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sexta-feira, junho 22, 2012

COM AÇÚCAR, SEM AFETO



NAOURI, O NOVO DONO DO PÃO DE AÇÚCAR



QUEM É E O QUE PENSA O EMPRESÁRIO FRANCO-ARGELINO JEAN-CHARLES NAOURI, QUE ASSUME O CONTROLE DA MAIOR REDE DE VAREJO BRASILEIRA, EM 22 DE JUNHO.
Autor(es): Ralphe MANZONI Jr.
Isto é Dinheiro - 18/06/2012
 


Foram 2.607 dias, ou longos sete anos, um mês e 18 dias. Uma trajetória que começou em 4 de maio de 2005, quando o empresário Jean-Charles Naouri, presidente da rede varejista francesa Casino, assinou um cheque de US$ 900 milhões, o equivalente a R$ 2 bilhões na época, elevando sua participação para 50% no Grupo Pão de Açúcar (GPA), do empresário Abilio Diniz. Na sexta-feira, 22 de junho, Naouri, 63 anos, deve virar uma página do varejo brasileiro e, provavelmente, da história da família Diniz, que controlou a empresa fundada pelo imigrante português Valentim dos Santos Diniz, pai de Abilio, desde 1948.
Se tudo ocorrer conforme o enredo previsto – e nada indica, até agora, que isso deva ser alterado – Naouri, ou seu representante legal, chegará às 9 horas, à sede do Grupo Pão de Açúcar, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo. Nessa ocasião, Naouri será eleito o presidente do conselho da Wilkes, a holding que controla o Pão de Açúcar, no lugar de Diniz. Duas horas mais tarde, os conselheiros da Wilkes terão uma reunião, a primeira desde que a holding foi criada, em 2006. Logo após o almoço, às 14 horas, é a vez do conselho do Pão de Açúcar se reunir. O encontro nomeará três novos conselheiros – Eleazar de Carvalho Filho (ex-Unibanco, UBS e BNDES), Luiz Augusto de Castro Neves (ex-embaixador) e Roberto Lima (ex-Vivo e Credicard).
Com essa nova composição, o Casino passará a contar com oito conselheiros no board da rede varejista. Diniz ficará com três e manterá o cargo de presidente. Outros quatro serão independentes. Esse é o rito que marcará a transição de controle do Grupo Pão de Açúcar, a maior rede varejista brasileira, que fatura R$ 52,6 bilhões e emprega 149 mil pessoas. Há ainda outras formalidades a ser cumpridas. A principal delas é a venda, por Diniz, de um lote de um milhão de ações ordinárias do GPA, o equivalente a 2,4% do capital da Wilkes. O empresário brasileiro tem dois meses para concluir essa operação, mas deverá finalizá-la logo na semana seguinte à reunião do conselho do Pão de Açúcar.
Se não o fizer, o Casino tem o direito de comprar uma ação por R$ 1. Para pessoas próximas, Diniz tem dito que honrará o contrato assinado com Naouri, em 2005. Nos bastidores, no entanto, advogados estudam medidas preventivas, na Justiça, para proteger a companhia – nenhuma delas, no entanto, deverá impedir que o Casino seja o controlador da companhia brasileira, segundo fontes ouvidas por DINHEIRO. A transferência de controle, no entanto, não encerra uma disputa ruidosa e cheia de mágoas entre Diniz e Naouri, que tiveram uma relação harmônica por pelo menos 12 anos. A sociedade começou em 1999, quando o Casino comprou uma participação minoritária do Pão de Açúcar por R$ 1,5 bilhão.
Seis anos depois, a rede francesa elevou sua fatia na companhia brasileira, um acordo foi saudado com grande euforia pelas duas partes na ocasião. Segundo as cláusulas do contrato, os dois teriam um controle compartilhado até 2012, apesar de Diniz manter apenas 21% do capital do grupo. "O que eles estão comprando é o meu passe", afirmou Diniz, em uma entrevista, na época. O empresário brasileiro tinha total autonomia na gestão e nas estratégias de aquisição do Pão de Açúcar. Os bons resultados credenciaram essa parceria franco-brasileira. Tanto que o valor de mercado da empresa passou de R$ 5,6 bilhões, em maio de 2005, para R$ 23,5 bilhões, em maio deste ano.
Abilio Diniz: ele passará o controle ao Casino, mas seus advogados
estudam medidas preventivas para proteger a empresa.
Hoje, está na casa de R$ 19,6 bilhões. O clima amistoso entre ambos, no entanto, desmoronou em junho do ano passado, quando Diniz anunciou a proposta de fusão com o Carrefour. O acordo foi entendido por Naouri como uma manobra para evitar que o Casino assumisse o controle da companhia em 2012. Bombardeada pelo francês, a fusão malogrou. O resto é história. Desde então, os dois empresários têm adotado uma atitude de distância e, principalmente, de desconfiança mútua. A última vez que conversaram foi em 29 de fevereiro deste ano, em Paris, no QG do Casino, no número 83 da Faubourg de Saint-Honoré, uma avenida nobre da capital francesa. Na ocasião, quase houve uma reconciliação.
Mas, logo depois, ficou claro que as feridas abertas entre os dois dificilmente seriam cicatrizadas. As negociações para uma saída de Diniz da empresa estão atualmente paradas – a proposta mais viável era ele ficar com a Viavarejo, o braço do grupo na área de eletroeletrônicos, que reúne Casas Bahia e Ponto Frio, mais uma parte em dinheiro. Há quatro semanas, Pérsio de Souza, da Estáter, que representa Diniz, e Ricardo Lacerda, da BR Partners, do lado de Naouri, não se encontram. "A impressão que dá é que eles empurraram com a barriga", diz uma fonte ligada a Diniz. Do lado do Casino, a opinião é inversa.
"O Casino não está obrigado a aceitar qualquer coisa só porque o Abilio pediu", afirma outra fonte próxima a Naouri. Acostumado a enfrentar diversas batalhas em sua trajetória como empresário – Diniz teve quedas de braço com os irmãos pelo Pão de Açúcar na década de 1980 e com a família Klein, quando comprou a Casas Bahia, em 2010 – ele, desta vez, está enfrentando um adversário incomum. Nascido na Argélia, Naouri é o primogênito de uma professora de inglês e um médico francês. Desde cedo, mostrou uma inteligência acima do normal. Aos 17 anos, foi para Paris estudar na École Normale Supérieure, um centro de excelência francês.
Sua formação inclui mestrado em matemática pela mesma escola, aos 20 anos. Mais tarde, graduou-se em administração na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. É leitor voraz de filósofos gregos, especialmente Platão, que lê no original. Sua formação de negócios o levou a assumir, em 1984, o posto de chefe do gabinete do ministro socialista da Economia e Finanças, Pierre Bérégovoy. O cargo lhe garantiu uma valiosa agenda de contatos, entre eles David Rothschild, um dos herdeiros do banco que leva seu sobrenome. Com Rothschild criou o fundo Euris, com o qual comprou em 1991, a pequena Rallye, em dificuldades financeiras na ocasião, entrando no mercado de varejo.
Na vida pessoal, Naouri é extremamente discreto. Tanto que quando nasceu seu filho do segundo casamento foi trabalhar normalmente. Só informou a equipe do nascimento da criança 15 dias depois. É visto com frequência com o seu indefectível terno preto. Não gosta de piadas e sorri com parcimônia. Seu império na França foi construído à base de negociações com empresas de origem familiar – e muita polêmica. Alguns de seus sócios ficaram para trás, como o caso dos Baud, ex-donos do Franprix e do Leader Price. Outros continuam parceiros, a exemplo dos Guichard, do Casino. Há disputas ainda não resolvidas, como com a família Moulin, fundadora da Galeries Lafayette, dona do supermercado Monoprix (saiba mais no quadro ao final da reportagem).
Naouri é reconhecido também por ser um CEO implacável e autoritário, que coloca extrema pressão sob seus comandados. Se não estão dando resultado, demite-os. Se o enfrentam, também podem perder o emprego. Foi assim com Georges Plassat, ex-presidente do Casino, em 1997, e que hoje comanda o rival Carrefour. Ele se opôs a uma proposta hostil de compra. No meio empresarial, alguns o consideram um gênio. Uma de suas qualidades é a forma minuciosa com que analisa os contratos. Dizem que é viciado em detalhes. Antes da assinatura, passa as noites examinando todas as opções. Por isso, quando há conflitos, sabe exatamente como agir. Tem fama de inflexível.
Desde que entrou em conflito com Diniz, por exemplo, ele não mudou um milímetro sua posição. "O Casino vai assumir o controle do Pão de Açúcar em 22 de junho", repetiu ele, como um mantra, a todos os interlocutores que o questionaram, inclusive em entrevista à DINHEIRO, em julho do ano passado. Para Naouri, trata-se de um direito que lhe está assegurado em contrato e que fez por merecer. "Em 1999, o Grupo Pão de Açúcar era um negócio medíocre, que saía de uma quase falência", afirmou. "Quando Diniz procurou investidores no mundo inteiro, eu fui aquele que aceitou." O que Naouri fará após 22 de junho, no entanto, é ainda uma incógnita. Pelo menos para Diniz.
O empresário brasileiro tem dito a assessores próximos que está muito preocupado com a estratégia de crescimento do Pão de Açúcar. Em sua visão, a fusão com o Carrefour, como fora proposto no ano passado, era o negócio certo para avançar não só no Brasil, como também internacionalmente. "Cansei de disputar o Campeonato Brasileiro", afirmou Diniz a um conselheiro da empresa. "Agora, eu quero a Liga Mundial." Quando é instigado a debater o assunto, ele tem na ponta da língua todas as informações que comprovariam que seria um bom negócio. Um exemplo das divergências que podem ocorrer a partir de agora aconteceu no fim de maio. O Pão de Açúcar havia acertado a compra da rede Tenda Atacado, dona de 17 lojas e faturamento de R$ 1,6 bilhão.
Michael Klein: ele contratou assessores financeiros para fazer
uma proposta pela Viavarejo.
Abilio era favorável ao negócio. O Casino, indeciso, deixou a decisão para a diretoria executiva, que não levou a transação adiante, ao ver que os dois principais acionistas não tinham uma posição clara sobre o negócio, segundo uma fonte próxima a Diniz. O Casino conta uma história diferente e diz que não vetou o negócio. Apesar dos receios de Diniz sobre a estratégia de crescimento do Pão de Açúcar, o Casino, toda vez que se manifesta publicamente, elogia a gestão realizada até agora pelos executivos da companhia. "Não há nenhuma razão para Naouri tirar o Enéas Pestana da presidência do Pão de Açúcar", diz uma fonte ligada ao empresário francês. "O plano que será tocado é o mesmo aprovado no ano passado e que contempla o período de 2012 a 2014."
O combinado é investir R$ 1,8 bilhão neste ano. Na área alimentar, o objetivo é abrir até 80 lojas. Na Viavarejo, a estimativa é de 60 novos pontos de venda. O faturamento bruto deve atingir R$ 57,2 bilhões, alta de quase 9%. "O Brasil é muito importante para o Casino", afirma essa fonte. "Naouri não fará nada para prejudicar o crescimento." É fácil comprovar a importância do Brasil para o Casino, que faturou € 34,3 bilhões em 2011. As vendas na França são responsáveis por 55% do desempenho global. Ao assumir o controle do Pão de Açúcar, Naouri poderá consolidar integralmente o resultado em seu balanço. A operação brasileira passará então a ser ligeiramente superior em receita à da França.
A profissão de fé de Naouri no Brasil, porém, não tem sido suficiente para tranquilizar Diniz. Ele tem dúvidas, muitas dúvidas. A principal delas é qual será o seu papel na nova companhia controlada pelo Casino. Como presidente do conselho do Pão de Açúcar, poderá ajudar a definir a estratégia do grupo, mas estará em minoria. Teme, neste caso, se transformar numa espécie de "rainha da Inglaterra", uma posição que não seria tolerada por um empresário autoconfiante e que acredita que está longe da aposentadoria – aos 75 anos, ele diz estar em plena forma física e intelectual. O empresário Michael Klein, antigo controlador da Casas Bahia, também tem um papel decisivo nessa disputa.
Ele poderá fazer uma oferta pela Viavarejo após 22 de junho. Para isso, teria contratado o Citigroup e a Arion Capital como assessores. "Vamos aguardar a assembleia para definir os rumos dos negócios de minha família", disse Klein à DINHEIRO. Quanto a Diniz , a transferência de controle ao Casino não significa que as negociações para sua saída estejam encerradas. "Nunca trabalhamos com a faca no pescoço em razão de 22 de junho", diz uma fonte. Uma coisa, no entanto, já está definida. Como tem feito nos últimos 30 anos, quando assumiu uma posição de liderança no Pão de Açúcar, ele pretende acordar cedo, fazer exercícios e ir até a sede da empresa, onde ocupa uma mesa em uma sala sem divisórias, em que está localizada toda a diretoria executiva da rede varejista.
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