Dilma recua e expõe fragilidade de políticos
Presidente desiste de convocar uma Constituinte para discutir a reforma política. Decisão sobre formato do plebiscito será tomada após ouvir parlamentares, oposição e centrais sindicais. Medida seria uma resposta às ruas
Juliana Braga » Denise Rothenburg
O anúncio feito na segunda-feira pela presidente Dilma Rousseff de convocar uma Assembleia Constituinte — avaliada como a proposta mais ousada entre as apresentadas no pacto — abriu uma crise com aliados, Judiciário e Legislativo, e obrigou o Planalto a recuar.
Depois das reações negativas e de ouvir auxiliares, Dilma avaliou que era melhor voltar atrás da decisão e, em ações futuras, evitar se comprometer antes de ouvir outras entidades.
Hoje, por exemplo, a presidente abre sua agenda recebendo as centrais sindicais e, durante a semana, conversará com líderes parlamentares da Câmara e do Senado.
A reação à convocação de um plebiscito na forma como havia sido proposto pela presidente veio de todos os lados.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes fez duras críticas à uma Assembleia Constituinte. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), foi além. Ele disse que os deputados “recusam” a proposta e que os parlamentares “em nenhum momento” consideraram essa possibilidade.
Diante desses impasses, a presidente mudou de opinião. Ela foi aconselhada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, e pelo vice-presidente da República, Michel Temer, ouvido pela primeira vez sobre o assunto na manhã de ontem. Temer, que ficou contrariado ao saber da reforma apenas na reunião com prefeitos e governadores na tarde de segunda-feira, argumentou que não seria necessária uma Constituinte para responder às demandas das manifestações que tomaram as ruas, e que haveria outras saídas jurídicas.
Dilma chegou à conclusão de que a forma era menos importante do que a reforma em si. Quando acabou convencida de que o modelo proposto prejudicaria o objetivo principal, decidiu recuar. Ainda assim, ouvindo conselhos do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, apegou-se a um detalhe de expressão para sustentar que jamais havia proposto uma Assembleia Constituinte, teoria que representantes do governo passaram o dia tentando emplacar.
O próprio Mercadante, por exemplo, mesmo após reconhecer que “não haveria tempo hábil” para a convocação de Assembleia Constituinte, continuou sustentando que Dilma teria falado sobre “processo” constituinte, que pode ser implementado de outras formas, além de uma assembleia. Para evitar futuros recuos, Dilma se concentrará esta semana em ouvir outros conselhos — tanto do Congresso quanto de movimentos sociais.
O pedido para ouvir o Congresso partiu do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que recebeu dos líderes partidários ontem à tarde o seguinte alerta: pacto requer a participação de todos. Inclusive da oposição. Por isso, Dilma aceitou chamar os adversários políticos para uma conversa, em data a ser definida. A iniciativa representa uma mudança de estilo da presidente que até hoje não fez sequer uma conversa política com a oposição. Somente após esses encontros, o governo divulgará à nação as perguntas que serão feitas no plebiscito.
Atraso
A resistência em reconhecer o recuo ficou evidente logo pela manhã, quando Dilma se reuniu com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Coelho; com o presidente do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Márlon Reis, e com o vice-presidente da República, Michel Temer. Marcus Vinicius saiu do encontro dizendo que governo estava “convencido” de que uma Constituinte atrasaria o processo e que o mais adequado era a realização de um plebiscito. Minutos depois, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, desmentiu o presidente da OAB. Em seguida, o Palácio do Planalto soltou nota dizendo que não havia tomado decisão e, somente por volta das 19h30, Mercadante reconheceu a ausência de tempo hábil para a convocação da Constituinte.
Por enquanto, o que está decidido é que, após consultar todos os interlocutores que julgar necessário, Dilma enviará uma mensagem ao Congresso com a proposta de plebiscito. Hoje, a presidente conversará com a presidente do Superior Tribunal Eleitoral, Carmine Lúcia, para saber sobre o tempo necessário para organizar a consulta popular.
Congresso
Depois do encontro com entidades, movimentos sociais e Joaquim Barbosa, Dilma se reuniu com Renan e Henrique. O presidente do Senado encontrou uma presidente ansiosa por explicar que não havia proposto uma Constituinte exclusiva para a reforma política, mas não fez questão de se prolongar no que passou.
Disposta a sair do redemoinho da crise, Dilma recebeu de bom grado as sugestões levadas ontem ao Planalto, em especial a proposta de usar parte dos royalties do petróleo para custear o passe livre para estudantes que tiverem frequência escolar comprovada (leia mais na página 5). Aceitou e ainda incluiu dois novos pactos aos cinco apresentados na véspera: segurança e o federativo. “Vamos votar ainda o projeto que transforma corrupção em crime hediondo. A questão do passe livre também deve sair logo, porque é a primeira que acontece sem impacto fiscal, uma vez que será custeada pelos royalties do petróleo”, completou.
Enquanto o Congresso não aprova a desatinação dos royalties para educação, uma das sugestões de Renan é a de que o passe livre para estudantes seja custeado com os royalties que hoje ficam com a União. Mercadante, que também participou do encontro, disse que é preciso ter calma e esperar, primeiro, que o Congresso destine os 100% para a educação.
Em estudo
O Planalto diz que ainda vai ouvir outras entidades, mas que considera interessante a proposta da OAB sobre o plebiscito. Confira:
» O Congresso Nacional, primeiro, aprova a definição de consulta popular. Em seguida, em uma espécie de regulamentação, define quais perguntas serão feitas à população e a data de realização da consulta.
» Depois de aprovado, o Tribunal Superior Eleitoral define como se dará a campanha e começa a se preparar para a realização da consulta. A proposta da OAB é que frentes temáticas defendam suas posições, não ligadas, necessariamente, a partidos.
» Realizada a votação, o tema volta ao Congresso, que transforma em lei as decisões adotadas pela população.
Temas propostos pela OAB
Financiamento democrático das campanhas » Combinação do financiamento público com a contribuição de cidadãos, excluindo empresas.
Voto em lista fechada em dois turnos » Primeiro seria colocada em consulta uma lista fechada. Como a campanha não seria focada em pessoas, a entidade espera que a discussão seja voltada para propostas e ideias. No segundo turno, o candidato seria escolhido dentro das listas vencedoras.
Liberdade de manifestação e expressão » Nesse ponto específico, a entidade não fechou quais perguntas devem ser feitas à nação. Quer garantir que não haja cerceamento às manifestações.
» Fontes: TSE e OAB
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