Jornada Mundial da Juventude -
No adeus ao Rio, Papa defende reforma profunda na Igreja
Em discurso para bispos da América Latina, o Papa Francisco defendeu ontem uma grande reforma na Igreja capaz de ampliar o diálogo com as novas gerações e, assim, renovar uma base de fiéis que encolhe em todo o continente. O Pontífice convocou os religiosos a amar a pobreza e a austeridade, e disse que a Igreja deve sair do centro e caminhar para as periferias. Condenou a postura reativa dos padres e pediu que eles abandonem a "psicologia de príncipes" saindo das sacristias para a rua. O Papa pediu uma Igreja menos ideológica, que evite "desde o liberalismo de mercado até a categorização marxista" Na manhã de ontem, durante a Missa de Envio, que reuniu em Copacabana três milhões de pessoas — um evento que concentrou o maior público em toda a História da cidade —, o Papa Francisco convocou os jovens a espalhar as palavras do Evangelho pelo mundo. Cracóvia, na Polônia, é a cidade que receberá a próxima Jornada Mundial da Juventude, em 2016. Ao se despedir do Brasil, agradeceu a hospitalidade dos cariocas, disse já começar a sentir saudades e afirmou: "Rezem por mim e até breve"
Pregação por nova igreja Papa Francisco defende proximidade com fiéis e condena o "funcionalismo paralisante" do clero
Deborah Berlinck
Renato Grandelle
Alto clero.
O Papa cumprimenta bispos na Catedral Metropolitana: pedido para que sejam menos administradores e mais pastores
Uma grande reforma na Igreja Católica. Esse foi o cerne do discurso feito ontem pela Papa Francisco, no Centro de Estudos do Sumaré, para bispos de países da América Latina. Para o Pontífice, é preciso ampliar o diálogo com as novas gerações, a fim de combater o encolhimento progressivo do número de fiéis no continente. Francisco disse que a Igreja deve procurar "as periferias" e não se restringir ao que chamou de "centro". Afirmou ainda que os religiosos devem amar a pobreza e a vida austera.
- Quem guia a pastoral, a missão continental, é o bispo. Ele deve guiar, que não é o mesmo que comandar. Os bispos devem ser pastores, próximos das pessoas, pais e irmãos, com grande mansidão: pacientes e misericordiosos. Homens que amem a pobreza, quer a pobreza interior, como liberdade diante do Senhor, quer a pobreza exterior, como simplicidade e austeridade de vida. Homens que não tenham "psicologia de príncipes". (...) Homens capazes de vigiar o rebanho que lhes foi confiado, cuidando de tudo aquilo que o mantém unido. (...) E o lugar onde o bispo pode estar com o seu povo é triplo: ou à frente, para indicar o caminho; ou no meio, para mantê-lo unido e neutralizar as debandadas; ou então atrás, para evitar que alguém se desgarre.
Para o Papa, se a Igreja não buscar seus fiéis, corre o risco de cair num "funcionalismo paralisante".
- É uma concepção que não tolera o mistério, apenas sua eficácia. Reduz a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG - criticou. - O que vale é o resultado palpável e as estatísticas. A partir disso, chega-se a todas as modalidades empresariais da Igreja. Constitui uma espécie de "teologia da prosperidade" no organograma da pastoral.
Burocratização, problema histórico
Para Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, a burocratização da Igreja atacada por Francisco é um problema histórico.
- O funcionalismo começou a ser combatido pelo Papa João XXIII ainda no Concílio Vaticano II, mas a burocratização avançou bastante durante o pontificado de João Paulo II e cristalizou-se com Bento XVI - lembrou. - Para Francisco, as funções administrativas podem ser assumidas pelos leigos. Os padres devem ser líderes espirituais.
Francisco também condenou o que definiu como "ideologização" da mensagem religiosa - isto é, interpretações do Evangelho que podem ir de um extremo ideológico a outro, algo que, segundo o Pontífice, ocorreu com mais força na América Latina. O trecho foi considerado uma referência a movimentos controversos da Igreja, como a Opus Dei e a Teologia da Libertação. Entre as maneiras de ideologizar a mensagem da Igreja, ele citou o "reducionismo socializante": - É a ideologização mais fácil de descobrir. Em alguns momentos, foi muito forte. Trata-se de uma pretensão interpretativa com base numa hermenêutica (interpretação) de acordo com as ciências sociais. Engloba os campos mais variados, desde o liberalismo de mercado até a categorização marxista.
Para o jornalista do GLOBO Luiz Paulo Horta, membro da Academia Brasileira de Letras, o principal recado do discurso diz respeito à postura do clero.
- O Papa fez um discurso contundente contra a tendência da Igreja de se achar uma instituição para os padres e para os bispos, e não voltada para os fiéis - analisou. - Bento XVI disse o mesmo quando veio à América Latina. Também é interessante como Francisco mostrou em que tempo os religiosos devem se situar. O passado serve como uma mensagem, e o futuro é muito abstrato. O clérigo deve trabalhar com o presente.
Bispos devem atualizar seu discurso
Enquanto na sexta-feira o Papa pediu aos jovens que assumam as rédeas do futuro, ontem Francisco disse que os bispos devem atualizar seu discurso. Do contrário, os fiéis não vão se identificar mais com a Igreja.
- É importante focar no agora, não ficar preso ao passado e nem pensar no futuro como o local da vida eterna, como se a felicidade estivesse apenas no céu - destacou Maria Clara. - A América Latina é o continente da esperança da Igreja; é onde ainda há muitos fiéis. Na Europa, os católicos já são idosos, não houve renovação.
Professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio, Paulo Fernando Carneiro ressalta que o Papa inovou ao destacar a importância da base da Igreja.
- A novidade foi sua proposta de criar grupos bíblicos nas bases eclesiásticas, um setor considerado problemático pela Igreja - afirmou. - Esse é um dos pontos concretos ressaltados pelo Papa, assim como a aproximação com os fiéis. A Igreja não pode se burocratizar.
adicionada no sistema em: 29/07/2013 03:57 |
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