há algum tempo, tinham maior representação no colorido Fórum Social Mundial, de Porto Alegre - criado, exatamente para se contrapor à aparente insensibilidade dos ricos para as necessidades e anseios das pessoas comuns. Neste ano, até mutilação genital feminina gerou debate entre as dezenas de painéis em Davos. Outro tema bem acolhido no fórum gaúcho, porém, entrou, neste ano, à força, no debate suíço: nacionalismo é o assunto da moda.

Ele aparece disfarçado, pouco à vontade, e, em geral, carregado de significado negativo. Afinal, está em um ambiente transnacional por excelência, onde, até recentemente, recebia-se, com o seletivo crachá do evento, o direito ao orgulho pela derrubada de fronteiras, no comércio, nas finanças, nas comunicações.

A crise financeira e seus desdobramentos no mundo desenvolvido provaram que sentimento nacional nos negócios não é uma invenção terceiro-mundista, nem algo banido do manual de modos dos países de alta renda. "Quando estourou a crise, todos os bancos e empresas sabiam muito bem em que país estava sua sede", comentou um participante de um dos debates do fórum.

Já na principal sessão do primeiro dia, com estrelas como os economistas Nouriel Roubini e o professor Raghuram Rajan, da Universidade de Chicago, alguém na plateia sugeriu que haveria uma forma fácil de solucionar um dos principais desequilíbrios financeiros mundiais, o excessivo déficit público dos EUA: vender o vasto patrimônio em terras, propriedades e outros ativos do governo dos EUA aos estrangeiros com superávits. Os integrantes da mesa trocaram olhares de incredulidade.

Estrangeiros comprando enorme volume de ativos dos EUA? "É inimaginável a venda", reagiu, sincero, o diretor-gerente do grupo Carlyle, David Rubenstein, certamente pensando na reação de um personagem de sucesso nos discursos do Congresso americano, o cidadão contribuinte americano, genericamente tratado por Joe. O conselheiro econômico do EUA, Larry Summers, indicou que é esse Joe, desempregado e com raiva dos bancos, quem guia os humores na Casa Branca. "Os EUA estão em recuperação estatística e recessão humana", discursou, em Davos.

O forte sentimento nacionalista em países como os EUA, após penetrar pelos vigiados portões do centro de convenções de Davos, vagou como assombração pelas discussões do fórum. Inspirou previsões de crise e temores de "populismo", de soluções individualistas capazes de alterar fundamentalmente a lógica de livre trânsito que, até recentemente, se tentava estabelecer para o grande capital financeiro.

"A economia é cada vez mais globalizada, mas as políticas, cada vez mais nacionais", constatou Roubini. O megainvestidor George Soros, em almoço com jornalistas, previu a fragmentação dos arranjos para o sistema internacional. Ele citou o frenesi com que a China vem buscando acordos bilaterais na região do Pacífico e além, e chegou a citar a iniciativa brasileira de comércio em moeda local como exemplo do que pode vir por aí.

Em outras mesas de debate, empresários, banqueiros e economistas, tentando prever como esse cenário afetará as fontes de financiamento, chamaram de "balcanização" do crédito (referência à miríade de pequenos países na região dos Balcãs, vulneráveis aos terremotos da geopolítica). Soros e outras celebridades de Davos tomam cuidado de não misturar o temor da balcanização das soluções para o sistema financeiro com o verdadeiro alvo do lobby dos grandes bancos, ativo em Davos: os banqueiros brigam, mesmo, contra um controle muito estrito sobre o setor.

Por motivos próximos, mas distintos, figuras como o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, e o porta-voz informal dos interesses dos grandes bancos, Josef Ackerman, do Deutsche Bank, voltaram-se, na semana passada, ao G-20, grupo criado, em grande parte, pela pressão de emergentes, como Brasil, China e Índia, para lidar com as questões financeiras globais.

Strauss-Kahn vê no G-20 a iniciativa mais preparada para criar um conjunto comum de regras, que evite arbitragem financeira e o "cada um por si", coibindo excessos. Ackerman quer o mesmo, mas pelo tom adotado em Davos, aparentemente opta pelo G-20 por parecer mais fácil vender suas ideias explorando as diferenças, do que atuando individualmente, país por país.

O presidente do BC brasileiro, Henrique Meirelles, no meio dessa discussão, previu, como o presidente do BC canadense, Mark Carney, que o G-20 deverá definir, até o fim do ano, um conjunto básico de medidas a ser concretizado até 2012, e ao qual cada país acrescentará normas ao gosto nacional. Na liderança dos banqueiros, Ackerman propôs um B-20, de "business", para "coordenar-se" com os governos. E insinuou uma proposta de, em lugar de taxas e restrições de capital e tamanho, um fundo com contribuições dos bancos para permitir quebra de instituições sem afetar o sistema.

"Levamos 12 anos para as regras de Basiléia. Não temos 12 anos, hoje, nem 2 anos", lamentou Strauss-Kahn. O nacionalismo levanta as orelhas.

Preço da gasolina

Invejado no Fórum Econômico em Davos, pelos números vistosos da Petrobras, o presidente da estatal, José Sergio Gabrielli, perdeu o bom humor quando consultado sobre se a estatal não deveria baixar o preço da gasolina, porque já compensou as perdas que teve com a contenção dos preços, no ano passado.

"Esse raciocínio não se aplica, não faz sentido, trabalhamos com preço de mercado, com custo de oportunidade", reagiu. "Não tivemos perda, não trabalhamos abaixo dos custos", insiste. "Nessa questão de preço, não seguimos o curto prazo, acompanhamos o preço internacional no longo prazo", repete, irritado.

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