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segunda-feira, novembro 29, 2010
RIO DE JANEIRO/TRÁFICO DE DROGAS [In:] ''O RIO DE JANEIRO CONTINUA LINDO..." (?) *
ESTÁ DOMINADO. MAS, E AGORA?
UMA OCUPAÇÃO SEM RESISTÊNCIA | ||
Autor(es): Renata Mariz | ||
Correio Braziliense - 29/11/2010 | ||
Com o complexo do Alemão ocupado pela polícia, os 400 mil moradores querem saber qual o próximo passo Debaixo de bala, um contigente de cerca de 12 mil militares invadiu, na manhã de ontem, as vielas íngremes e confusas do conjunto de 13 favelas há 30 anos dominado pelo tráfico. No entanto, bastou uma hora de tiroteio para que os bandidos deixassem de resistir. De acordo com o chefe do Estado Maior da PM do Rio de Janeiro, a quantidade de drogas, armas e munições apreendidas é o maior sinal do sucesso da operação. Mas, com a ocupação, moradores e especialistas em segurança pública se preocupam com o futuro. Garantir serviços públicos, mesmo os básicos, e conter a fome das milícias são alguns dos desafios, dificultados pela densidade demográfica da área e pela urbanização quase inexistente. GUERRA NO RIO Ao contrário do que alardearam as autoridades da área de segurança no Rio, a guerra com traficantes restringiu-se a uma hora de tiroteio no início da incursão policial
Rio de Janeiro — A guerra psicológica travada entre traficantes de drogas refugiados no Complexo do Alemão e as forças de segurança pública — que mantiveram um tanque blindado apontado para o conjunto de 13 favelas desde sábado — transformou-se em batalha real na manhã de ontem. Às 7h59, foi dado o comando para a invasão de um dos territórios mais perigosos dominados pelo crime na capital fluminense foi dado. Um contingente de cerca de 12 mil homens, posicionados nas principais vias de acesso ao local, esperaram seis helicópteros cruzarem o céu, bem azul naquele momento, com a manobra previamente combinada. Era a senha para o início da operação. Os primeiros avanços dentro das vielas íngremes e confusas do Alemão foram feitos debaixo de bala. A guerra esperada pela própria polícia, no entanto, restringiu-se a cerca de uma hora de tiroteio, logo no começo da incursão. Falta de capacidade de resposta por parte do tráfico é a hipótese mais aceita dentro dos órgãos de segurança. “Os bandidos se comportaram como um bando de covardes, fugindo das forças policiais. Às 9h, o território já estava todo ocupado”, afirma o chefe do Estado Maior da Polícia Militar do RJ, coronel Álvaro Rodrigues Garcia. Para ele, será possível chegar a uma parcela significativa dos criminosos, além dos poucos líderes do tráfico presos ontem, continuando o trabalho de varredura nas casas. A quantidade de drogas, armas e munições apreendidas, segundo o coronel Álvaro, é o maior sinal do sucesso da operação. “Quebramos as pernas do tráfico, ele está completamente aleijado.” O relações públicas da corporação, coronel Henrique Lima Castro, explica melhor. “É dessa forma, cortando os canais financeiros, que vamos conseguir desarticular essa rede criminosa”, ressalta o policial. Ninguém se arriscar a dizer que os bandidos já deixaram o Complexo do Alemão. Para tentar barrar a saída de algum criminoso, militares e agentes da Polícia Civil fizeram inspeções nos moradores que deixavam o local, especialmente pela Estrada do Itararé, uma via que circunda o conjunto de favelas. Houve foragido da polícia que tentou sair como pastor de igreja evangélica, com Bíblia debaixo do braço. Outros usaram uniformes escolares. Até de policiais teve quem ousou se disfarçar. O traficante Vitor Roberto da Silva Leite, conhecido como Vitinho, vestiu-se de mata-mosquito, como são conhecidos os agentes de saúde que combatem a dengue. E conseguiu passar pelo pente-fino dos policiais. Mas uma denúncia anônima levou os agentes à casa da tia do rapaz de 27 anos, já sem o uniforme, numa favela próxima. Apresentado à imprensa, Vitor negou qualquer envolvimento em atividades criminosas. “Não tenho nada a ver com isso”, afirmou, em relação às acusações de tráfico e homicídio. Alertados pela população, que fazia contato por telefone e também pessoalmente, os policiais começaram a vasculhar a rede de esgotos por onde os traficantes estariam tentando fugir. Até o início da noite, nenhuma prisão feita nas tubulações foi confirmada. O capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM do Rio, Ivan Blaz, destacou que as denúncias da comunidade foram de importância vital para tantas apreensões e prisões. “A informação por telefone é mais segura. Mas pessoalmente, às vezes por meio de sinais, o efeito é mais rápido”, explica. Numa das entradas do morro, onde policiais montaram uma espécie de comando central, vez por outra passavam informantes de toucas pretas acompanhados de agentes. São pessoas da população que aceitam denunciar, mas têm medo de, por isso, serem assassinadas. Bandeira Ainda pela manhã, o chefe de operações especializadas da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Ronaldo Oliveira, fincou uma bandeira do Brasil na estrutura de um teleférico ainda em construção, no alto do Alemão. Sem dar muita atenção ao próprio gesto, Oliveira destacou que não “sentiu nada” ao posicionar o objeto. “Normal, a gente colocou ali, mas acho que com o vento deve ter até caído. Vamos colocar outra, do estado do Rio, em outro ponto”, disse o policial. Para Oliveira, a operação é importante para devolver a paz aos moradores. “Quase 100% das pessoas aqui são corretas, vão para o crime por falta de oportunidade. Sem o tráfico, elas vão se articular melhor, procurar outras coisas, vão virar crente”, diz Oliveira, rindo. Lembranças de uma batalha Durante a revolução de 1930, a batalha de Itararé foi explorada pelos jornais. O conflito deveria ocorrer entre as tropas fiéis a Washington Luís e as da Aliança Liberal, que vinham do Rio Grande do Sul em direção ao Rio de Janeiro para tomar o poder. A cidade de Itararé fica na divisa de São Paulo com o Paraná — antes do conflito “mais sangrento da América do Sul”, os grupos rivais fizeram acordos e adiaram a batalha paras sempre. Denúncias de mais abusos Uma cerca de ferro instalada pela polícia na Estrada do Itararé, via que dá acesso ao Complexo do Alemão, manteve cinco ônibus estacionados ao longo do domingo com o objetivo de transportar suspeitos encontrados durante a operação. Mas o local ficou durante boa parte do dia cheio de moradores que reclamavam de abusos — desde a detenção de parentes que nada teriam a ver com o tráfico à derrubada de casas por parte dos policiais. Ontem, o Correio mostrou as mesmas denúncias na Vila Cruzeiro, localizada no mesmo complexo. Léia de Souza, 30 anos, tentava manter a calma, depois que a proximidade do helicóptero da Polícia Militar derrubou metade da casa de sua mãe, na Rua Araruá. “Graças a Deus ninguém ficou ferido, mas a gente não tem para onde ir. Quando reclamei com o policial, ele me mandou morar na casa dos vagabundos”, reclama a mulher, visivelmente confusa em relação a como pedir providências. Uma senhora que se identificou como Sônia, da casa ao lado de Léia, também teve o muro destruído. Desesperada, a mulher gritava em meio aos policiais. “Tenho três filhos, moro sozinha, não sou bandida nem vagabunda. Mas eles não querem saber. Que proteção é essa que querem dar para a gente?”, questionava Sônia, transtornada. A destruição de seu muro e da casa de Léia ocorreu no momento em que o helicóptero da PM praticamente pousou numa laje próxima para carregar drogas encontradas em um imóvel perto dali. Quando as famílias pediram para a imprensa fotografar as casas destruídas, um policial ordenou: “Sai da rua, entra para casa e não atrapalha nossa operação”, disse, rispidamente, o policial. Priscilaine Santana, 24 anos, pedia aos policiais, na cerca instalada na Estrada do Itararé, que liberassem logo seu marido. “A gente estava indo para o supermercado, aí revistaram a gente. Viram que ele tinha uma tatuagem e uma cicatriz na barriga, de uma cirurgia. É crime ter tatuagem?”, dizia Priscilaine. Dois homens, Jackson Soares e Elídio Bortolati, diziam ter apanhado de policiais, mostrando marcas pelas costas. (RM) |
(*) Gilberto Gil.
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