O intuitivo genial, reverenciado pela seita lulopetista desde a vitória na eleição de 2002, jaz desde segunda-feira numa cova rasa no jardim da mansão de Paulo Maluf. Ansioso por garantir o apoio do dono do PP à candidatura de Fernando Haddad,
como registra o comentário de 1 minuto para o site de VEJA, Lula caiu na armadilha montada pelo parceiro mais esperto por ter esquecido duas velhas lições.
A primeira ensina que, quando dois políticos se encontram na casa de um deles, o anfitrião está invariavelmente em vantagem: é sempre o visitante quem está querendo alguma coisa. Não se vai atrás de alguém para oferecer, mas para pedir.
A segunda lição, formulada no dia da invenção da fotografia, avisa que certas imagens valem mais que mil palavras. Se a aliança repulsiva fosse consumada no Palácio do Planalto, numa audiência concedida pelo presidente Lula ao deputado federal Paulo Maluf (e sem jornalistas por perto), Haddad não estaria hoje caçando algum substituto para Luiza Erundina. Se a reunião tivesse ocorrido no apartamento do ex-presidente em São Bernardo (longe da imprensa), os danos seriam menores.
Os estragos começaram a adquirir dimensões formidáveis quando Maluf exigiu que o casamento fosse celebrado em sua casa, avisou que só diria sim se Lula estivesse presente e decidiu convidar a imprensa para testemunhar a cerimônia. Deu no que deu. As imagens da turma no jardim documentam a rendição do chefão do PT ao homem que passou a vida chamando de “ladrão” ─ e que o acusou mais de uma vez de agir como ave de rapina.
Aos olhos da multidão, Lula foi lá para pedir desculpas e pedir 1min35 no horário eleitoral gratuito. Foi perdoado e atendido. Um se humilhou. Outro foi publicamente absolvido de todos os pecados passados, presentes e futuros. O resto é conversa fiada, mas portadores da Síndrome de Deus jamais admitem que erraram. Neste momento, rodeado de devotos genuflexos, Lula deve estar recitando que fez tudo certo, que quem errou foi Erundina, que a imprensa superestima o episódio para prejudicar o PT, que tudo será esquecido e que vai eleger Haddad. Em vez de contar-lhe que, por ter dado um passo maior que a perna, deu outro tiro no pé, os áulicos buscam justificativas para o inexplicável.
“Houve uma troca de cargos, como tem havido em qualquer negociação. Não houve dinheiro”, derrapou duplamente Gilberto Carvalho. Ao admitir que o Planalto autorizou a entrega de uma secretaria do Ministério das Cidades a um afilhado de Maluf, o secretário-geral da Presidência da República incorporou à trama obscena a presidente Dilma Rousseff: ela própria garante que nada acontece por lá sem o amém da superexecutiva onipresente. Ao jurar que desta vez só ocorreu uma troca de cargos, Gilberto Carvalho confessou que, em outras negociações, entrou dinheiro vivo.
Perdido no shopping, Haddad declamou o que ordenaram que decorasse: “Como já existe a aliança com o PP no plano nacional, é natural que seja estendida às eleições municipais”. Tão natural quanto a aparição de um jabuti no alto da árvore. Uma coisa é a aliança no plano federal com um partido que muda de rosto conforme a região. Em Santa Catarina, por exemplo, o PP tem a cara de Esperidião Amin. No Rio, é parecido com Francisco Dornelles. Em São Paulo, a sigla é mais um codinome de um político promovido a símbolo da corrupção impune, do primitivismo eleitoreiro, do vale-tudo pelo poder, do rouba mas faz.
Desta vez, Lula está proibido de balbuciar que não sabia de nada e que todos são inocentes até a condenação formal. Se insistir na lengalenga, será convidado a visitar o site da Interpol. Há dez dias, o post que enumerou os recentes tiros no pé desferidos pelo ex-presidente lembrou que o SuperMacunaíma que engana todo mundo foi enganado por Gilberto Kassab. Acaba de ser tapeado por Paulo Maluf.
Em 1984, o PT expulsou quatro deputados que votaram em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Foram punidos porque ajudaram a derrotar Paulo Maluf, candidato à Presidência com o apoio do governo militar. No fim do outono de 2012, Lula capitulou publicamente diante do filhote da ditadura. Tancredo não estava à altura do PT. Passados 28 anos, o partido subordinou-se às imposições de Maluf. O antigo adversário não mudou. Lula é que removeu as diferenças que os separavam. Ficaram iguais.
Sorte de José Serra, convém registrar. O candidato do PSDB, que sempre foi o maior adversário dele próprio, estava pronto para consumar um acordo com Paulo Maluf quando o proprietário dos cobiçadíssimos 95 segundos na TV resolveu trocá-los pelo cofre no Ministério das Cidades e por meia dúzia de fotos no jardim. Conjugadas, a ganância de Maluf e a soberba de Lula acabaram poupando Serra de mais um naufrágio prematuro e voluntário. Tomara que consiga entender o tamanho do desastre que quase protagonizou.
A reação dos brasileiros que pensam e prestam atesta que incontáveis eleitores ainda sabem distinguir um acordo partidário de uma barganha sórdida, e não confundem coligação eleitoral com formação de quadrilha ou bando. Há limites para tudo. E há limites para todos. Até para Lula. Até para o rebanho que desde o começo do século acompanha com balidos servis a marcha da insensatez.
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(*) Cazuza.
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