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quinta-feira, julho 26, 2012

''VOCÊ É LUZ, É RAIO ESTRELA E LUAR..."



Cachoeira ignora Justiça e faz juras de amor à mulher

O deboche de Cachoeira


Autor(es): Josie Jeronimo
Correio Braziliense - 26/07/2012
 

Bicheiro rompe o silêncio, mas, em vez de rebater a acusação de que comanda a quadrilha responsável pela exploração de jogos ilegais em Goiás, faz declaração de amor à mulher
Goiânia — O bicheiro Carlinhos Cachoeira resumiu em 13 minutos as explicações que deveria dar para rebater acusações do processo que responde na 11ª Vara Federal em Goiânia. Mas, em vez de responder às indagações do juiz Alderico Rocha Santos, o contraventor se denominou um "leproso jurídico", fez declarações de amor à mulher, Andressa Mendonça, disparou provocações aos procuradores da República Léa Batista e Daniel Resende Salgado e aproveitou a sessão para fazer um agradecimento público aos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) Tourinho Neto e Adilson Macabu. "Eu virei um leproso jurídico. Quem me deu voto favorável até agora foram só os desembargadores Tourinho e Macabu, que inclusive chamaram os outros de justiceiros. Mas um dia tudo vai ser esclarecido e eles vão saber quem eu sou."
Cachoeira respondeu às perguntas de qualificação do juiz, alegou que sua profissão é "empresário" e que já foi "processado" no episódio "Waldomiro Diniz", em referência ao ex-assessor especial da Casa Civil flagrado em vídeo de esquema de corrupção pelo próprio bicheiro, que deu origem à CPI dos Bingos, em 2005. Em tom de ironia, ele afirmou ainda que não sabe qual é o seu atual endereço. "Pergunta para ela, nos mudamos e eu estou segregado há cinco meses", disse, apontando para Andressa.
Sobre as investigações da Operação Monte Carlo, ele não aceitou falar nada. "Eu gostaria de fazer um bom debate com o Ministério Público, mas devido às falhas processuais, é melhor não falar nada, eu resolvi não falar nada", disse. Ainda no clima de euforia, que surpreendeu os presentes na audiência —até então as notícias davam conta de um Cachoeira deprimido —, o bicheiro, ao responder sobre seu estado civil, disse que a pergunta era "difícil", pois só estava esperando o Ministério Público o liberar para se casar com Andressa Mendonça. "Vou falar, porque o sofrimento é muito grande: ela me deu nova vida. Eu te amo", declarou, olhando para a mulher, que acompanhou a audiência.
Irritados com a atitude de Cachoeira ao longo da audiência, os procuradores desistiram de fazer perguntas ao bicheiro. Após a sessão, não quiseram comentar o comportamento do contraventor.
Um agente da Polícia Federal que atuou na transferência de Cachoeira de Brasília a Goiânia informou ao Correio que, após passar por consulta médica para avaliar seu quadro psicológico, o contraventor tomou remédios contra a depressão. O efeito de uma "pílula da felicidade", como disse o agente, referindo-se a um tipo popular de antidepressivo, pode ter causado a "espontaneidade" do bicheiro durante o depoimento, na avaliação do policial.
Os advogados de defesa de Cachoeira e dos outros sete réus usaram estratégias variadas para evitar o depoimento do bicheiro ontem. A preocupação não era o conteúdo das declarações de Cachoeira — que apelou ao direito de não se autoincriminar —, mas a possível celeridade que o processo ganha ao fim das audiências de instrução, com a conclusão do interrogatório dos réus.
Depois que todas as testemunhas de acusação e de defesa foram ouvidas, os advogados apresentaram requerimento arrolando o delegado Raul Alexandre Marques, responsável pela Operação Vegas, e o agente Márcio Azevedo, que monitorou Cachoeira na Operação Monte Carlo, para serem ouvidos antes do interrogatório dos réus. A ideia era tentar desqualificar as provas colhidas durante as investigações da Operação Monte Carlo. O juiz Alderico Rocha Santos, no entanto, indeferiu os pedidos e deu continuidade às oitivas.
A audiência também teve momentos tensos. Douglas Messoura, advogado de Gleyb Ferreira da Cruz — suposto braço direito do esquema liderado por Cachoeira —, discutiu com o procurador Daniel Resende Salgado. O procurador interrompeu a fala de uma testemunha e foi criticado pelo advogado. Irritado, Salgado rebateu: "Eu sou o fiscal da lei". Messoura subiu o tom e respondeu o procurador. "Eu sou o defensor, e qual é a diferença entre nós dois? Se o senhor é o fiscal da lei, em quê o senhor é mais do que eu?", questionou. "Eu não estou dizendo que sou mais do que o senhor", rebateu Salgado. "O senhor colocou palavras na boca da testemunha. Coloque-se em seu lugar", continuou o advogado. "Quem tem que se colocar em seu lugar é vossa excelência", finalizou o procurador.
O choro de Gleyb
Minutos antes do depoimento de Carlinhos Cachoeira, o juiz Alderico Rocha Santos ouviu o desabafo de um dos principais operadores do bicheiro, Gleyb Ferreira da Cruz, que chorou durante a explanação ao magistrado. Ele também se recusou a responder a perguntas relacionadas às investigações da Operação Monte Carlo, mas utilizou o tempo à frente do juiz para confrontar o magistrado e os representantes do Ministério Público presentes na sessão. "Eu até queria colaborar, juiz, mas vendo o que ocorre desde o início, não acho que o Ministério Público queira esclarecer a verdade. É um ato de condenação."
Gleyb reclamou que foi preso em casa e que os policiais relataram que ele possuía armamento, informação supostamente inverídica. Apesar de ter sido flagrado em dezenas de escutas telefônicas fechando negócios em nome de Cachoeira, Gleyb disse que está sendo julgado por ter amizade com uma "pessoa pública", disse, referindo–se ao bicheiro. "Eu poderia ter uma amizade com o senhor em um bar, mas minha amizade me imputou essa prisão."
Apontado como principal operador de Cachoeira, Gleyb reclamou ainda que a mulher está sendo constrangida ao visitá-lo na prisão. "Ter a humilhação da minha família, conviver com marginais, estupradores, traficantes, isso não é cabível. Tudo que eles (os advogados de defesa) pediram aqui, nada foi acatado pelo senhor. Eu não tenho no que acreditar. Meu dia tem sido pensar se vale a pena viver ou não. Minha esposa, quando vai me visitar, tem que passar por humilhação. Sei que não é relevante nada do que estou falando, mas é só um desabafo." Em vez de censurar o réu pelo tom agressivo usado durante o depoimento, o juiz Alderico Rocha Santos encerrou a oitiva, oferecendo água a Gleyb.

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