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quarta-feira, janeiro 30, 2013

NOSSO VÍCIO



Sísifo e a microeconomia da estagnação



Autor(es): Vinícius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello
Valor Econômico - 30/01/2013
 

Muitas vezes relegadas a segundo plano no debate conjuntural, políticas microeconômicas afetam substancialmente o desempenho da economia. Aqui, veremos as consequências de longo prazo de dois aspectos microeconômicos da política econômica: 1) o protecionismo a alguns setores e, de modo relacionado, a eleição de campeões nacionais - os agraciados com benesses como financiamento subsidiado do BNDES; e 2) a tentativa de se arbitrar as taxas de retorno de alguns setores, principalmente os produtores de serviços e bens não transacionáveis.
No curto prazo, o primeiro conjunto de medidas aumenta preços e o segundo diminui. É tautológico: medidas de proteção a determinados setores reduzem competição. Igualmente evidente é o fato de que campeões nacionais não serão necessariamente as empresas mais eficientes ou inovadoras. Muitas vezes o eleito é o mais "conectado". Portanto, preços mais altos. Já o arbítrio de retornos pode diminuir preços no curto prazo. Afinal, o governo está a forçar preços para baixo em vários setores da economia. Importante, aqui, é que está a fazê-lo sem afetar o montante de competição nesses setores. Se, no curto prazo, os efeitos sobre preços são ambíguos, no longo prazo, a consequência dessas políticas será preços maiores em todos os setores. São duas as razões: diminuição de eficiência e investidores exigindo retornos maiores para suas inversões.
Ricardo Caballero, Takeo Hoshi e Anil Kashyap, respectivamente, economistas do MIT, da Universidade da Califórnia em San Diego e da Booth Escola de Negócios de Chicago,  documentam empiricamente a relação entre a longa estagnação da economia japonesa e a concessão de crédito a empresas ineficientes ("zumbis"), que garante sua sobrevivência. A sobrevivência de empresas zumbis congestiona o acesso a recursos de empresa não zumbis, afetando a produtividade dessas últimas e, como consequência, a produtividade de toda a economia.
O melhor que podemos fazer é criar condições favoráveis para o aumento de competição, o contrário do que se fez
Ezra Oberfield, do Fed de Chicago, mostra que há uma relação teórica positiva entre produtividade no nível macro e o acesso de agentes produtores a insumos baratos e modernos. Para o Brasil, Edmar Bacha e Regis Bonelli mostram que o aumento dos preços de bens de capital ajuda a explicar a redução do investimento. Esses trabalhos mostram que políticas que inibam a competição terão, além de efeitos adversos para os consumidores no curto prazo, consequências deletérias no longo prazo.
O melhor que podemos fazer é criar condições favoráveis para o aumento de competição. O contrário do que o governo tem feito, pelo menos no setor industrial. Estimular a competição é possível mesmo em situações nas quais isso pareça difícil, como no caso de um insumo fundamental para economia: a provisão de serviços de infraestrutura. Para isso, é preciso desenhar leilões nos quais, por meio da competição pelo direito de explorar o serviço, o concessionário faça lances que repliquem preços que seriam cobrados caso houvesse competição na provisão do serviço.
Avanços recentes da Teoria de Leilões têm sido aplicados com muito sucesso em desenhos práticos ao redor do mundo (vide os leilões de espectro da FCC americana). No Brasil, a adoção de princípios gerais contidos nesses mecanismos tem sido ignorada. Mais distantes estamos, portanto, de conseguir estimular essa forma "ex-ante" de competição.
Quanto às tentativas de se estabelecer ou arbitrar taxas de retorno de diferentes atores na economia, a Teoria de Finanças nos ensina que os retornos de um ativo são determinados pelo componente não diversificável de seu risco. Isto é: dimensões de risco contra as quais os investidores não consigam se segurar gratuitamente comandarão um prêmio, expresso em maior retorno. Ao tentar estabelecer retorno na economia, o governo cria um risco não diversificável: o risco de alguma forma de expropriação, também chamado de risco institucional ou regulatório. O termo expropriação é usado de maneira ampla. Pode ser uma expropriação strictu sensu, como a nacionalização não totalmente indenizada, estilo Chávez-Kirchner-Morales. Ou pode ser mais sutil, por meio de uma renegociação "voluntária" que prive investidores dos benefícios de seus investimentos.
Uma relação curiosa entre retorno esperado e risco institucional emerge da tentativa de se arbitrar as taxas de retorno com renegociações a posteriori. Os investidores passam a exigir retornos esperados mais altos porque esperam alguma forma de renegociação; nessa situação, os retornos efetivamente realizados serão, via de regra, altos porque os retornos esperados eram altos. Um governo arbitrador de retornos, vendo o que considera "vultosos" ganhos, tenderá a renegociar, o que justifica a demanda dos investidores por altos retornos esperados. O governo, na tentativa de abaixar as taxas de retorno na economia, gera risco institucional e, tal qual um Sísifo autocondenado, se depara com investidores que demandarão retornos altos no futuro (manifestos, no presente, em descontos substanciais nos preços dos ativos sujeitos ao risco). Pior: se deparará com a indisposição de investir. A perplexidade da presidente - conforme noticiada pela jornalista Claudia Safatle no Valor - ilustra o drama "sisifico": "Mas eu fiz tudo o que eles [empresários] pediram, por que não investem?" O leitor atento notará que a relação entre retorno esperado e risco institucional sugere a existência de equilíbrios múltiplos. Haverá economias com pouca renegociação, retornos esperados condizentes com os riscos econômicos e bastante investimento - ciclo virtuoso - e economias com muita renegociação, retornos altos e pouco investimento - ciclo vicioso. Em qual ciclo estamos?
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Vinícius Carrasco e João Manoel P. de Mello são PhDs em economia por Stanford e professores do Departamento de Economia da PUC-Rio.

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