Mubarak envia partidários para atacar opositores. Três morrem e 1.500 se ferem após violentos confrontos
Ironicamente, no dia em que os serviços de internet foram restabelecidos no Egito, a verdadeira face do regime de Hosni Mubarak foi mostrada ao mundo: partidários do governo infiltrados saíram às ruas, montados em cavalos e camelos, armados com facões, pedras e bastões, deflagrando uma batalha campal contra oposicionistas na Praça Tahrir, símbolo dos protestos que há dez dias sacodem o país. Os opositores revidaram, quebrando o calçamento e atirando blocos de cimento contra os manifestantes pró-Mubarak, derrubados e espancados.
Logo suplantados em número pelos opositores, os governistas infiltrados subiram em prédios, atirando do alto tijolos e coquetéis molotov contra a multidão perto do Museu Egípcio, incendiando uma de suas árvores. Nas portas dos edifícios, policiais à paisana impediam os opositores de entrar para deter os ataques.
Segundo o governo, três pessoas morreram e mais de 600 ficaram feridas. Mas médicos que atenderam os feridos diziam que o número passou de 1.500, com mesquitas servindo de hospitais. Os partidários de Mubarak, que chegaram em ônibus ao Centro, tiveram o reforço das autoridades e até cavalos e camelos, usados para investir com chibatadas contra a multidão. O Exército não impediu sua passagem e se restringiu a policiar o Museu Egípcio e a apagar as chamas.
Jornalistas são presos e agredidos
Desde cedo, as ruas do centro da capital receberam passeatas pró-Mubarak. Ainda que não seja anormal ver apoio ao presidente numa população de 80 milhões de habitantes, o timing levantou suspeitas.
Menos de 12 horas depois do discurso em que o presidente anunciou a decisão de não se candidatar nas eleições de setembro - e depois de ordenar que os opositores deixassem a praça -, pelo menos 20 mil pessoas estavam prontas para marchar com uma infinidade de cartazes com a foto de Mubarak e carros de som, algo nunca visto nos protestos de oposição. Mas a grande ajuda veio da polícia uniformizada e secreta, cujos agentes estavam atentos também aos jornalistas na passeata.
Embora alguns organizadores jurassem que o destino da multidão era a praça da mesquita Mustafa Mahmoud, que não é perto da Tahrir, logo foi tomado o rumo do local ocupado pela oposição.
- Não vamos brigar com ninguém, mas queremos mostrar ao mundo que Mubarak é um homem bom. Há muita gente querendo ver nosso país se transformar no Iraque, com terrorismo e ocupação de tropas americanas - disse o engenheiro Abdel Ali.
A visão de uma câmera de TV fazia com que os manifestantes exigissem mostrar seu apoio ao presidente, com uma jovem, nascida em 1981, o mesmo ano em que Mubarak assumiu o poder, declarando estar nas ruas para defender o homem que considerava seu verdadeiro pai. Para aumentar a adesão, foi declarado ponto facultativo em várias repartições públicas e, segundo relatos, houve ofertas de cachês de até 200 libras egípcias (o equivalente a R$56) para participantes.
Por volta de 14h, os primeiros grupos chegaram à praça e não demoraram 15 minutos para que houvesse os primeiros enfrentamentos. A ira dos partidários do governo também se dirigiu a jornalistas, incluindo o repórter da rede CNN Anderson Cooper, que recebeu socos e chutes na cabeça. Ele e sua equipe foram atacados quando atravessavam um grupo de manifestantes pró-governo. Um homem tentou arrancar a câmera da CNN, enquanto outros investiam contra a equipe. Em outro momento, um jornalista da TV al-Arabiya, de Dubai, foi atacado e desmaiou.
Jornalistas num dos hotéis próximos à Tahrir receberam a visita de seguranças armados, ordenando que ninguém filmasse ou tirasse fotos das sacadas. Quatro profissionais israelenses e um belga foram presos. O Comitê de Proteção aos Jornalistas, com sede em Nova York, acusou o governo egípcio de orquestrar os ataques, na tentativa de encobrir a verdade. "Condenamos os ataques e pedimos a todas as partes para evitar a violência contra jornalistas", disse um comunicado do CPJ. O governo, no entanto, classificou as acusações de envolvimento na repressão de "ficção".
Até o fim da noite de ontem ainda havia enfrentamentos, com ambulâncias tentando abrir caminho para socorrer os feridos. De acordo com a TV estatal, a ordem do Exército era evacuar a praça, que seria bloqueada.
- A atmosfera estava incrivelmente violenta, e os dois lados perderam as estribeiras. Mas passamos quase uma semana em Tahrir sem que ninguém ficasse ferido, manifestando de forma pacífica nosso desejo por democracia. Fomos atacados covardemente - disse Karim Ennarah, um dos manifestantes da oposição.
Cem brasileiros ainda estão no país
O embaixador do Brasil no Cairo, Cesare Mantonio, disse que será necessário repensar o esquema de atendimento aos brasileiros após os acontecimentos na Praça Tahrir - embora ainda não haja planos de evacuação já que o Aeroporto do Cairo permanece aberto. De acordo com a embaixada, há cerca de cem turistas brasileiros ainda no Egito, o mesmo número da população de residentes. Os problemas com os voos têm dificultado a saída, mas há quem reclame de falta de orientação, como a estudante Thaís Justen, que vive em Heliópolis, a dez quilômetros do centro, onde a falta de policiamento levou os moradores a formar milícias para evitar saques.
- Simplesmente me disseram para ficar em casa ou ir para o aeroporto esperar meu voo para o Brasil, que só na sai na sexta-feira.
Ontem, mais uma companhia aérea, a britânica BMI, anunciou a suspensão de serviços até segunda ordem.
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