Corrupção envolve fiscais com cargo de confiança na gestão Kassab; um também foi nomeado diretor por Haddad
Germano Oliveira
-São Paulo- Quatro auditores fiscais da prefeitura de São Paulo na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) foram presos na manhã de ontem em uma operação montada pelo Ministério Público Estadual e a Controladoria Geral do Município (CGM), com ajuda da Polícia Civil de São Paulo, para desbaratar um esquema de corrupção que pode ter causado prejuízo de pelo menos R$ 200 milhões aos cofres públicos somente nos últimos três anos. Como a quadrilha agia desde 2007, os prejuízos podem subir para R$ 500 milhões, segundo os promotores do caso.
O chefe da quadrilha, segundo o MP, Rolilson Bezerra Rodrigues, ex-subsecretário da Receita de Kassab, foi nomeado em janeiro, já na gestão do prefeito Fernando Haddad, diretor financeiro da SPTrans, empresa municipal de transportes, cargo que deixou em junho.
A ação também bloqueou cerca de R$ 80 milhões em bens dos presos, entre eles, apartamentos, flats, prédios, barcos e automóveis de luxo, e até uma pousada em Visconde de Mauá, no Rio de Janeiro. Grande quantidade de dinheiro e joias foi apreendida, mas os promotores não souberam precisar os valores confiscados ontem.
— Trata-se de um dos maiores escândalos de São Paulo — disse o prefeito Fernando Haddad (PT), em entrevista coletiva ontem.
PRESOS FORAM EXONERADOS DE CARGOS
Na operação Necator (parasita que se instala no aparelho digestivo, provocando anemia no paciente), foram presos Rolilson, exonerado da Receita Municipal em 19/12/2012; Eduardo Horle Barcelos, ex-diretor do Departamento de Arrecadação e Cobrança (exonerado do cargo em 21/01/2013); Carlos Augusto Di Lallo Leite do Amaral, ex-diretor da Divisão de Cadastro de Imóveis (exonerado do cargo em 05/02/2013), e o agente de fiscalização Luís Alexandre Cardoso Magalhães. Além das prisões feitas ontem em São Paulo, foram cumpridos mandados de busca e apreensão nas residências dos servidores e de terceiros, assim como nas sedes das empresas ligadas ao esquema. Os quatro tiveram prisão temporária por 30 dias decretada.
Todos são investigados pelos crimes de corrupção, concussão, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa e formação de quadrilha. A operação ocorreu na capital paulista, em Santos e em Cataguases, Minas Gerais, onde os suspeitos têm imóveis bloqueados. Todos são funcionários públicos de carreira e continuavam trabalhando na prefeitura em outros cargos. Eles responderão a processo administrativo e deverão ser demitidos.
ISS CAÍA NA ÁREA DOS AUDITORES
Por meio de análise estatística efetuada pelo setor de inteligência, a Controladoria do Município constatou que nas obras sob a responsabilidade desses auditores fiscais a arrecadação do ISS era substancialmente menor que o percentual arrecadado pela média dos outros servidores que atuavam na mesma área. Uma grande empresa recolheu, a título de ISS, uma guia no valor de R$ 17,9 mil e, no dia seguinte, depositou R$ 630 mil na conta da empresa de titularidade de um dos auditores fiscais. O valor da propina corresponde a 35 vezes o montante que entrou nos cofres públicos. Se fosse obedecer à lei, ela teria que pagar R$ 1 milhão à prefeitura.
— Vamos chamar as construtoras e incorporadoras para ver o que elas têm a dizer sobre o pagamento das propinas aos quatro auditores fiscais. Preci-I samos saber se elas foram extorquidas ou se pagaram a propina apenas com o intuito de obter vantagens no processo. Precisamos saber se elas eram corruptas ou não tinham outra saída — disse o promotor Roberto Bodini, do Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartéis e Lavagem de Dinheiro e Recuperação de Ativos (Gedec).
A investigação aponta que os agentes públicos montaram um esquema de corrupção envolvendo o Imposto Sobre Serviços (ISS) cobrado de empreendedores imobiliários. Segundo a investigação, eles emitiam guias de pagamento do tributo com valores menores do que manda a lei (o imposto é calculado sobre o custo da obra do empreendimento imobiliário) e exigiam que altas quantias fossem depositadas em suas contas bancárias. O recolhimento do ISS é necessário para que o habite-se seja emitido pela prefeitura, e o empreendimento seja liberado para ocupação.
— Eles criavam dificuldades para vender facilidades — resumiu o controlador-geral do Município, Mário Spi-nelli, garantindo que toda a operação começou há sete meses, já na gestão Haddad, em razão de um cruzamento do enriquecimento dos funcionários com dados sobre os pagamentos das construtoras.
LÍDER DA QUADRILHA FOI INTIMADO ANTES
No entanto, o controlador na gestão Kassab, Edilson Bonfim, disse que a investigação sobre a quadrilha começou em dezembro, com uma denúncia anônima.
— Eu cheguei a intimar o Rolilson Rodrigues em novembro para que explicasse as denúncias de que estaria recebendo propinas para facilitar a obtenção do habite-se. Ele acabou pedindo exoneração do cargo em dezembro. Deixei o material para ser apurado na atual gestão, pois era final de ano, e eu não teria mais como concluir a investigação — disse Bonfim.
O atual controlador-geral, Mário Spinelli, contudo, garante que toda a investigação começou em sua gestão à frente da prefeitura. Em entrevista coletiva ontem, o prefeito Fernando Haddad disse que a operação não tem por objetivo fazer uma devassa na administração de Kassab.
— Não tem ninguém imune, mas não há devassa alguma. O controlador-geral recebeu carta branca minha para investigar quem ele entender que deve, inclusive a mim se ele entender por bem. O controlador-geral, com apoio do Ministério Público Estadual, vai combater a corrupção na prefeitura, e nós vamos fazer o saneamento das contas da prefeitura. São Paulo precisa se recuperar no campo ético e ter as finanças saneadas — disse Haddad.
KASSAB APOIA APURAÇÃO
Em nota, Kassab, atual presidente nacional do PSD, diz que "apoia integralmente" a apuração e defende a "punição exemplar" dos envolvidos caso comprovadas as irregularidades. O comunicado frisa que o ex-prefeito quando chefiava a administração municipal encaminhou à Corregedoria Geral do Município e ao Ministério Público as denúncias que chegaram até ele. Ao GLOBO, Kassab disse que "está tranquilo" quanto às de,-núncias de corrupção no setor dos auditores fiscais.
Segundo os promotores, esse caso nada tem a ver com a denúncia de pagamentos de propinas na gestão de Kassab em 2012 envolvendo o fiscal Houssan Aref Saab, que também enriqueceu ilicitamente e foi demitido no ano passado.
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