União joga a culpa do caos sobre os Estados
Brasília - Depois de idas e vindas, o governo federal finalmente confirmou ontem a liberação de R$ 2 bilhões a mais para o Ministério da Saúde usar no reajuste das tabelas do SUS em 2007. Mas os dois ministros que anunciaram a medida aproveitaram para culpar os Estados pela crise que afetou principalmente o Nordeste, com paralisações de profissionais, e vitimou ontem, no Espírito Santo, mais uma pessoa por falta de atendimento - uma mulher de 27 anos, grávida de 5 meses. Os ministros da Saúde, José Temporão, e da Fazenda, Guido Mantega, distribuíram uma lista na qual acusam 19 governos estaduais de não cumprirem o piso constitucional de aplicação de recursos na saúde. Pela Constituição, os Estados devem aplicar 12% das suas receitas tributárias em ações e programas de saúde pública. Nos relatórios que encaminham ao Tesouro Nacional, a maioria dos Estados declara estar cumprindo esse piso, mas o Ministério da Saúde refez os cálculos, expurgando despesas que não são típicas de saúde, e descobriu que faltam R$ 5,7 bilhões para chegar ao mínimo."Se os Estados cumprissem a Emenda Constitucional nº 29, a situação da saúde seria menos dramática", desabafou Mantega. É essa emenda que estabelece que União, Estados e Municípios devem destinar uma quantia determinada de seu orçamento para gastos em Saúde. De acordo com o levantamento do Ministério da Saúde, o Estado em pior situação é o Rio Grande do Sul, que teria aplicado em saúde apenas 4,99% de sua receita em 2005, seguido por Minas, com um índice revisado de 6,87%. São Paulo também aparece na lista, mas por muito pouco: 11,69%. Segundo Temporão, uma das medidas que o governo estuda adotar no âmbito do que chama de PAC da saúde é regulamentar a definição das despesas que os Estados podem contabilizar dentro do piso. "A medida mais drástica é chamar os Estados e municípios a sua responsabilidade", ameaçou. Frente Parlamentar da Saúde não nega que haja má gestão dos recursos do SUS e que alguns Estados se aproveitam da falta de regulamentação da emenda 29 para fazer investimentos que não podem ser considerados "ações de saúde". Mas a União, disse ontem o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), que preside a frente parlamentar, também não pode negar que "a tabela do SUS foi reajustada em 37% do Plano Real até outubro do ano passado, enquanto o IGP-M (índice de inflação que melhor capta os custos de saúde) acumulado no mesmo período foi de 418%". Os dados, segundo o deputado, são do Centro de Estudos e Pesquisa Econômica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).O presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) e secretário da Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, o colapso do atendimento nos Estados do Nordeste é só um exemplo do problema causado pelo repasse de valores defasados. Terra afirma que, enquanto os investimentos em saúde de Estados e municípios cresceram nos últimos anos, o governo federal diminui seu investimento proporcional. "Na década de 80 o governo era responsável por 70% dos recursos em saúde, em 2000 colocava 57%, hoje, 48%", diz. Um dos gargalos do SUS, afirma o presidente do Conass, é a má remuneração dos procedimentos de média complexidade. "Em um parto normal, por exemplo, um médico ganha cerca de R$ 30.""Houve um aumento significativo nos recursos destinados à saúde. Mas ainda está longe do suficiente", afirma o presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Consems), Elvécio Miranda, de Belo Horizonte.Entre 2000 e 2005, o gasto público total com saúde cresceu 110%. O gasto anual por pessoa passou de US$ 110 para US$ 153. Mesmo assim, o investimento público em saúde é 10 a 15 vezes menor que o do Canadá e o da Austrália, por exemplo. Emergencialmente, a equipe econômica aceitou antecipar o desembolso de R$ 2 bilhões que, segundo Mantega, estava programado para o final do ano. Na semana passada, quando Temporão anunciou a liberação da verba, o ministro da Fazenda chegou a negar. Ontem, argumentou que a decisão ainda não estava fechada naquele momento."Estamos apenas antecipando os recursos para cumprimento da emenda constitucional", disse o ministro, referindo-se à regra que também vale para a União. Mas, enquanto Estados e municípios têm de aplicar 12% e 15% da receita, respectivamente, o piso de gasto da União não está vinculado às suas receitas, mas ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). A regulamentação da emenda 29, que aguarda votação no Plenário da Câmara, sugere nova fórmula de vinculação para os gastos da União: ela teria de reservar 10% das receitas correntes.Temporão afirmou ainda que, até a próxima semana, já deve apresentar uma proposta preliminar do PAC da saúde para a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, mas não quis antecipar detalhes. Apenas adiantouu que deve incluir no pacote a proposta de obrigar os planos de saúde suplementar a ressarcirem o SUS quando seus conveniados usarem hospitais públicos. Sérgio Gobetti, Lígia Formenti e Emilio Santanna, Estadão.
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