Na cúpula de Washington, 47 países assumem compromisso de garantir em quatro anos a segurança do material atômico
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, demonstrou mais uma vez a sua força como líder global ao convencer os representantes de 46 países a assumirem o compromisso de, em quatro anos, colocar sob controle todo o material nuclear no mundo. O texto aprovado na Cúpula de Segurança Nuclear, realizada em Washington nos últimos dois dias, inclui a promessa dos participantes de reforçar as medidas contra o tráfico de material radioativo e apoiar as tarefas de vigilância da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Alguns países, como México, Rússia e EUA, anunciaram medidas mais pontuais, que envolvem o descarte de materiais altamente enriquecidos.
Obama aproveitou o encontro para alertar os líderes convidados, entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do risco de a Al-Qaeda ter acesso à matéria-prima para fabricação de uma bomba atômica. “Redes terroristas tentam obter uma arma nuclear e, se conseguirem, com certeza a utilizarão. Se fizerem isso, seria uma catástrofe para o mundo”, afirmou. Segundo o americano, a comunidade internacional enfrenta hoje uma “cruel ironia da história”, considerando que o risco de um confronto nuclear entre os países é menor do que na Guerra Fria, mas a possibilidade de um ataque nuclear, bem maior. Diante disso, convocou os visitantes: “Hoje é uma oportunidade não só para falar, mas para agir”.
As medidas que serão tomadas pelos 47 países — 44 deles signatários do Tratado de Não Proliferação (TNP) de armas nucleares, mais Índia, Paquistão e Israel — visam a evitar que “atores estranhos” aos Estados tenham acesso a plutônio e urânio altamente enriquecidos, ou à informação e à tecnologia necessárias para preparar armas atômicas. O rascunho prevê que todos os governos garantam, em primeiro lugar, a segurança de seus estoques. O segundo passo será converter o combustível em material levemente enriquecido. Obama ainda sugeriu a criação de um fundo mundial de US$ 10 bilhões para segurança nuclear.
O México já se comprometeu a transformar seu urânio altamente enriquecido em combustível — o que seria feito nos EUA, sob a supervisão da AIEA. Na véspera, Canadá e Chile também haviam anunciado que entregariam a Washington seu urânio. A Ucrânia decidiu desfazer-se de todo o urânio altamente enriquecido até 2012, quando se reunirá na Coreia do Sul a próxima cúpula sobre o tema.
Os EUA, que tanto cobraram ação dos outros países, anunciaram também a decisão de desfazer-se, com a Rússia, de 34 toneladas do excedente do plutônio altamente enriquecido. A quantidade é suficiente para produzir 17 mil bombas atômicas. “Esta assinatura é um passo essencial, que leva ao cumprimento da obrigação dos dois países de eliminar em segurança e com transparência o plutônio militar em excesso”, declarou o Departamento de Estado em um comunicado.De acordo com o chanceler russo, Serguei Lavrov, o processo custará US$ 2,5 bilhões ao seu país, mas Washington já se comprometeu a ajudar com US$ 400 milhões.
Postura firme
Alguns países fizeram ressalvas e destacaram o papel dos que têm mais responsabilidade. O presidente brasileiro, em seu discurso, insinuou que o principal risco está nos arsenais mantidos pelas potências nucleares. “O modo mais eficaz de reduzir os riscos de que agentes não estatais utilizem explosivos nucleares é a eliminação total e irreversível de todos os arsenais. (…) O Brasil não abre mão de cobrar de todos os Estados-partes a observância dos objetivos do Tratado de Não Proliferação”, disse Lula. O governo brasileiro argumenta que países como os EUA não cumprem o artigo 6 do tratado, que prevê o desarmamento.
O presidente da França, Nicolas Sarkozy, afirmou na segunda-feira que não renunciará às armas nucleares até que esteja certo de que o mundo é um lugar “estável e seguro”. Ontem, porém, sinalizou que seu país tem menos armas do que a Rússia e a China. “Paramos de fazer testes nucleares, anunciamos quantas ogivas temos e as reduzimos.”
O modo mais eficaz de reduzir os riscos de que agentes não estatais utilizem explosivos nucleares é a eliminação total e irreversível de todos os arsenais”
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil
Redes terroristas tentam obter uma arma nuclear e, se conseguirem, com certeza a utilizarão. Se fizerem isso, seria uma catástrofe para o mundo”
Barack Obama, presidente dos Estados Unidos
China desmente a Casa Branca
Nos bastidores do encontro convocado para falar de segurança dos materiais nucleares, o presidente Barack Obama tentava conseguir, entre os líderes presentes, apoio para aplicar sanções mais duras contra o Irã. A pressão gerou desconforto entre os governos dos Estados Unidos e da China, que desmentiu a Casa Branca, assegurando que sempre acreditou “no diálogo e na negociação” como a melhor maneira de resolver a questão do programa nuclear de Teerã. O esforço de Washington envolveu até aceitar, de última hora, uma reunião pedida pelo presidente Lula e o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, que fazem parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas como membros não-permanentes e se opõem à intensificação das sanções.
Durante a reunião, que durou apenas 15 minutos, Lula e Erdogan apresentaram a Obama a alternativa de mediação que envolveria a participação de um terceiro país nas trocas para o enriquecimento do urânio de Teerã no exterior. Segundo o chanceler Celso Amorim, no entanto, o anfitrião não se comprometeu a adiar a discussão sobre as sanções adicionais. Obama, inclusive, pediu ao mundo “audácia e rapidez” na adoção de novas restrições contra o Irã. “Meu interesse é evitar um processo que se arraste por meses”, disse. Lula se encontrou ainda bilateralmente com o colega francês, Nicolas Sarkozy(1), e Amorim, com a secretária de Estado americana, Hillary Clinton.
Na segunda-feira, logo após um encontro entre Obama e o colega chinês, Hu Jintao, a Casa Branca anunciou que os dois líderes haviam concordado que trabalhariam juntos na definição de sanções contra Teerã. A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Jiang Yu, desmentiu horas depois: “A China sempre acreditou no diálogo e na negociação como a melhor maneira de resolver este assunto. A pressão e as sanções não podem resolvê-lo fundamentalmente”.
A chancelaria iraniana também se pronunciou ontem, dizendo que Pequim não está nem perto de colaborar com os EUA nisso. “Interpretamos de maneira diferente os comentários feitos após a reunião entre autoridades americanas e chinesas. Não consideramos que os comentários demonstrem um acordo com as autoridades americanas para alguma nova medida injusta”, disse Ramin Mehmanparast, porta-voz da chancelaria.
Única chance
Aproveitando os holofotes atraídos por Washington, o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, ironizou os esforços do presidente americano para endurecer as sanções. “Obama tem apenas uma chance e essa chance é o Irã. Ele só tem mais um lugar em que poderia dizer 'eu promovi uma mudança e mudei a equação do mundo' e esse lugar é o Irã”, disse, em entrevista ao vivo na emissora estatal. “Obama não pode fazer mais nada na Palestina. Não tem mais chance. O que ele pode fazer no Iraque? Nada. E, no Afeganistão, as coisas estão muito complicadas”, afirmou.
No próximo fim de semana, será a vez de Teerã receber ministros das Relações Exteriores de 15 países para uma conferência sobre desarmamento nuclear. Segundo um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, a intenção do encontro é combater “genuinamente o uso de armas nucleares no mundo de hoje”. (IF)
1 - Sarkozy “confiante”
Depois de mais um encontro com o colega brasileiro, o presidente Nicolas Sarkozy se disse “confiante” na escolha do caça francês Rafale na concorrência F-X2, da Força Aérea Brasileira (FAB). Lula e Sarkozy se reuniram de manhã, em Washington, à margem da Cúpula de Segurança Nuclear. “As coisas estão avançando”, disse o francês à imprensa. A preferência do Planalto pelo Rafale, fabricado pela Dassault, vem sendo reiterada desde a vinda de Sarkozy a Brasília, no ano passado, como convidado de honra para o 7 de Setembro. O caça francês concorre com o americano Super Hornet, da Boeing, e o sueco Gripen NG, da Saab. Atualmente, o processo está nas mãos do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que prepara um relatório a ser entregue ao presidente.
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