Temporal castiga o Rio de Janeiro e faz a maior quantidade de mortos em consequência das chuvas nos últimos 44 anos. A Lagoa transbordou e as ruas inundaram: quem tentou chegar em casa não conseguiu, quem foi ao trabalho acabou ilhado
Rio de Janeiro — O carioca pensou ter vivido o caos durante o apagão e a falta de água em 2009, mas nada que se compare à maior enchente que se tem notícia no Rio de Janeiro, segundo o prefeito da cidade, Eduardo Paes. Entre as 20h de segunda-feira e as 8h de ontem, choveu cerca do dobro do esperado pelos meteorologistas para todo o mês de abril na cidade. Além de tumulto no trânsito, alagamento, pane nos transportes, serviços públicos parados e aulas canceladas, a tragédia maior: até as 21h de ontem, 96 pessoas morreram e 102 ficaram feridas em consequência do temporal, o maior número de vítimas na cidade nos últimos 44 anos.
O governador do Rio, Sérgio Cabral, informou que os desabamentos em encostas foram a principal causa das tragédias. E aproveitou para criticar os governantes “que, por demagogia, permitiram, no passado, que áreas de risco fossem ocupadas”. Cabral disse ainda que os transtornos no trânsito e os alagamentos das ruas são um problema menor diante das mortes. “Você chega atrasado em casa, dorme fora... Tudo isso é horrível, mas nada é tão grave quanto perder vidas”, afirmou o governador, que decretou luto de três dias pelas vítimas.
Na tentativa de evitar mais mortos, uma orientação inusitada: o prefeito Eduardo Paes pediu que a população ficasse em casa ontem, até porque a chuva não deu trégua. E ele justificou, mais tarde: “Isso ajudou muito a prefeitura”, assegurou Paes. A maior parte do comércio sequer abriu, aulas foram suspensas e o Judiciário fechou as portas. O pedido de Cabral foi contrário para quem mora em área de risco. “Peço, pelo amor de Deus, que essas pessoas saiam e procurem centros sociais”, disse o governador. De acordo com a Defesa Civil, todas as encostas do Rio corriam — e ainda correm — risco de desabamento.
Previsão de mais água
Se a situação no Rio, durante a noite de segunda e todo o dia de ontem já foi caótica, há uma chance de piorar hoje. “Não vamos poupar esforços para resolver a situação, que ainda é muito crítica. É um risco enorme para qualquer pessoa tentar atravessar esses alagamentos. Vou trabalhar com a hipótese de ficar pior”, admitiu o prefeito do Rio, Eduardo Paes. Isso porque o Instituto Nacional de Meteorologia divulgou que a previsão é de mais chuva para hoje.
Ontem, os rios e a Lagoa Rodrigo de Freitas (Zona Sul) transbordaram, a água chegou à cintura de quem se arriscava a pé e o trânsito deu nó na noite de segunda e na madrugada de ontem. Os mais precavidos preferiram dormir no trabalho. Outros, como o técnico em segurança Afonso de Andrade, demoraram quase dez horas para chegar em casa. Ontem, ele não conseguiu ônibus para trabalhar. “Nunca vi um temporal desse. Na saída do trabalho, me avisaram para não pegar o trem. Tentei o ônibus. O trânsito parou e esperei mais duas horas por outro. Depois, tive que andar com a água no joelho em busca de um terceiro ônibus. Demorei oito horas e meia para chegar em casa”, contou Afonso, que deixou o trabalho às 17h, na segunda, e chegou em Copacabana (Zona Sul) à 1h30 da madrugada.
Muitos carros enguiçaram e complicaram ainda mais o tráfego. A economista Mariana Kusaka ficou uma hora e meia dentro do Túnel Rebouças por causa disso. O engenheiro químico Aristóteles Larios chegou em casa apenas ao meio-dia de ontem. Preso no engarrafamento desde as 20h de segunda, ele só conseguiu uma vaga para estacionar o carro às 6h da manhã e sair em busca de um ônibus ou táxi para completar o trajeto. A irmã, Michele, passou a noite procurando na internet o melhor caminho. “Fiquei muito preocupada”, lamentou.
Até as 18h de ontem, a Secretaria Especial da Ordem Pública do Rio informou que já havia removido 113 carros deixados na rua. Ninguém será multado. A tempestade também afetou o abastecimento de luz. Além de ilhados, 13 bairros ficaram no escuro durante parte do dia, de acordo com a Light, concessionária de energia elétrica. No Humaitá (Zona Sul), algumas ruas viraram “rios”, como a Viúva Lacerda. Foram 288 milímetros de chuva nas 24 horas mais pesadas do dilúvio. Até o início da noite de ontem, havia 1.410 desalojados. (JT)
Reféns da chuva
Conexão aquática
Após a recomendação do prefeito do Rio, Eduardo Paes, para que os cariocas não saíssem de casa, os moradores da cidade, entre eles personalidades, passaram o dia conectados à rede social Twitter para passar informações sobre os pontos alagados, comentar sobre o caos que inundou vários pontos da cidade e reclamar das autoridades. O apresentador do Jornal Nacional, William Bonner, aproveitou o espaço para fazer um alerta: “Se você mora no Rio: fique em casa. Escolas cancelaram aulas.
A defesa civil precisa que as ruas estejam livres de carros”. Os moradores também foram solidários. A artesã e moradora de Bonsucesso, Flávia Ferreira, por exemplo, além de registrar imagens do alagamento, passou informações para os colegas por meio do microblog.
Resgate 24 horas
Em meio ao caos, o resgate de vítimas pelos bombeiros serviu de alento. Durante todo o dia o trabalho foi árduo para tentar tirar dos escombros pessoas com vida. O iatista Torben Grael foi um dos heróis. Uma barreira caiu e arrastou um carro para dentro da casa do atleta, no bairro de São Francisco, em Niterói, na madrugada de ontem. Torben conseguiu resgatar a criança e a mãe com vida, mas o pai, que dirigia o veículo, morreu. Na tarde de ontem, a prefeitura de Niterói atualizou os números: pelo menos 48 mortos e 1.100 desabrigados.
Transporte zero
Celso Pupo/FotoArena/AE |
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Na capital, segundo o prefeito Eduardo Paes, o Morro dos Prazeres, em Santa Teresa (Centro), foi uma das regiões mais afetadas pelo temporal, com casas destruídas e ao menos 14 mortes. Os cariocas que tentaram trabalhar sofreram para encontrar um ônibus, que praticamente sumiram da cidade. Segundo a Viação São Silvestre, que opera linhas circulares na Zona Sul, apenas 30% da frota operaram na manhã de ontem, já que motoristas e cobradores não conseguiram chegar às garagens.
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