Referendo é aprovado em Santa Cruz
Santa Cruz de La Sierra, Bolívia - Armados de pedras e paus, simpatizantes da oposição e do governo se enfrentaram ontem em diversos pontos de Santa Cruz, enquanto a população dessa próspera região boliviana votava em um referendo organizado pelas autoridades locais para ganhar autonomia de La Paz. Manifestações contra a consulta popular também ocorreram em outros quatro departamentos (Estados) bolivianos. Nos enfrentamentos, mais de 30 pessoas ficaram feridas. De acordo com as pesquisas locais de boca-de-urna, festejadas pela população no centro da capital crucenha, 85% da população votou a favor do estatuto autonômico aprovado em novembro por autoridades locais.
A votação, porém, foi considerada ilegal pelo presidente Evo Morales, que acusa o governador de Santa Cruz, Rubén Costas, e o presidente do Comitê Cívico, Branko Marincovik, de tentarem dividir o país. À noite, em pronunciamento agressivo na TV, Evo mencionou informações da mídia segundo as quais a abstenção teria sido de 40% e, somando votos brancos e nulos com os que apoiaram o "não", concluiu que mais de 50% da população rejeitou o estatuto nas urnas. "Essa consulta ilegal fracassou rotundamente", disse Evo. Ele prometeu convocar hoje os prefeitos para trabalhar "pela verdadeira autonomia" e defendeu um acordo para destravar a Constituinte. Os conflitos ocorreram em bairros e localidades nos quais é grande o apoio ao Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Evo. Em San Julián, a 130 quilômetros da capital crucenha, manifestantes queimaram urnas e cédulas e bloquearam as principais vias de acesso à cidade. Urnas também foram destruídas em Yapacaní e no Plano Três Mil, bairro na periferia de Santa Cruz de la Sierra onde moram muitos dos migrantes das regiões andinas." Haverá mortos e o que mais for necessário para impedir essa história de autonomia", ameaçou Wiliam Jaime, de 32 anos, encapuzado e armado com uma barra de ferro. As manifestações contra o referendo reuniram 200 mil pessoas em La Paz e na cidade periférica de El Alto, onde grupos simpatizantes do MAS atacaram um canal de televisão pertencente ao governador da região, José Luis Paredes, acusado de apoiar a autonomia de Santa Cruz. Protestos semelhantes ocorreram nos Departamentos de Cochabamba, no centro do país, Potosí e Oruro, no altiplano. Em Sucre, houve uma marcha em apoio a Santa Cruz. Segundo a Corte Eleitoral crucenha, a votação ocorreu sem qualquer problema em mais de 96% dos colégios eleitorais. No colégio bilíngue Santa Cruz Cooperative School, no requintado bairro de Las Palmas, onde votou Marinkovic, famílias de classe média e alta fizeram da votação um programa de fim de semana. No Plano Três Mil, uma manifestação contra o referendo reuniu milhares de pessoas, muitos de origem quíchuas e aimarás do altiplano. Houve choques entre simpatizantes e contrários à autonomia. Um idoso, vizinho de um local de votação, morreu supostamente após seu casebre ter sido atingido por gás lacrimogêneo.
O estatuto de autonomia dá ao governo local mais independência de La Paz e maior controle sobre os recursos da região. Ele permite ao departamento arrecadar impostos, definir suas políticas na área de educação e saúde e outorgar títulos de propriedade de terras.
Segundo analistas, porém, é pouco provável que as autoridades crucenhas consigam impor o estatuto unilateralmente. Não só por causa dos limites de financiamento e de estrutura do governo local, mas também porque, em última instância, isso poderia dar argumentos para La Paz retaliar econômica e militarmente a região.
Ruth Costas, Estadão, 0505.
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