O governo e o clamor das ruas
:: Rogério Werneck
Perplexo, o País tenta entender a onda de manifestações que vêm tomando as ruas nas últimas semanas. Há muitas perguntas cruciais sem respostas satisfatórias. Como e por que tais manifestações puderam se alastrar por todo o País em tão pouco tempo? Que insatisfações, aparentemente difusas e generalizadas, de fato as inspiram? E por que esse movimento ganhou tanta força logo agora, neste exato momento? São perguntas que o próprio governo deve estar se fazendo.
Três das fontes de insatisfação que vêm sendo apontadas como inspiradoras dos protestos deveriam merecer cuidadosa reflexão em Brasília: a inflação, os reajustes de tarifas de transporte coletivo e os investimentos requeridos para que o País hospede a Copa e a Olimpíada.
A esta altura está mais do que claro que Dilma mostrou complacência excessiva com a inflação. Basta notar que o Banco Central se dará ao luxo de atravessartodo o atual mandato presidencial com a inflação bem acima do centro da meta. Agora, colhendo o que plantou, o governo constata que uma inflação de 6,5% ao ano já começa a gerar tensões altamente desgastantes.
No vale-tudo em que se converteu a condução da política econômica nos últimos meses, o governo se permitiu tentar conter a inflação por meio de intervenções diretas em preços de maior relevância na composição do índice.
No início do ano, desenterrando prática deplorável e oportunista, típica do período de alta inflação, o Planalto pressionou os prefeitos de São Paulo e do Rio para que adiassem o reajuste de tarifas de transporte coletivo por alguns meses. Fascinado com os supostos benefícios imediatos dessa manipulação, o governo não parece ter dado a devida atenção aos custos do abandono da regra de reajustes de tarifas com periodicidade claramente definida.
Quebrando a regra, sinalizou a possibilidade de que a magnitude e o momento do reajuste de tarifas passassem a ser objeto de negociação. Possibilidade na qual se agarram, agora, os manifestantes de cada grande cidade do País.
Percebendo afinal as proporções do equívoco, o Planalto deve estar amaldiçoando o momento em que teve a infeliz ideia de abrir essa caixa de Pandora. Se não tivesse “conseguido adiar” os aumentos das tarifas em São Paulo e no Rio e os reajustes tivessem sido anunciados normalmente nas datas previstas, no início do ano, é bem possível que os episódios que deflagraram a atual onda de protestos não tivessem ocorrido.
Mas a insatisfação com os serviços de transporte coletivo nas grandes áreas metropolitanas do País tem razões bem mais profundas.
A ilusão de que boa parte da população urbana poderia continuar para sempre gastando mais de três horas por dia entre a casa e o trabalho, sem maiores protestos, não fazia sentido.
Mais cedo ou mais tarde, a conta do vergonhoso descaso com as carências do País em transporte de massa estava fadada a aparecer. Mas o governo tem outras prioridades. Insiste em incentivar a demanda de automóveis e subsidiar a gasolina. E, por razões ideológicas, prefere investir em áreas como petróleo e energia elétrica, em que a maior parte do investimento poderia perfeitamente ser deixada a cargo do setor privado.
Merece também menção a previsível ressaca de parte da opinião pública com o oba-oba dos custosos investimentos necessários para que o País hospede a Copa e a Olimpíada.
Quanto a isso, parece ter havido cálculo político equivocado em Brasília. “Pão e circo” é uma receita milenar e consagrada de populismo. Mas na Roma Antiga não havia nem Fifa nem Comitê Olímpico. E a entrada no Coliseu era grátis.
Já aqui, o povão, visivelmente irritado, ficará de fora do dispendioso circo que está sendo montado. E o governo agora se deu conta de que o público pagante, em eventos transmitidos por televisão a 100 milhões de eleitores, será do tipo que vaia presidente da República.
A ideia não era bem essa. Mas agora é tarde.
ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RI0
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