Abatido, presidente assume responsabilidade por derrota democrata e pede conciliação
Solitário, semblante abatido, olhar cabisbaixo, a voz mansa e deferente.
Foi desta forma que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, apareceu na Casa Branca, diante da imprensa, no dia seguinte à arrasadora derrota que lhe foi imposta pelo Partido Republicano nas eleições legislativas da metade de seu mandato.
A oposição castigou sem perdão o governo nas urnas: assumiu o controle da Câmara de Representantes ao arrebatar pelo menos 61 cadeiras de posse democrata. A nova composição alterou o equilíbrio de forças políticas no Congresso.
No placar final: republicanos 239 x 185 democratas (contra 178 x 255, antes do pleito de anteontem). É a maior conquista de um partido na Câmara desde 1948, quando os democratas abocanharam 75 vagas de uma só vez na reeleição do presidente Harry Truman.
Diferentemente do tom altivo, inflamado e entusiasta característico de sua eleição à Casa Branca, há dois anos, Obama acusou o golpe com lacônico desalento. O Obama de 2008, eleito com ampla maioria parlamentar e elevado índice de popularidade, esbanjava autoconfiança e otimismo. O Obama de ontem, abatido nas urnas, surpreendeu por uma desconcertante sinceridade: — Foi uma longa noite para mim.
Posso dizer que algumas noites de eleição são mais divertidas que outras.
Algumas são estimulantes, outras são humilhantes.
Contrito, Obama definiu o resultado como “uma surra” e disse que as soluções pedidas pelos americanos são difíceis de ser encontradas. Apesar de ter perdido seis cadeiras no Senado, o governo conseguiu salvar uma escassa maioria parlamentar — 52 a 46, com uma cadeira independente e apuração incompleta em uma outra — e manter seu líder, Harry Reid. As dificuldades, no entanto, só aumentaram: antes do pleito, mesmo com uma vantagem maior, a Casa Branca já enfrentava resistências para emplacar sua agenda política.
Os costumeiros ataques verbais do presidente aos adversários republicanos foram ontem substituídos por uma inabitual postura conciliatória com a oposição.
— Nenhum partido sozinho será capaz de impor o rumo a tomar a partir desse momento. Por isso, devemos encontrar um consenso.
Estou ansioso por me sentar com membros dos dois partidos para planejar como podemos avançar juntos — afirmou.
Obama estendeu à mão aos republicanos, e disse que, se a nova maioria na Câmara apresentar “boas soluções” para a criação de empregos no país, estará disposto a considerá-las.
— Não será nada fácil, mas poderemos construir pontes. É a razão de termos dois partidos — notou, sem deixar de sublinhar a existência de discordâncias entre as duas siglas.
Republicanos: hora de mudar a agenda
O presidente contou ter telefonado para os republicanos John Boehner — que deverá ser confirmado como o novo presidente da Câmara — e Mitch McConnell — líder da oposição no Senado —, e disse esperar “encontrar pontos em comum, para fazer o país avançar e alcançar conquistas para os americanos”.
O severo veredicto das urnas foi atribuído por ele às dificuldades econômicas e ao lento e tímido crescimento do país: — Nos últimos meses, viajei pelo país. A eleição confirmou o que eu ouvi: as pessoas estão frustradas com o ritmo da recuperação.
Obama acenou com novas possibilidades de diálogo com empresários e admitiu, ainda, ter aprendido lições nestes dois anos.
— Fizemos progressos, mas nem todo mundo sentiu. Eu assumo a responsabilidade por isso — disse, para depois acrescentar: — Tenho refletido muito. Acho que há áreas na política em que teremos que fazer um trabalho melhor.
Com a imagem debilitada em casa, ele inicia amanhã uma viagem à Ásia. Analistas acreditam que agora o presidente vai enfrentar uma pressão maior para adotar uma política externa mais agressiva.
O sóbrio ambiente na Casa Branca contrastou com o festivo clima dos vencedores. Ovacionado no discurso de vitória na véspera, John Boehner embargou a voz e marejou os olhos ao citar sua busca pelo “sonho americano”. Antes, seu primeiro agradecimento foi simbolicamente dirigido ao movimento ultraconservador Tea Party.
— Eu nunca vou deixá-los na mão — prometeu.
Com as cartas na mão, os republicanos poderão controlar o grau desejável de negociação com a Casa Branca. Entre suas prioridades estão uma drástica redução dos gastos públicos, a continuidade dos cortes de impostos aplicados durante o governo de George W. Bush e a rejeição da reforma da saúde, definida por Boehner como “uma monstruosidade”.
O novo cenário político deixa o governo na dependência da oposição para a aprovação de novos pacotes de estímulo à economia. Ontem, Obama sinalizou que espera contar com os republicanos para continuar com suas políticas de energia limpa e de controle de emissões de gás carbono.
Mas os interesses dos republicanos parecem diferir: — Desde muito tempo, Washington tem feito o que é melhor para Washington, e não para o povo americano.
Foi uma autorização para que continuemos nossa luta por um governo menor, com menos gastos. Esta noite, isso começa a mudar — disse Boehner, relembrando o Obama de 2008 clamando por mudança.
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