Inflação em alta acirra divergências entre o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central sobre o aumento dos juros. Como alternativa, a autoridade monetária pode subir o depósito compulsório dos bancos
Adversários no discurso e na prática, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, armam-se para um último duelo.
Com os índices da inflação nas alturas — as projeções apontam para 6% neste ano e em 2011, acima do centro da meta de 4,5% perseguida pelo BC —, a política de juros e a estabilidade da economia viraram, de novo, motivos de embates entre os dois principais personagens da atual equipe econômica. Às vésperas de mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), ambos divergem sobre o remédio a ser ministrado para estancar o repique de preços.
Há quem aposte no surgimento de uma via alternativa: o aumento dos depósitos que os bancos são obrigados a fazer compulsoriamente nos cofres do BC. Seria uma forma de restringir e encarecer o crédito e, por tabela, frear o consumo e conter a inflação. As mudanças nos compulsórios podem ser anunciadas ainda hoje.
Na intensa guerra de bastidores, Meirelles avalia que a inflação está disseminada e que as últimas altas mensais não se devem apenas à valorização das commodities (mercadorias com cotação internacional) e à disparada dos preços dos alimentos ao consumidor final. As ameaças reais, segundo ele, estão relacionadas aos serviços, que passaram a emitir sinais preocupantes de encarecimento — com alta acumulada de mais de 7% nos últimos 12 meses. Mantega avalia diferentemente. Para o ministro da Fazenda, a inflação está domada e não há motivos que justifiquem qualquer mexida nos juros, pois o que se vê são variações atípicas no valor dos alimentos, que logo serão corrigidas.
Despedida
Preterido pela presidente eleita, Dilma Rousseff, o presidente do BC já avisou a interlocutores que pode comandar um movimento de elevação da taxa básica de juros (Selic) — hoje em 10,75% ao ano —, despedindo-se assim em “alto estilo” do comando da autoridade monetária. A reunião do Copom ocorrerá nas próximas terça e quarta-feira. Parte do mercado aposta em uma alta de 0,5 ponto percentual como forma de blindar a economia. Outra corrente de analistas crê que o Banco Central manterá a Selic estável, pelo menos neste mês, iniciando em janeiro do próximo ano o ciclo de alta. Pesquisa da Reuters revelou que bancos e consultorias esperam que o aperto monetário em 2011 será de até dois pontos percentuais.
A elevação da Selic, como quer Meirelles, é um problema para Dilma. A sucessora de Luiz Inácio Lula da Silva prometeu durante a campanha eleitoral reduzir a taxa real (que desconta a inflação) para 2% até 2014. Caso seu mandato se inicie sob a espada da elevação da Selic, a presidente eleita terá maior dificuldade para cumprir o objetivo. Economistas independentes alertam que a tarefa já é ingrata por si só, mas que o cenário tende a piorar ainda mais se o próximo governo não fizer os necessários cortes de gastos ou melhorar a qualidade do investimento.
Prestigiado por Dilma e confirmado no cargo em 2011, o ministro da Fazenda colocou-se em posição de combate ontem. Mantega mandou recados explícitos ao mercado, ao Copom e a Meirelles. “A situação está sob controle. (A inflação) não vai escapar da meta, e o governo fará o que for necessário para que isso continue”, disse logo depois da reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), órgão consultivo formado por representantes da sociedade civil e ligado diretamente à Presidência da República.
Reversão
A avaliação sobre o comportamento da inflação no Brasil não deve ser feita apenas considerando os alimentos, mas observando o conjunto dos preços da economia, justificou Guido Mantega. Para o ministro, haverá uma reversão do quadro no início do próximo ano. Como argumento, Mantega lembrou que o núcleo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial, retirando alimentação e combustíveis, acumula taxa abaixo de 5% em 12 meses. Já com os dois itens, o índice sobe para 5,2%. “Estamos dentro da meta. Um pouco acima do centro, mas num movimento relacionado com uma economia que está crescendo fortemente”, disse.
Mantega não escondeu a expectativa pela redução dos juros após a regulamentação do cadastro positivo, aprovado no Senado na noite de quarta-feira. “Quando conversamos com as instituições, garantiram a redução do spread (a diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa efetivamente cobrada dos clientes). E vamos cobrar essa fatura, depois que o cadastro positivo entrar em vigor”, afirmou.
“O BC está atrasado”
Gabriel Caprioli
Os indícios de que a necessidade de se retomar o arrocho monetário e de aumentar com urgência os juros são claros, na avaliação da maior parte do mercado: há avanços dos preços correntes, que estão chegando próximo ao teto da meta definida para o IPCA — índice oficial de inflação; a trajetória livre das influências sazonais aumenta; e as expectativas futuras seguem se deteriorando. Entretanto, ainda pairam dúvidas se o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, vai assumir o ônus de elevar a taxa básica (Selic) na semana que vem, o que configuraria sua última decisão relevante no cargo.
“O cenário mais provável com o qual trabalhamos é de que, na próxima reunião, os juros sejam mantidos e a ata (documento publicado uma semana depois do encontro, com as justificativas da decisão) traga uma mensagem preparatória para um aumento em janeiro”, avaliou o ex-presidente do Banco Central e atual diretor da Tendências Consultoria, Gustavo Loyola. Para o economista, no entanto, os sinais de pressões inflacionárias acumulam-se e, quanto antes vier o aumento da taxa, melhor. “Não há como negar que o BC já está atrasado.”
As opiniões das 100 maiores instituições consultadas pelo BC semanalmente apontam para a manutenção dos juros pelo Conselho de Política Monetária (Copom) na próxima semana. Contudo, alguns analistas já imbicam na direção contrária. Bernardo Fiaux, analista da Personale Investimentos, ressaltou que as negociações de contratos futuros de juros tiveram um salto. “A surpresa (no pregão de ontem) ficou por conta dos juros futuros, que subiram muito. O mercado aposta que o Banco Central vai aumentar em 0,25% a Selic”, avaliou.
Encarecimento
No fechamento das negociações, os contratos com vencimentos em janeiro de 2013 registraram avanço nos juros de 12,29% para 12,36% ao ano. Já os que se encerram em janeiro de 2014 mostraram elevação de 12,14% para 12,20% ao ano. Na prática, esses valores significam que aumentou a procura por aplicações financeiras que estimam um aumento na taxa Selic. Mais do que a meta fixada pelo BC (atualmente em 10,75% ao ano), são esses contratos que encarecem os financiamentos, já que suas taxas servem de base para a negociação entre os bancos no mercado financeiro.
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