Um movimento da oposição, que insistiu ontem no afastamento de José Sarney (PMDB-AP) da presidência do Senado, incendiou o plenário e transformou a quinta-feira no pior dia da crise política da Casa. O agravamento da crise aconteceu após um dia de negociação entre setores da oposição e do PT para tentar enterrar a denúncia do PMDB contra o líder tucano, Arthur Virgílio (AM) - em troca, a oposição garantiria a permanência de Sarney no posto.
ontem, o Senado lembrou os tempos de paralisia que tomaram conta da Casa entre 2000 e 2001, na crise decorrente do confronto entre Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães - que terminou com os dois renunciando aos cargos para evitar a cassação dos respectivos mandatos.
Irritado com a insistência da oposição em pedir o afastamento de Sarney, o líder do PMDB, Renan Calheiros (PMDB-AL), transformou a leitura da representação contra Virgílio em um discurso recheado de provocações e ameaças à oposição, dirigidas principalmente à bancada tucana. No fim do discurso aconteceu o bate-boca.
Quando o senador Tasso Jereissati (PMDB-CE) pediu a Sarney que retirasse da tribuna de convidados um homem que provocava os tucanos e apoiava as ironias de Renan, o senador alagoano criticou "a expulsão do cidadão que participa de uma sessão histórica". Apontou então o dedo para Tasso e disse que a crise ocorre porque há "uma minoria (oposição) com complexo de maioria".
O dedo em riste de Renan e a frase foram o estopim. "Não aponte esse dedo sujo pra cima de mim. Estou cansado de suas ameaças", atacou Tasso. Renan retrucou: "São os dedos dos jatinhos que o Senado pagou."
Em abril, reportagem do jornal Folha de S. Paulo revelou que entre 2005 e 2007 Tasso gastou R$ 335 mil com o fretamento de jatinhos pago com recursos da cota de passagens do Senado - as despesas foram registradas depois, mas sem seu nome. Outros senadores admitiram que também utilizaram parte da verba oficial de passagens aéreas para fretar jatinhos.
O início do bate-boca descambou para agressões e uso de palavras de baixo calão. Renan qualificou Tasso de "coronel", Tasso classificou Renan de "cangaceiro de terceira categoria" e, fora do microfone, o senador alagoano chamou o colega cearense de "seu merda". (veja íntegra nesta página).
Renan deixou para fazer a leitura da representação contra Virgílio um dia após o discurso em que Sarney se defendeu das 11 denúncias e do arquivamento de quatro delas no Conselho de Ética. O líder do PMDB deixou claro que agia em represália e outros opositores de Sarney receberão igual tratamento. "Posturas partidarizadas impõem reciprocidade de comportamento", alegou.
O peemedebista fez ironias lendo notas da imprensa que zombavam do senador amazonense por ele ter autorizado um servidor de seu gabinete a receber salário e horas extras, mesmo morando em Barcelona, para estudar teatro. "O valente parlamentar (Virgílio) reduz o grave estrago ético a um erro pelo qual merece ser criticado. E não é parlapatice! O representado deve deixar o cargo, consequência iniludível de seus desvios", afirmou Renan, referindo-se ao fato de Virgílio admitir o erro, declarar-se "réu confesso" e ter começado a quitar a dívida de mais de R$ 200 mil com o Senado - já pagou a primeira prestação do débito, no valor de R$ 60 mil.
As ironias de Renan provocaram revolta nos senadores Cristovam Buarque (PDT-DF), José Agripino Maia (DEM-RN), Sérgio Guerra (PSDB-PE) e Demóstenes Torres (DEM-GO). Para Cristovam, "a tropa de choque tomou de assalto a presidência". Ele responsabilizou Sarney pelo clima - que se disse um "democrata paciente e tolerante".
CRISE NO LEGISLATIVO
Fogo Cruzado
Veja a íntegra do bate-boca travado na tarde de ontem, no plenário do Senado, por Tasso e Renan
Tasso Jereissati (PSDB-CE):
"Eu pediria, senhor presidente, duas coisas. Primeiro, que fosse dado ao senador Artur Virgílio o mesmo tempo que foi dado ao senador Renan em função das graves colocações, graves e agressivas colocações que foram ditas. Outra coisa, senhor presidente: existem manifestações aqui nessa tribuna de honra, eu pediria que retirassem esse senhor aqui que está fazendo constantes manifestações, porque não está de acordo com o regimento."
Renan Calheiros (PMDB-AL):
"A respeito da manifestação do senador Tasso Jereissati, essas crises acontecem por isso, porque é a minoria com complexo de maioria. Quer expulsar agora um cidadão que está aqui participando de uma sessão que infelizmente é uma sessão histórica do Senado Federal."
Tasso:
"Que me desculpe, senador Renan. Senador Renan, não aponte esse dedo sujo pra cima de mim. Não aponte esse dedo sujo pra cima de mim! Estou cansado de suas ameaças."
Renan:
"Esse dedo sujo, infelizmente, é o de Vossa Excelência! São os dedos dos jatinhos que o Senado pagou."
Tasso:
"Pelo menos era com meu dinheiro. O jato é meu, não é dos seus empreiteiros.
Renan:
"O dinheiro é seu?"
Tasso:
"É meu, é meu, é meu, é meu! Eu tenho pra falar, tá?
Renan (Fora do microfone):
Coronel...
Tasso:
Eu, coronel? Cangaceiro, cangaceiro de terceira categoria..."
Renan:
"O senhor é coronel!"
(Renan baixa o microfone e diz: "Seu merda", segundo relato dos senadores próximos)
Tasso:
"Repete o que você disse. Decoro parlamentar, repete o que você disse!"
Renan:
"Não é coronel?"
Tasso:
"Repita o que você disse aí!"
Renan:
"Me respeite."
Tasso:
"Repita o que você disse aí!"
Renan:
"Você é minoria com complexo de maioria."
Tasso:
"Repita o que você disse aí!"
Renan:
"Você é minoria com complexo de maioria. Me respeite!"
Tasso:
"Presidente, o senador Renan Calheiros acabou de quebrar o decoro parlamentar, me dirigindo com palavras de baixo calão. Eu peço que seja feita uma representação sobre isso."
Renan:
"Presidência, eu peço desculpas e peço para Vossa Excelência retirar da sessão de hoje que minoria com complexo de maioria é falta de decoro parlamentar."
(Apito incessante, TV Senado sai do ar)
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