Crise não vai afetar a política industrial, diz Miguel Jorge
Está difícil fechar as contas da nova política industrial e tecnológica do governo, que deverá ser anunciada até o início de abril. De um lado, a maior parte dos setores potencialmente beneficiados pede redução da carga tributária para ganhar mais competitividade. De outro, o governo tem de acomodar as demandas num orçamento apertado, cujo desempenho ficou ainda mais incerto com o agravamento da crise internacional. Se a economia brasileira desacelerar, as receitas ficarão menores do que o estimado e haverá menos espaço para novas "bondades" na forma de desoneração tributária. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, porém, nega ser essa a equação. Na quarta-feira, ele assegurou ao Estado que a política não ficará maior ou menor em função da crise. No entanto, é evidente sua torcida para que a arrecadação federal repita, nos próximos meses, o desempenho surpreendente de janeiro, quando registrou um crescimento real de 20% na comparação com janeiro de 2007, mesmo sem a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF). O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, classificou o resultado de janeiro como "atípico". Miguel Jorge disse que Rachid terá de usar o termo "atípico" em outros meses. Os personagens mudam, mas a história é a mesma: o Ministério do Desenvolvimento pressiona por medidas de corte tributário, e a Receita resiste. "A Receita está criando as dificuldades que ela tem de criar", comentou o ministro. Na quarta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, dedicou parte do dia a conversas com Miguel Jorge e com o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, que chegou ao governo com a incumbência de implantar uma nova política industrial. "Temos uma lista de medidas de estímulo à formação de capital, à inovação e à competitividade que ajudam a exportar, e esse conjunto de medidas de estímulo levam a mudanças tributárias que precisam ser calculadas pela Receita Federal, para estarem compatíveis com o programa fiscal", disse Coutinho. "Temos ainda um trabalho de fazer as contas." Se a equipe econômica for ousada, há medidas de desoneração que podem ser adotadas sem provocar perda de arrecadação. São os benefícios a setores e atividades que hoje não têm peso na economia brasileira, mas cujo desenvolvimento interessa ao governo. Um exemplo são os semicondutores. A proposta da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) é que o setor seja isentado de impostos e contribuições, tal como ocorre nos países tecnologicamente mais avançados. Esse benefício não teria impacto negativo sobre as receitas, pois praticamente não se produzem semicondutores no Brasil. Outro setor que reivindica benefício semelhante é o de exportação de serviços de Tecnologia da Informação (TI). A Índia é o maior prestador de serviços de TI no mundo, e fatura perto de US$ 30 bilhões ao ano processando dados de empresas que estão do outro lado do globo. O Brasil, por sua vez, exportou perto de US$ 800 milhões em serviços de TI no ano passado. O empresário Marco Stefanini, presidente da Stefanini IT Solutions, acha que o Brasil deveria seguir o caminho da Índia. Porém, as empresas indianas que exportam TI não pagam impostos federais, estaduais ou municipais e lá a tributação sobre a folha salarial equivale a um terço da brasileira. Ou seja, além da desoneração tributária seria necessário criar um regime diferente de contratação de pessoal para o setor. Também nesse caso, a desoneração praticamente não traria perda de arrecadação. Existe, na área técnica do Ministério do Desenvolvimento, uma proposta que pretende desonerar a folha de todos os setores intensivos em mão-de-obra, como é o caso das empresas de TI. Porém, a avaliação no governo é que ela não será desengavetada, pois seria inconstitucional desonerar a folha apenas de alguns setores. Stefanini integrou um grupo de empresários que esteve recentemente com Mantega e Rachid. Na conversa, o empresário ouviu apenas que o governo pretende desonerar a folha salarial em 14%, conforme consta da proposta de reforma tributária enviada recentemente ao Congresso Nacional. Os semicondutores, por sua vez, são os principais responsáveis pelo déficit de US$ 20 bilhões que o setor de eletroeletrônicos estima registrar este ano em sua balança comercial. Por isso, o presidente da Abinee, Humberto Barbato, considera importante outra linha de ação da política industrial: a de atração de empresas para o País. Miguel Jorge já informou que haverá um esforço para trazer para o Brasil produtores de bens hoje importados que pesam na balança comercial. Além dos semicondutores, estão na mira os medicamentos.
Lu Aiko Otta, BRASÍLIA. 2403.
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