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quinta-feira, junho 14, 2007

OPERAÇÃO/PF: CORRUPÇÃO DIUTURNA [I]


O que o Brasil precisa fazer para combater a corrupção.

O Brasil avançou muito no combate à corrupção nos últimos anos. Esquemas de desvio de dinheiro público, até há pouco tempo considerados um mal inerente à burocracia estatal, passaram a ser investigados, denunciados e desbaratados, sem poupar empresários, juízes ou políticos. Abriu-se espaço para operações da Polícia Federal que se diferenciam na esquisitice de seus nomes (Navalha, Sanguessugas, Vampiros), mas têm em comum o mesmo propósito de limpeza no funcionamento da República. Ainda há muito a fazer. Em um tradicional levantamento realizado pela Transparência Internacional, o Brasil está em um incômodo 70o lugar no ranking dos 163 países mais corruptos do mundo. De acordo com o economista Marcos Fernandes, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo, o país perde cerca de R$ 20 bilhões por ano com o desvio de dinheiro público. Tão importante quanto conhecer o tamanho do prejuízo é saber onde se situa, como se produz e como pode ser combatida a corrupção. Esse é um problema que existe em todo o mundo. A diferença está no esforço com que cada país se dedica a contê-lo. Para contribuir com esse esforço, ÉPOCA apresenta, nesta reportagem, cinco práticas chanceladas por nove especialistas, com base em experiências que deram certo em outros países.
1) REDUZIR AS NOMEAÇÕES POLÍTICAS. A troca de cargos na máquina federal por apoio de deputados e senadores é uma tradição na história do Brasil. Em vez de diminuir, como deveria acontecer, ela está aumentando. Na semana passada, o governo anunciou a criação de uma vice-presidência no Banco do Brasil para acomodar o PMDB. E estuda fazer o mesmo na Caixa Econômica Federal. É por isso que só na administração federal existem hoje cerca de 24 mil vagas que podem ser preenchidas por indicação de políticos. Para ganhar uma dessas vagas não é preciso comprovar competência ou conhecimento técnico. O candidato precisa apenas de um padrinho político com prestígio no governo. Segundo os analistas, esse quadro é perigoso. “É óbvio que essas nomeações são uma porta para a corrupção”, diz o cientista político Otaciano Nogueira, da Universidade de Brasília. “O compromisso de quem tem o cargo é com quem indicou, e não com a população.” R$ 20 bilhões são desviados do governo todos os anos em esquemas de corrupção. Por que todo político quer ter apadrinhados no governo? “Dependendo da posição, ela dá acesso a políticas públicas e recursos capazes de gerar votos”, afirma Marco Antônio Carvalho Teixeira, da FGV-SP. s É por isso que as operações da Polícia Federal (PF) têm flagrado tanta gente empregada no serviço público cuidando de interesses privados – de empresas ou do padrinho político. Foi esse o papel, segundo a PF, de Maria da Penha Lino, presa no ano passado na Operação Sanguesssuga. De acordo com a investigação, Maria da Penha fazia lobby na Câmara dos Deputados em nome de uma empresa que vendia ambulâncias para prefeituras, a Planam. Em 2005, foi nomeada para o cargo de assessora especial do então ministro da Saúde, Saraiva Felipe (PMDB-MG). Sua indicação é atribuída à bancada do PMDB na Câmara. Segundo a polícia, no ministério Maria da Penha acelerava a liberação de receita para prefeituras que compravam ambulâncias da Planam, onde ela trabalhava antes. Os veículos, segundo as investigações, eram comprados a preços superfaturados – um negócio que movimentou R$ 110 milhões. Além da redução drástica no número de cargos preenchidos por indicação política, o economista Geoffrey Shepherd, consultor do Banco Mundial, sugere uma triagem, com a criação de um comitê para decidir quem pode e quem não deve ocupar cargo de confiança no governo. No Congresso, há um projeto do deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ) para criar regras para a contratação de comissionados e limitá-la. Os países desenvolvidos fazem isso há muito tempo. Nos Estados Unidos, os cargos à disposição dos políticos começaram a desaparecer em 1883, com o Civil Service Act, a primeira lei de profissionalização da administração pública americana. Até ali, os cargos no governo eram repartidos entre integrantes do partido vencedor. Segundo historiadores, grassava a corrupção. Várias reformas foram feitas para aperfeiçoar o sistema, a última em 1978, no governo de Jimmy Carter. Outros países desenvolvidos passaram por reformas semelhantes – há mais de um século (leia o quadro abaixo).
2) OBRIGAR A CUMPRIR O ORÇAMENTO. A barganha política com cargos no governo se repete no Orçamento da União. Pela legislação brasileira, cerca de 91% do Orçamento está engessado por gastos obrigatórios em saúde e em educação, na folha de pagamentos dos servidores e na Previdência Social. A disputa, portanto, está concentrada nos 9% restantes, cerca de R$ 135 bilhões neste ano. O uso dessa receita fica a critério do governo. É aí que começa a confusão. Deputados e senadores podem pedir, cada um, a liberação de até R$ 6 milhões por ano para projetos de seu interesse. Esse pedido de dinheiro é conhecido pelo nome de emenda orçamentária. O poder das emendas faz com que parlamentares sejam procurados por empresários e lobistas interessados na liberação de dinheiro. “Esses parlamentares se transformam em verdadeiros corretores de empresários dentro do Orçamento”, diz Fernando Abrucio, cientista político da FGV e colunista de ÉPOCA. Na Operação Navalha, a PF descobriu que a empreiteira Gautama, da Bahia, recebeu cerca de R$ 115 milhões do Orçamento nos últimos nove anos, mas não entregava o serviço. Diversas obras ficaram inacabadas (leia alguns exemplos à pág. 40). O parlamentar pede, mas o governo não é obrigado a atendê-lo. Por isso, o Executivo usa a liberação desse dinheiro como moeda de troca para conseguir apoio no Congresso. “O Brasil tem um presidencialismo absolutista”, afirma o filósofo Roberto Romano, professor de Ética da Universidade de Campinas (Unicamp). O absolutismo é um fenômeno político que se espalhou pela Europa a partir do século XVI e começou a ruir no século XVIII. No sistema absolutista, o rei governava sozinho, com poder total sobre o Estado. De acordo com Romano, com a chave do cofre, o Executivo brasileiro também coloca o Legislativo a seus pés. “Um deputado não se reelege se não tiver verbas para sua base eleitoral. Para atingir esse objetivo, ele esquece partido, ideologia e adere ao governo.” IstoÉ Online, Por Leandro Loyola, Murilo Ramos e Marcela Buscato. Charge Fernandes.

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