Asilado há 9 meses na embaixada brasileira
Por Fabio Murakawa
| De São Paulo
Refugiado há nove meses na Embaixada do Brasil em La Paz, o senador oposicionista boliviano Roger Pinto tornou-se um fardo para a diplomacia brasileira. De um lado, o Brasil não consegue resolver o problema com a Bolívia, mas, ao mesmo tempo, não quer causar constrangimento ao governo de Evo Morales. De outro, o embaixador brasileiro, Marcel Biato, que, prestes a trocar de posto, tornou-se refém da situação.
Roger Pinto chegou à embaixada de surpresa em 28 de maio de 2012 e entregou um pedido de asilo e uma carta à presidente Dilma Rousseff.
Alvo de 22 processos criminais, com acusações que vão de corrupção a homicídio e desacato, ele se diz vítima de perseguição política.
As acusações se intensificaram depois que ele denunciou o envolvimento de autoridades bolivianas com o narcotráfico.
Dilma concedeu-lhe o asilo no início junho, mas a Bolívia vem negando o salvo-conduto para que o senador possa deixar a embaixada sem ser preso. Criou-se um impasse, que permanece sem solução até hoje.
Fontes do governo brasileiro, ouvidas pelo Valor sob a condição de anonimato, queixam-se da falta de uma postura mais dura de Brasil com o governo boliviano. Citam "atitudes de fundo ideológico" em Brasília e um certo desinteresse do governo boliviano em buscar uma solução para o caso. E afirmam que Dilma e Morales não tocam no assunto mesmo quando se encontram em fóruns internacionais.
"O Brasil atua com a Bolívia com toda a normalidade, como se a presença do senador na embaixada fosse normal. Conduz as relações, com visitas ministeriais inclusive, sem tocar no tema", diz um graduado diplomata brasileiro. "Essa atitude, que de nossa parte tem fundo ideológico, os bolivianos entendem pelo que verdadeiramente é e ficam sem estímulo para resolver o caso. Daí a nossa esperança de que o senador desista do asilo. Essa esperança existe, por mais estranha que possa ser."
Essa indefinição pode deixar o embaixador do Brasil na Bolívia, Marcel Biato, em situação difícil. Neste ano, ele completa três anos no cargo e já está em tratativas para conseguir um novo posto. Mas, caso o hóspede indesejado continue na embaixada, Biato pode ser forçado a permanecer na Bolívia.
"Ele [o embaixador] sabe dessa realidade, já comentada no Itamaraty. Foi instruído a ignorar o caso, não dar declarações à imprensa e a encaminhar a agenda na completa normalidade", disse uma fonte.
Na avaliação de três pessoas ouvidas pelo Valor, o Brasil dificilmente nomeará um novo embaixador para a Bolívia tendo ainda a situação do senador indefinida. Algo que o porta-voz do Itamaraty, Tovar Nunes, confirma. "Enquanto não se resolve o problema, a tendência é não fazermos a troca do embaixador", afirmou.
As fontes apontam três cenários possíveis.
Caso Biato parta para outro posto, teria de ficar à frente da embaixada um encarregado de negócios, o que significaria um rebaixamento das relações bilaterais, algo que boa parte do governo brasileiro, afinada com Evo Morales, quer evitar.
Caso o governo indique outro embaixador, como se tudo estivesse normal, essa nomeação poderia enfrentar dificuldades de aprovação na Comissão de Relações Exteriores do Senado. Teme-se que a oposição questione o embaixador indicado, e o caso do senador Roger Pinto ganhe destaque, gerando constrangimento com a Bolívia.
O terceiro cenário, tido como o mais provável, é manter o embaixador em La Paz até que se encontre uma solução.
"Assim, para evitar ter à frente da embaixada, por tempo indefinido, um encarregado de negócios, sinalização que em termos diplomáticos é forte, o embaixador teria que ir ficando em La Paz, também por tempo indefinido", disse uma fonte de Brasília. "Ele e o senador Pinto são prisioneiros, cada um a seu modo, dessa situação."
Sem referir-se especificamente à situação de Biato, o porta-voz Nunes afirma que, a partir do terceiro ano no cargo, os embaixadores podem aspirar um outro posto. Mas sua permanência no local onde se encontra pode durar até cinco anos. Nunes afirma ser difícil fazer uma troca de embaixadores na situação atual. O Itamaraty descarta é deixar um encarregado de negócios em La Paz. "O cargo de embaixador na Bolívia é um posto muito importante para ficar vago", disse.
Segundo Nunes, o Itamaraty e a chancelaria boliviana continuam discutindo uma solução para o impasse. "Surgiram algumas alternativas [nas negociações], que não foram conclusivas. Estamos procurando uma fórmula que faça com que o lado boliviano se sinta à vontade para permitir a saída do senador do país."
Nunes, para quem o período que o senador está na embaixada é "muito longo", afirmou acreditar que um desfecho para o caso está perto, mas não soube dizer quando. Disse ainda que nada, nas relações bilaterais, foi afetado pelo caso do senador. "A cooperação do lado boliviano é muito boa conosco em vários temas, como o Mercosul, os carros roubados [que estão sendo devolvidos ao Brasil], a Unasul", disse. "O registro que se tem é que as coisas seguem muito bem."
A postura do governo brasileiro é criticada até mesmo a base aliada da presidente Dilma Rousseff no Congresso. A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) esteve na Bolívia há duas semanas e, em encontro com parlamentares locais, afirmou que "a recusa do governo boliviano em conceder salvo-conduto ao senador Pinto já está se convertendo em problema humanitário, além de contaminar as relações bilaterais em todos os seus aspectos".
A deputada, que preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, diz que o governo brasileiro "tem que dar um basta nessa situação". "Passou da hora de o Brasil encontrar uma solução para esse problema. Chega a ser desmoralizante para o Brasil ter um senador há oito meses em sua embaixada", afirma. Segundo ela, "o governo brasileiro tem de exigir do governo Evo Morales um salvo-conduto para retirar o senador do país".
"Eu sou, inclusive, de um partido que apoiou a eleição do presidente Evo Morales. Mas penso que, se o senador Pinto completar um ano na embaixada, vai ficar muito ruim para o Brasil."
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