Promotores e procuradores não se deixam punir
Por Maíra Magro | De Brasília
Fiscal das leis e em defesa do poder de fazer investigações criminais, o Ministério Público enfrenta dificuldades para apurar faltas cometidas por seus próprios integrantes. Grande parte das reclamações disciplinares que chegam às corregedorias locais e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o órgão de controle externo da categoria, terminam arquivadas por causa da prescrição (vencimento do prazo de investigação e punição).
Desde 2005, quando foi criado, até 2012, o CNMP recebeu 2.696 reclamações disciplinares. Entre elas, 64 geraram procedimentos administrativos disciplinares (PADs) e 31 resultaram em punição. Em geral, porém, a investigação começa nas corregedorias locais de cada MP - estadual, federal e trabalhista. No ano passado, as corregedorias locais arquivaram 3.895 procedimentos disciplinares e aplicaram 81 penalidades. Em 2011, foram arquivados 4.286 procedimentos e aplicadas 78 punições.
O Ministério Público tem 11.658 membros no país inteiro, incluindo os Estados e os ramos da União.
O MP não tem dados sobre as causas das reclamações disciplinares, o que dificulta uma análise dos dados. Um acompanhamento da pauta demonstra que há relativamente poucas reclamações por corrupção ou atos de improbidade, em comparação aos casos que chegam o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão de controle do Judiciário.
A maioria das reclamações no CNMP diz respeito a questões funcionais: descumprir prazos processuais, arquivar indevidamente ou deixar de atuar em relação a determinados casos, agir com "falta de urbanidade" no serviço, faltar ao trabalho e a audiências, dar declarações à imprensa com interesses "políticos" ou morar fora da comarca em que atua, por exemplo.
Brigas internas também são temas corriqueiros - um membro do MP acusa o outro de cometer desvios funcionais ou administrativos. Muitos casos são apresentados por advogados. Enquanto políticos costumam reclamar de "perseguição", algumas reclamações são atribuídas a retaliações por atuações combativas do MP.
Antes mesmo que o CNMP conclua pela ocorrência ou não de falta, entretanto, muitos casos são arquivados por vencer o prazo da punição. "A prescrição é um problema muito acentuado", reconhece o corregedor nacional do CNMP, Jeferson Coelho. "Às vezes, chega ao CNMP uma denúncia que não foi conduzida no Estado, mas que já está prescrita."
O emaranhado de leis orgânicas é uma das causas de ineficiência. Ao analisar os procedimentos disciplinares, o CNMP tem que lidar com 27 legislações diferentes, uma para cada ramo do MP. Nelas, os prazos de prescrição e os tipos processuais são distintos, o que dificulta o trabalho de julgamento. Em alguns casos, a lei prevê prazo de prescrição de seis meses para as faltas mais brandas - período considerado pequeno demais para concluir o processo.
Em muitos Estados, o procurador-geral ou o Conselho de Procuradores pode rever as penas aplicadas pelo corregedor. Os próprios integrantes do MP reconhecem que aspirações políticas inibem investigações internas.
Até março, o regimento do CNMP só permitia que o órgão atuasse depois de esgotados os trabalhos das corregedorias locais. A regra acaba de ser alterada, para se adequar à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que garantiu os poderes de investigação do Conselho Nacional de Justiça.
Pelo novo regimento, editado em março, o CNMP passa a ter competência "concorrente" à das corregedorias locais - ou seja, pode investigar promotores e procuradores diretamente. A mudança é vista como positiva pela Corregedoria Nacional. Amanhã, o CNMP fará sua segunda sessão com o novo regimento.
As novas regras também agilizam a abertura do PAD, pois autorizam o corregedor nacional a instaurá-lo sozinho, interrompendo a contagem da prescrição. A decisão depois tem que ser referendada pelo plenário, com 14 conselheiros. Antes, a prescrição só parava de correr depois que o plenário abrisse o PAD, um procedimento muitas vezes demorado, que facilitava a prescrição.
O problema do controle disciplinar já foi reconhecido pelo próprio CNMP. Em 2011, o órgão aprovou proposta de um anteprojeto de lei para unificar as normas disciplinares de todos os ramos dos MPs. O projeto fixa em dois anos o prazo mínimo de prescrição das faltas disciplinares.
A proposta, feita pelo então conselheiro Cláudio Barros Silva, classifica as atuais normas como "extremamente precárias e de difícil aplicação". "Muito embora o CNMP tenha demonstrado vontade de efetuar um eficiente controle disciplinar, não tem alcançado maiores resultados em razão das múltiplas legislações que regulamentam a matéria e que, além de descreverem penas sem maior repercussão, não possuem regras eficazes que interrompam a prescrição", diz o texto. A proposta foi remetida ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, mas não foi encaminhada ao Congresso.
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