Crivella usa cargo de ministro da Pesca para atrair líderes sindicais e fatura com Cimento Social
Alessandra Duarte
Multiplicação de aliados
Ministro da Pesca há um ano, Marcelo Crivella (PRB) está unindo o pescado à política.
Depois que assumiu o cargo, dirigentes de entidades sindicais de pescadores passaram a integrar seu partido. No último dia 20, o presidente da Confederação Nacional dos Pescadores e Aquicultores (CNPA) - órgão que este ano, por parceria com o ministério, passou a acompanhar o cadastramento dos pescadores em todo o país, primeiro passo para o recebimento do benefício do seguro-defeso, o chamado Bolsa Pesca - virou também presidente do PRB do Rio Grande do Norte.
A vida de ministro também se cruza com a de político quando Crivella vem ao Rio entregar casas do seu projeto Cimento Social, de habitação popular.
Numa delas, em março, em Teresópolis, a entrega foi no mesmo dia de ato da pasta na cidade serrana. Além disso, o militante do PRB que coordena o Cimento Social já acompanhou Crivella em eventos do setor pesqueiro.
Enquanto isso, irregularidades no Bolsa Pesca - pago a pescadores artesanais na época de procriação de algumas espécies, quando não podem pescar, e que só em 2012 teve orçamento previsto de R$ 1,6 bilhão - continuam a ser investigadas. Só no Pará, o estado que mais recebe recursos do Bolsa Pesca (quase R$ 1 bilhão até agora), o Ministério Público Federal instaurou 25 ações judiciais e 86 investigações desde 2012, ano em que Crivella assumiu como ministro.
Na gestão de Crivella no ministério, a medida tomada pela pasta para melhorar o controle do registro dos pescadores, essencial para saber se há falsos pescadores recebendo o seguro-defeso, foi distribuir este ano um novo modelo para as carteiras da categoria; até agora, 0,01% das novas carteiras foi distribuída. Além disso, a pasta determinou que quem deve acompanhar esses registros em todo o país é a CNPA - entidade cujo presidente, Abraão Lincoln, foi empossado no dia 20 de abril presidente do diretório do Rio Grande do Norte do PRB, num evento com a participação do ministro.
"Lincoln tem agora a responsabilidade de levar o PRB a figurar entre os maiores partidos do Rio Grande do Norte, com os pés no chão e com responsabilidade", discursou Crivella no evento, segundo o site do PRB.
No fim de 2012, o presidente da Federação de Pescadores de Rondônia, Hélio Braga, filiou-se ao PRB. E nos próximos dias deve também se filiar à sigla a presidente da Federação de Pesca de Alagoas, segundo o presidente do PRB, Marcos Pereira. Em janeiro, Crivella entregou a pescadores em Alagoas casas do Programa Nacional de Habitação Rural da Caixa.
No Estado do Rio, o ministro participou em dia útil da entrega de casas do Cimento Social - em 2008, a Justiça Eleitoral chegou a embargar obras do projeto no Morro da Providência, acusando Crivella de usar o seu programa com finalidade eleitoral. Fotos de 1º de novembro de 2012 no Facebook de Marcos Luciano, que se identifica como coordenador do projeto, mostram-no ao lado de Crivella. Nelas, Luciano diz: "Estive com o ministro Crivella na prefeitura de Maricá participando de ato de assinatura de apoio e incentivo a pesca e aquicultura com a entrega de uma retroescavadeira".
Em 13 de novembro, Luciano, em nova foto, escreve sobre outro evento ligado à pesca do qual ele participou: "Visitei a Associação de Pescadores do Recreio dos Bandeirantes no Posto 12. Vamos lutar juntamente com o ministro Crivella."
Candidato a vereador nas últimas eleições, com apoio do ministro - propagandas identificavam-no como "Marcos Luciano do Crivella" -, Luciano foi missionário na África, com Crivella, além de ter participado de outro projeto social do hoje ministro, o Projeto Nordeste, na Fazenda Nova Canaã, na Bahia.
Luciano também esteve no Morro do Salgueiro, no Rio, quando o ministro entregou uma casa no último dia 14 de abril. Desde 2012, a prefeitura do Rio passou a investir em obras de casas em locais onde há o Cimento Social, como o Salgueiro.
- Ele (Crivella) veio aqui dar a chave de uma casa e disse que voltava para entregar as outras - conta Júlia Rodrigues, de 60 anos, cadastrada para receber uma das 23 casas do projeto no Salgueiro.
Antes, no dia 1º de março, uma sexta-feira, o ministro foi a Teresópolis, Região Serrana do Rio, entregar outra casa do Cimento Social; no mesmo dia, Crivella teve na cidade um ato como ministro, a apresentação do Plano Safra. Em abril e junho de 2012, numa segunda e numa quinta-feira, respectivamente, ele foi a Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, também entregar casas do projeto.
Já no setor do qual Crivella é ministro, uma das principais fragilidades, o acompanhamento do seguro-defeso, continua a ser investigada em inquéritos instaurados desde 2012. A pasta afirma que a responsabilidade pelo pagamento é do Ministério do Trabalho. No entanto, em boa parte dos casos, para que o seguro-defeso seja pago de forma indevida, precisa ser fraudado, primeiro, o Registro Geral da Pesca, que atesta que alguém é pescador artesanal, e que é concedido pela pasta da Pesca. Justamente devido à importância desse registro, foi para o Ministério da Pesca, e não para o do Trabalho, que o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou uma auditoria no começo do ano. O valor dos benefícios pagos já soma mais de R$ 3 bilhões.
investigações do mpf nos estados
Nos cinco estados que mais recebem recursos do seguro-defeso - Pará, Maranhão, Bahia, Amazonas e Piauí -, há inquéritos do MPF. No Piauí, que já recebeu R$ 178,9 milhões do seguro-defeso, o procurador da República Leonardo Carvalho Cavalcante de Oliveira investiga se o presidente de uma colônia estaria cadastrando falsos pescadores:
- É prática recorrente. A colônia prepara a documentação para a pessoa obter o registro de pescador e depois o seguro-defeso. Mas, na verdade, as pessoas são comerciantes, trabalhadores rurais.
No Amazonas, que já recebeu R$ 395,5 milhões do benefício, pelo menos 50 cidades teriam duas colônias - uma delas criada especificamente para fraudar o benefício, denuncia a procuradora do Trabalho no estado Fabíola Bessa Salmito Lima:
- Como a colônia é equivalente a um sindicato, haver duas colônias para a mesma classe fere a unicidade sindical. Fomos apurar e vimos que a segunda colônia tem esse propósito.
No estado com maior volume de recursos do Bolsa Pesca, o Pará, as operações Tétis e Proteu, do MPF e da PF, feitas no último dia 25 em conjunto com o Ministério do Trabalho, apontaram a existência de fraudes que podem ter desviado R$ 18 milhões desde 2010. Além de Belém, o esquema ocorreria nas cidades de Breves, Curralinho, Salvaterra e Soure. Nessas duas últimas, segundo o MPF, foram abertos, de 2011 até este ano, 23 inquéritos para apurar supostos desvios do Bolsa Pesca, com o objetivo de comprar votos, por vereador identificado nas denúncias como "Macedo". Agora, um dos alvos dos mandados de busca e apreensão das operações foi a residência do vereador Ademar Macedo (PR), presidente da Câmara de Soure.
Outra investigação da PF no estado, em Marabá, apura a existência de "pescadores-fantasmas". Procuradora da República, Maria Clara Barros Noleto diz que declarações de colônias sobre falsos pescadores são talvez a principal brecha:
- Na cidade de Ponta de Pedras, estamos apurando a suspeita de que praticamente a população inteira do município estaria cadastrada. Também já houve caso de troca de dinheiro do seguro por voto.
O envolvimento de políticos é investigado, ainda, no Maranhão, que já recebeu R$ 672,7 milhões do benefício. E a colônia de pescadores seria, novamente, chave para isso: políticos colocariam, em colônias, não pescadores que conseguem o registro para receber o seguro-defeso. Em troca, eles elegeriam diretorias de colônias que apoiam esses políticos, diz a procuradora do Trabalho Anya Gadelha.
Segundo acórdão do TCU deste ano, que determinou auditoria na Pesca, o número de inscritos no Registro Geral da Pesca foi de 85.018, em 2003, para mais de um milhão, em 2012, variação de 1.125%.
Nenhum comentário:
Postar um comentário