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quarta-feira, março 13, 2013

''POETA, MEU POETA CAMARADA..." (Toquinho ao Vinicius de Moraes)

13/03/2013



Roberto DaMatta

Uma avalanche de eventos


Temos vivido uma avalanche de eventos. 

Da morte de Chávez às divergências sobre os royalties do petróleo cujas sequelas vão mudar a cena política. Isso para não falar sobre a renúncia e agora eleição de um novo pontífice e o rompimento de uma trégua pela Coreia do Norte. 

Tudo isso pesa num mundo cada vez menor.

No plano insignificante do cronista, há a carta insigne que recebi do vice-presidente da República, o senhor Michel Temer - assinada como Michel Temer reclamando do modo como ele é mencionado na crônica Eu não Aceito, publicada em 6 de fevereiro.

O sr. Michel Temer ficou magoado com o que leu como uma censura à sua poesia. Ora, não é todo dia que um sujeito que dá aulas lê, escreve e pesquisa por mais ou menos 50 anos; um alucinado que andou estudando índios e que transformou alegrias como o carnaval e futebol em chatices teóricas; que vive denunciando a amizade e o apadrinhamento como valores essenciais no mundo público; enfim, um professor, essa profissão tão valorizada no Brasil, recebe uma carta acompanhada de três livros de um vice-presidente da República, uma pessoa superocupada com os problemas nacionais e com uma trajetória pública invejável.

Daí porque - pela deferência à figura de Michel Temer e pelo respeito que tenho pelo papel que ocupa (e que a ele não pertence totalmente) - torno público um assunto relativamente particular.

Observo que o nome do sr. Michel Temer surge na minha crônica no papel de poeta. E de poeta hígido (hígido, para quem não sabe, significa saudável!). Observo, em seguida, que minha crônica é permeada de ironia que se manifesta nas imagens que usei para salientar a minha desilusão com a dinâmica política nacional. O fato concreto, entretanto, é que jamais larguei coisa alguma. Muito pelo contrário, estou enfronhado no Brasil e, por circunstâncias que não inventei, tenho viajado muito mais para dentro do que para fora de mim mesmo. No momento, estou aprendendo a viver com menos.

Michel Temer escreve-me discorrendo sobre a sua vocação poética e explica que somente publicou seus pensamentos instado por amigos fiéis que, por sinal, são indivíduos admiráveis.Em seguida, ele fala de sua trajetória como acadêmico no campo do Direito Constitucional, cujo sucesso foi inegável, e exprime, não sem uma boa e justa dose de sarcasmo, o seu ressentimento por eu ter condenado a sua poesia. Termina dizendo uma verdade: "Talvez o que o tenha influenciado é o meu lado político. Duvido que V.S. seja daqueles que desestimulam os "calouros" que se atrevem a impulsionar pelas letras sentimentais".

O poeta no vice-presidente está certo. Depois de ler o seu livro Anônima Intimidade percebo sua reação. Michel Temer é um homem dividido como eu. É um correligionário de letras e de mediunidade que a política escondeu e que, espero, não tenha liquidado totalmente. 

Na carta que ele se dignou a mim endereçar, Michel Temer me situa no Olimpo da vida literária nacional. Ledo engano, Michel. Eu moro em Niterói e tenho a certeza, como muitos que criticaram o meu trabalho, que sou um especialista menor, errado ou superficial, que luta para fechar suas contas praticando uma antropologia antiga.

Na referida crônica, eu expressava a minha indignação não contra a sua poesia, mas contra a posse como presidente do Senado de um político sobre o qual pesam graves acusações. Um parlamentar que, entre outros fatos, é um recordista de atos secretos e, mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, dava uma aula de "ética". 

Se o poeta Michel Temer reler a minha crônica, ele verá que o seu nome aparece por ele ser a segunda pessoa da República e sua excelência, o presidente do Senado, o sr. Renan Calheiros, o qual pertence ao seu partido, ser a terceira. 

Quer se queira ou não, o vice-presidente faz parte de um governo no qual a política tem sido descarrilhada por troca de favores e escândalos que me envergonham - razão do meu desabafo.

Eu não o julguei como poeta, mas testemunhei pela leitura do seu livro a angústia contida na poesia rascunhada em papel de guardanapo de avião ao sair de Brasília. Vejo que é um composto de perplexidades e angústias causadas pelo campo de sua atuação principal: a política - justamente a dimensão que motivou minha crônica. Lendo as suas ansiedades, eu bem posso imaginar a profundeza das consternações que marcam a sua biografia. No seu livro enxerguei a purgação que uns poucos podem fazer diante de um quadro político tão, data vênia, deprimente. Se fazemos em parte o mesmo, como poderia censurá-lo como poeta? Lamento o mal-entendido e por ele me desculpo.

Mas gostaria de aproveitar esta ocasião para dizer como eu gostaria que o seu lado de poeta estivesse mais próximo do seu lado de político profissional e - ouso sugerir com índole fraternal - pudesse ouvir esse seu lado literário com mais frequência. Foi imperdoável tê-lo ignorado como poeta e rogo para que sua poesia possa iluminar - com a agonia e as incertezas de todo poema - este nosso Brasil, cujo palco político produz dramas tão calhordas sem nenhum constrangimento.

PS: Aqui fica um convite para um encontro em minha casa no Olimpo chamado Niterói. Seria um prazer conhecer pessoalmente o poeta que é vice-presidente da República e liderança da base governista.




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Roberto Damatta
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Eu não aceito!

06 de fevereiro de 2013 | 2h 14



Roberto Damatta - O Estado de S.Paulo

Quando o hígido Michel Temer vira poeta e Renan Calheiros - acusado pela Procuradoria Geral da República de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso - é apossado (com voto secreto - o voto da covardia) na Presidência do Senado Federal no posto número 3 da sucessão republicana e entra no papel dando uma aula de ética e com apoio do PSDB, um lado meu pergunta ao outro se não estaria na hora de sumir do Brasil.


Se não seria o momento de pegar o meu chapéu e deixar de escrever, abandonar o ensino das antropologias, desistir do trabalho honesto, beber fel, tornar-me um descrente, aloprar-me, abandonar a academia (de ginástica, é claro), deixar-me tomar pela depressão, desistir de sonhar, aniquilar-me, andar de joelhos, dar um tiro no pé, filiar-me a uma seita de suicidas, mijar sentado, avagabundar-me, virar puxa-saco, fazer da mentira a minha voz; e - eis o sentimento mais triste - deixar de amar, de imaginar, de ambicionar e de acreditar. Abandonar-me a esse apavorante cinismo profissional que toma conta do País - esse inimigo da inocência -, porque minha cota de ingenuidade tem sido destroçada por esses eventos. Eu não posso aceitar viver num país que legaliza a ilegalidade, tornando-a um valor. Eu não posso aceitar um conluio de engravatados que vivem como barões à custa do meu árduo trabalho.

"A ética não é um objetivo em si mesmo. O objetivo em si mesmo é o Brasil, é o interesse nacional. A ética é obrigação de todos nós e é dever deste Senado", professa Renan Calheiros, na sua preleção de po(s)se.

Para ele, a ética, o Brasil, o dever, o interesse e as obrigações são coisas externas. Algo como a gravata italiana que chega de fora para dentro e pode ou não ser usada. Façamos uma lei que torne todo mundo ético e, pronto!, resolvemos o problema da cena política brasileira - esse teatro de calhordices.

A ética não é a lei. A lei está escrita no bronze ou no papel, mas a ética está inscrita na consciência ou no coração - quando há coração... Por isso, ela não precisa de denúncias de jornais, nem de sermões, nem de demagogia, nem da polícia! A lei precisa da polícia, o moralismo religioso carece dos santarrões e as normas, de fiscais. A ética, porém, requer o senso de limites que obriga à mais dura das coragens: a de dizer não a si mesmo e, no caso deste Brasil impaludado de lulopetisto, a de negar o favor absurdo ou criminoso à namorada, ao compadre, ao companheiro, ao irmão, ao amigo.

"O Zé é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo!", eis a cínica palavra de ordem de um sistema totalmente aparelhado e dominado pelo poder feito para enriquecer a quem o usa, sem compostura, o toma lá dá cá com tonalidades pseudoideológicas, emporcalhando a ideologia.

Quem é que pode acreditar na possibilidade de construir um mundo mais justo e igualitário no qual a esfera pública, tocada com honestidade, é um ideal, com tais atores? Justiça social, honestidade, retidão de propósito são valores que formam parte da minha ideologia; são desígnios que acredito e quero para o Brasil. Ver essa agenda ser destruída em nome dos que tentaram comprar apoio político e hoje se dizem vítimas de um complô fascista, embrulha o meu estômago. Isso reduz a pó qualquer agenda democrática para o Brasil.

O cínico - responde meu outro lado - precisa (e muito) de polícia; o ético tem dentro de si o sentido da suficiência moral. Ela ou ele sabem que em certas situações somente o sujeito pode dizer sim (ou não!) a si mesmo. Isso eu não faço, isso eu não aceito, nisso eu não entro. É simples assim. A camaradagem fica fora da ética, cujo centro é o povo como figura central da democracia.

O que vemos está longe disso. Um eleito condenado pelo STF é empossado deputado, Maluf - de volta ao proscênio - sorri altaneiro para os fotógrafos, um outro companheiro com um passado desabonado por acusações vai ser eleito presidente da Câmara; a presidente age como a rainha Vitória. E o Direito: o correto e o honesto viram "direita". Entrementes, a "esquerda" tenta desmoralizar a Justiça porque não aceita limites nem admite abdicar de sua onipotência. 

Articula-se objetivamente, com uma desfaçatez alarmante, uma crise entre poderes exatamente pela mais absoluta falta de ética, esse espírito de limite ausente dos donos do poder neste Brasil de conchavos vergonhosos e inaceitáveis. Você, leitor pode aceitar e até considerar normal. 

Eu não aceito!

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