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quinta-feira, outubro 18, 2012

BANCO CENTRAL E POLÍTICAS MACRO

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BC acertou ao baixar juro, mas câmbio


tem que flutuar


Claudio Belli/Valor / Claudio Belli/ValorMário Mesquita, ex-diretor do BC: "A maioria dos bancos centrais está navegando em território não mapeado, nesse sentido não somos uma exceção"









A crise internacional justifica a flexibilização do tripé de política econômica - câmbio flutuante, metas para inflação e geração de superávits primários nas contas públicas -, em vigor no país desde 1999. "Há uma dose de experimentalismo [na política econômica], mas há de se reconhecer que isso não está ocorrendo apenas no Brasil. A maioria dos bancos centrais está navegando em território não mapeado. Nesse sentido, não somos uma exceção", diz o economista Mário Mesquita, ex-diretor do Banco Central (BC), hoje sócio do banco de investimento Brasil Plural.
Mesquita acha, entretanto, que, no próximo ano, com a recuperação da economia, o governo terá que fazer uma escolha: manter a taxa básica de juros (Selic) no patamar historicamente baixo em que já se encontra ou manter o câmbio tabelado, sem flutuar, em torno de R$ 2,00. Hoje, só é possível manter esses dois objetivos porque a atividade econômica está desaquecida.
Segundo ele, o câmbio precisa voltar a flutuar para ajudar o BC a segurar a inflação. "A estabilidade dos juros teria mais sustentabilidade no tempo se a taxa de câmbio voltasse a ter um papel mais intenso de mecanismo de ajuste."
Mesquita foi diretor do BC entre 2006 e 2010, tendo sido o principal macroeconomista da instituição durante a crise de 2008. Nesta entrevista ao Valor, a primeira desde que deixou o cargo, ele conta por que o BC reduziu os juros ao menor patamar da história naquela época, mas não conseguiu mantê-los naquele nível por muito tempo.
Valor: O tripé de política econômica foi abolido?
Mário Mesquita: Formalmente, o tripé foi mantido pelo governo. O BC ainda faz referência à meta para inflação. O discurso das autoridades ainda se refere a um câmbio flutuante e também à meta de superávit primário.
Valor: Como o senhor analisa as mudanças ocorridas?
Mesquita: O que houve foi uma mudança na forma como o regime é implementado. Em parte isso reflete as condições excepcionais da economia global. O câmbio foi estabilizado em torno de R$ 2, embora o governo não tenha adotado uma meta cambial formal. De toda forma, o governo tem demonstrado grande satisfação com a estabilidade da taxa de câmbio. Isso é um exemplo dessa alteração em relação ao modo como o regime costumava ser implementado. Há uma dose de experimentalismo, mas há de se reconhecer que isso não está ocorrendo apenas no Brasil. A maioria dos bancos centrais está navegando em território não mapeado. Nesse sentido, não somos uma exceção.
Valor: A ideia de que o câmbio só deve flutuar para cima de R$ 2 não traz riscos para o controle da inflação?
Mesquita: Um paralelo interessante é com o México. A economia mexicana cortou a taxa de juros na crise de 2008-2009 para 4,5% ao ano. De lá para cá, eles mantiveram a taxa estável nesse valor. Mas eles têm uma economia mais aberta que a brasileira e têm deixado a taxa de câmbio fazer boa parte do serviço de ajuste cíclico. Usam a flutuação cambial para amortecer os choques que recaem sobre a economia. Se você estabiliza a taxa de câmbio, a princípio, sobrecarrega outras variáveis.
Valor: Sobrecarrega a taxa de juros como componente de combate à inflação?
Mesquita: A estabilidade dos juros teria mais sustentabilidade no tempo se a taxa de câmbio voltasse a ter um papel mais intenso de mecanismo de ajuste. A estabilização do câmbio é algo que, num cenário em que a atividade doméstica fique mais forte, cenário no qual eu acredito, e as pressões inflacionárias possam ser mais intensas, pode atuar contra as perspectivas de manutenção dos juros num patamar historicamente baixo.
Valor: Sendo assim, como o governo está conseguindo manter o câmbio estável e os juros baixos?
Mesquita: Neste momento, o governo consegue ter as duas coisas ao mesmo tempo. Isso não necessariamente será verdadeiro ao longo de 2013 e 2014. Podemos chegar ao momento em que as autoridades terão que optar entre a manutenção dos juros em níveis baixos ou a estabilização do câmbio em torno de R$ 2. Por enquanto, dado o estado da economia mundial, essa opção [por juros baixos e câmbio congelado] não parece ser inconsistente, mas ao longo do tempo ela pode vir a ser testada. O próprio BC já manifestou várias vezes corretamente, em documentos e discursos, que o ciclo econômico não está abolido e que, consequentemente, os ciclos de política monetária não deixaram de existir. Isso é algo que vai fazer parte do debate em 2013 e 2014.
Valor: Essa política pode ser testada num cenário de crise ou pelo próprio ciclo econômico?
"O México cortou os juros na crise de 2008 para 4,5% ao ano, mas tem deixado o câmbio fazer boa parte do ajuste cíclico"
Mesquita: Pode ser testada nos dois. Uma crise, um novo Lehman Brothers, desta vez provavelmente centrada na Europa, poderia acarretar pressão de alta no dólar e impacto contracionista sobre a atividade por aqui, em linha com o episódio original de 2008, mas agora temos margens mais reduzidas para estímulos adicionais de política fiscal e monetária No nosso ciclo econômico, temos um mercado de trabalho aquecido, e isso já foi registrado várias vezes pelos documentos do BC. Estamos saindo de um período de estímulos econômicos, de flexibilização monetária, cujos efeitos ainda estão por atuar de forma intensa na economia. Então, essa é uma fonte de preocupação não só para mim, mas para a maioria dos economistas.
Valor: Por quê?
Mesquita: Porque queremos saber o que pode acontecer com o mercado de trabalho quando esses estímulos se materializarem com maior intensidade. Vale notar que, além do estímulo monetário, mais recentemente o governo deu também um certo estímulo fiscal à economia. Tudo isso vai atuar sobre o mercado de trabalho, daí, uma certa preocupação com o que pode acontecer em termos de risco para a trajetória da atividade e da inflação.
Valor: O sr. estava no BC, entre 2007 e 2009, na primeira fase da crise financeira mundial. Naquela ocasião, o BC reduziu a taxa Selic, mas não a manteve na mínima histórica por muito tempo. Por quê?
Mesquita: A taxa foi reduzida de 13,75% para 8,75% ao ano e mantida nesse patamar de julho de 2009 a abril de 2010. Eu tinha saído do BC quando ela voltou a ser elevada, em abril de 2010. O que aconteceu foi que a política fiscal teve uma característica mais pró-cíclica do que anticíclica. Com o aumento dos gastos em 2009 para enfrentar a crise, ela foi anticíclica. O problema é que continuou expansionista em 2010 e isso levou ao superaquecimento da economia, que cresceu 7,5% naquele ano, uma taxa à qual, infelizmente, não conseguimos crescer sem que as pressões inflacionárias fiquem evidentes. Foi um caso clássico de manutenção de uma postura de estímulos, talvez por tempo excessivo e por temor em relação aos riscos derivados da economia internacional.
Valor: O objetivo da política de superávit primário não é reduzir a dívida pública?
Mesquita: A questão do superávit primário, desde aquela época, deve ser olhada não apenas do ponto de vista de redução da razão dívida/PIB, de diminuição do prêmio de risco, mas também como a política fiscal atua sobre a demanda. Em 2011, por exemplo, a política fiscal, em certa medida, contribuiu para viabilizar uma mudança na direção da flexibilização da política monetária. Na segunda metade de 2009, início de 2010, a política fiscal também estava contribuindo para alterar a política monetária, mas na outra direção, à medida que foram adicionados estímulos excessivos à economia. Cabe lembrar também que os preços de commodities, em trajetória de alta que se fortaleceu depois da adoção do QE2 [expansão monetária] nos EUA, também contribuíram para reforçar atividade e inflação no Brasil. Isso obrigou o BC a subir a taxa de juros. Já no começo de 2010 estava ficando claro que a trajetória de crescimento da economia na margem era bem forte.
Valor: Perdeu-se, então, uma oportunidade de promover uma redução estrutural dos juros?
Mesquita: Acredito que as autoridades entendem isso, tanto que, quando chegamos a 2011, priorizaram a política monetária [para estimular a atividade econômica], em detrimento do uso ativo da política fiscal. Isso começou a mudar nos últimos meses.
Valor: A taxa Selic a 7,25% ao ano é sustentável ou o país pode voltar em breve a conviver novamente com juros de dois dígitos?
Mesquita: A taxa de juros abaixo de 10% é algo com que vamos conviver durante um período razoável. Em particular, não acho muito provável que a Selic volte a dois dígitos ainda nesta administração. Mas a convergência da taxa nominal de juros aos níveis internacionais vai requerer a convergência da inflação brasileira aos níveis internacionais. Isso é impossível enquanto a meta de inflação for mantida em 4,5%. Em 2009, teria sido possível começar um processo de redução da meta, modesto, gradual.
Valor: A crise está diminuindo o crescimento da economia mundial e, portanto, as pressões inflacionárias. Agora não seria um momento favorável para a redução da meta?
Mesquita: É um bom momento para discutir isso, mas não é um tema que esteja no topo das prioridades de Brasília. O governo demonstrou grande coragem política em lidar com temas como a regulamentação da reforma da previdência de 2003 [a criação do Funpresp, fundo de pensão dos funcionários públicos] e a mudança da remuneração da poupança. Seria importante atuar também na convergência da taxa nominal de juros. Outro dia, o Valor reportou sobre como a inflação brasileira destoa da inflação da maioria dos países emergentes. Na verdade, a meta de inflação brasileira já destoa da meta da maioria dos emergentes, então, não é de se surpreender que, sendo a meta elevada, a inflação observada também seja mais alta. Consequentemente, a taxa de juros nominal é igualmente mais alta.
Valor: A economia brasileira cresceu de forma acelerada entre 2004 e 2010, estimulada pelo boom de commodities provocado pela China e a expansão do crédito e do consumo. Esse modelo se esgotou?
"O investidor que tem foco no longo prazo, seja brasileiro ou estrangeiro, ainda está confiante no Brasil"
Mesquita: O Brasil tende, agora, a crescer num ritmo mais modesto, ainda que mais intenso do que o que observamos em 2011 [2,7%] e 2012 [1,6%, segundo projeção do BC]. Mas a tendência, nos anos seguintes, é para algo entre 3,5% e 4% e não para níveis acima disso, como chegou a registrar no período anterior à crise de 2008. Naquele período, o mundo estava numa trajetória insustentável, inclusive a China e o próprio Brasil.
Valor: Estamos condenados a crescer pouco?
Mesquita: Se o Brasil fizer reformas, se conseguir aumentar a taxa de investimento, é possível tirar esses 3,5% e caminhar para um crescimento mais alto. Mas parece que, com as informações que temos hoje, a tendência está mais para esse patamar. Até acho que, em 2013, vamos crescer mais do que isso.
Valor: Quanto?
Mesquita: Podemos crescer 4% ou até mais. O carregamento estatístico de 2012 para 2013 deve ajudar, mas a tendência a partir de 2014 seria voltar para uma média mais baixa. O que eu acho é que a percepção do investidor estrangeiro em relação ao Brasil tem dois problemas.
Valor: Quais?
Mesquita: O investidor estrangeiro superestima muito o efeito da China sobre a dinâmica macroeconômica brasileira. A China representa algo como 16% ou 17% das exportações brasileiras, que por sua vez equivalem a cerca de 12% do nosso PIB. O impacto direto da desaceleração da China sobre o PIB do Brasil é modesto. É evidente que há os impactos indiretos, que devemos levar em consideração. De qualquer forma, o impacto da China sobre a cotação dos preços das commodities, sobre a percepção do mercado financeiro internacional em relação ao Brasil, é maior do que sobre a dinâmica econômica, trimestre a trimestre, aqui, que tem muito a ver com o comportamento do consumo, do gasto público, do investimento doméstico.
Valor: Qual é o outro problema de percepção?
Mesquita: Teve gente que resolveu investir e apostar no Brasil numa extrapolação do que se observou em 2010, quando todo o mundo aqui sabia que, por maior que fosse o crescimento daquele ano, os 7,5% não seriam permanentes. Ao mesmo tempo, não acho que o crescimento baixo observado em 2011 e 2012 seja uma tendência. Discordo da visão de que o Brasil é um país que, agora, vai crescer 1,5%, 2%.
Valor: O investimento estrangeiro direto (IED) no Brasil continua batendo recordes, mas, aparentemente, o investidor doméstico se mostra desconfiado. Por que essa diferença de percepção?
Mesquita: O investidor que tem foco no longo prazo, seja brasileiro ou estrangeiro, ainda está confiante. Num encontro recente, de apresentação do projeto do Brasil Plural, os investidores de 'private equity' (participações acionárias), aqueles que têm horizonte de longo prazo, ficaram muito entusiasmados. Os investidores de alta frequência, que buscam um retorno mais de curto prazo, estavam ressabiados com o comportamento de curto prazo da bolsa de valores, e isso ocorreu logo depois do episódio das empresas elétricas [que reagiram mal à MP que prorrogou os contratos de concessão sem fixar os valores de amortização das usinas]. Mas os investidores de longo prazo estão com uma visão bastante benigna sobre o nosso projeto e sobre o Brasil. Considerando que os critérios de investimento de 'private equity' não são tão diferentes dos de IED, esse comportamento é consistente.
Valor: O que justifica esse otimismo de longo prazo?
Mesquita: As pessoas lembram que, ao fim e ao cabo, o Brasil é um país cuja dinâmica é determinada pela demanda doméstica. Num ambiente internacional ainda complicado, ter uma economia voltada para dentro é um fator de resiliência. Seria muito bom se a economia fosse mais aberta. Ela seria mais produtiva, eficiente e justa. A forma como atravessamos a crise de 2008-2009 também é vista lá fora como uma prova de amadurecimento do país. É importante notar que outros países emergentes notaram o sucesso do Brasil em atrair IED e estão reagindo.
Valor: Como?
Mesquita: A Índia anunciou medidas para liberalizar o investimento estrangeiro, o México mais recentemente também sinalizou medidas nessa direção. O ambiente internacional, portanto, pode ficar mais competitivo. Mesmo assim, acho que o Brasil, no momento, está bem posicionado.
Valor: O sr. mencionou a necessidade de reformas para o país crescer mais. Como avalia as medidas que o governo vem tomando para tentar tornar a economia mais competitiva?
Mesquita: São medidas que vão no caminho certo. Cortes horizontais de impostos seriam ideais, mas algum corte de imposto já é bem-vindo, e é diferente da tendência brasileira dos últimos anos. As concessões também são bem-vindas. Para que tenham sucesso, contudo, é preciso que o marco regulatório seja estabelecido e que seja estável. Eu até não teria tanta pressa em anunciar novas concessões nos diversos setores.
Valor: Por quê?
Mesquita: Porque mais importante é que, uma vez que elas sejam anunciadas, o sejam com base em regras estáveis que deem conforto ao investidor. Há uma pré-disposição em investir no Brasil, mas é preciso estabilidade de regras. Mesmo quando o ativismo do governo é bem-intencionado, ele pode gerar uma incerteza que leva à postergação das decisões de investir. Uma outra coisa que pode acontecer é que as taxas de juros reais estão num patamar historicamente muito reduzido. Isso tem suscitado uma busca, bastante intensa, por ativos alternativos.
Valor: Por qual tipo de ativo?
Mesquita: Fundos de crédito e imobiliários, e esses recursos ainda não aportaram à bolsa.
Valor: Por quê?
Mesquita: Porque a bolsa não tem tido um bom desempenho. Há muita incerteza. No momento em que a bolsa começar a andar, ela tende a gerar um aumento do otimismo e da confiança empresarial e isso contribui também para a retomada do investimento privado. No Brasil, assim como em outras economias, o mercado acionário costuma ser um bom indicador antecedente de viradas na atividade. O caminho, então, parece ser esse, de fato, de estimular o investimento privado, atrair capital privado para concessões. As dúvidas dizem mais respeito à implementação, mas o caminho parece correto. Destravar a oferta é bastante importante neste momento.


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