Mais longe da cadeia
Dois ministros dizem que recursos podem mudar resultado do mensalão, absolver réus e reduzir penas de prisão
Carolina Brígido
BRASÍLIA
Dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) divergiram ontem do presidente Joaquim Barbosa e afirmaram que os recursos apresentados pelos 25 condenados no processo do mensalão podem, em tese, mudar o resultado do julgamento, realizado no fim de 2012.
Se isso acontecer, alguns réus podem ser absolvidos por crimes como lavagem de dinheiro e formação de quadrilha - o que diminuiria a pena total e os livraria da prisão em regime fechado.
O vice-presidente do STF, Ricardo Lewandowski, revisor do mensalão, e o ministro Gilmar Mendes reconheceram que condenados em ações penais no STF podem ser absolvidos quando os recursos chamados de embargos declaratórios são julgados. Semana passada, Joaquim Barbosa dissera que, na opinião dele, esse tipo de embargo apresentado pelos réus não tem poder para mudar condenação.
- É possível embargo (declaratório) com efeito infringente. Se a contradição, omissão ou obscuridade for tamanha que não se possa aproveitar os votos vencedores, em tese, pode se caminhar para uma absolvição. Nós estamos ainda num experimentalismo nessa ação penal 470, que é um processo novo sob todos os aspectos. Então, o Supremo está aprendendo e resolvendo as questões à medida que elas estão surgindo - disse Lewandowski.
Tribunal pode aceitar embargos
Gilmar Mendes esclareceu que é raro, mas o tribunal pode aceitar embargos de declaração com efeitos infringentes - ou seja, com potencial para reverter condenação. Segunda-feira, Barbosa enviou ao Ministério Público embargos desse tipo apresentados pelos réus e, quando tiver o parecer em mãos, vai elaborar um voto sobre o cabimento ou não do recurso.
- Pelo que vocês mesmo divulgaram, todos os embargos de declaração (apresentados pelos réus do mensalão) têm efeitos infringentes. Tanto que (o relator) mandou para o procurador-geral. Isso quer dizer alguma coisa. O tribunal admite que pode ter, por isso manda ouvir a parte contrária. É raro, mas admite - disse Gilmar à imprensa.
Sabedores de que o tema divide os ministros do STF, boa parte dos 25 condenados no processo do mensalão quer antecipar a discussão de mérito do julgamento e rever a decisão do Supremo já na análise dos embargos declaratórios. Esse tipo de recurso, em tese, serviria apenas para esclarecer pontos obscuros do julgamento, sem o poder de alterar a condenação. Mas os réus foram além. Pediram que esses embargos tenham também o chamado efeito infringente da condenação - ou seja, possam mudar o resultado para reduzir a pena ou até mesmo levar a uma absolvição.
A possibilidade de absolvição dos condenados pode ser verificada no caso da lavagem de dinheiro à qual o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) e outros réus foram condenados.
Votaram pela condenação seis ministros: Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto.
Cinco absolveram: Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber. Ayres Britto e Peluso se aposentaram. No lugar de Peluso, está Teori Zavascki. O substituto de Britto não foi nomeado.
Com a dança das cadeiras, há chance de placar diferente. Se João Paulo for absolvido por lavagem, sua pena cai de 9 anos e 4 meses para 6 anos e 4 meses, e ele passa do regime fechado para o semiaberto. Outro exemplo é a condenação de José Dirceu por formação de quadrilha. Seis ministros o condenaram: Barbosa, Fux, Gilmar, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ayres Britto. Quatro ministros absolveram: Lewandowski, Rosa, Toffoli e Cármen. Ayres Britto se aposentou, e seu substituto pode votar pela absolvição. Se isso acontecer, a votação empata - o que, em ações penais, força o tribunal a favorecer o réu. Se for absolvido da formação de quadrilha, a pena de Dirceu cai de 10 anos e 10 meses para 7 anos e 11 meses e ele também passa da prisão em regime fechado para o semiaberto.
O assunto não é consenso no Supremo. Sabe-se que no julgamento dos embargos declaratórios, com ou sem efeito modificador da decisão, o relator continuará sendo Joaquim Barbosa. Mas há outro cenário: julgados os primeiros recursos, haveria a possibilidade de os condenados apresentarem um segundo, dessa vez os embargos infringentes propriamente ditos.
Ainda não está reconhecido pelo plenário do STF se essa segunda modalidade de apelação existe na Corte. O embargo infringente não foi previsto nos julgamentos realizados no STF segundo a Lei 8.038, de 1990. Mas o Regimento Interno do STF, escrito antes disso, diz que esses recursos podem ser apresentados quando réus obtêm 4 dos 11 votos pela absolvição. Os ministros terão de decidir o que vale: a Lei de 1990 ou o Regimento Interno.
Doze réus acusados no mensalão estão na situação de poder recorrer aos embargos infringentes: João Paulo Cunha, João Cláudio Genú e Breno Fischberg, que receberam quatro votos pela absolvição ao serem condenados por lavagem de dinheiro; e José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Simone Vasconcelos, Kátia Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e José Salgado, que obtiveram quatro votos a favor na condenação por formação de quadrilha.
- É um recurso bastante amplo. Mais amplo que os embargos declaratórios. No caso dos embargos infringentes, pode-se revolver tudo o que foi discutido no julgamento, mas no que tange especificamente à divergência manifestada pelos quatro juízes - disse Lewandowski. - O embargo infringente pode modificar o julgamento, em tese.
Há a tendência de que o STF aceite julgar os embargos infringentes. O STF nunca recebeu esse tipo de recurso em ação penal. Se os recursos forem aceitos, serão sorteados para outro relator, excluídos Barbosa e Lewandowski. O prazo para apresentar embargos infringentes é de 15 dias após a publicação do acórdão do julgamento dos embargos declaratórios.
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