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quarta-feira, agosto 21, 2013

"NÃO FALA COM POBRE/ NÃO DÁ MÃO A PRETO/ NÃO CARREGA EMBRULHO... PRÁ QUE TANTA POSE, DOUTOR? ..." (Billy Blanco)

21/08/2013
Roberto DaMatta


Quatro palpites sobre um bate-boca


Quando menino, minha avó Emerentina solicitou-me um palpite para o jogo do bicho, uma atividade que ela praticava com a mesma religiosidade com que fazia as suas orações matinais. Pensei num filme de Tarzan e chutei: elefante! O elefante deu na cabeça e dela recebi um dinheiro que virou bombons de chocolate.

São 25 bichos, conforme determinou o cânone do Barão de Drummond, o inventor disso que Gilberto Freyre dizia ser um “brasileirismo”. Algo genuinamente brasileiro, ao lado da feijoada, das almas do outro mundo, do samba, da corrupção oficial, do suposto orgasmo das prostitutas e do “rouba, mas faz”. (Quanta inocência existe entre nós. E de enternecer).

Palpite 1 (avestruz). O ministro Joaquim Barbosa tem sido tratado como um Drácula brasileiro por dizer o que pensa e sente. Mas, no Brasil, eis o meu primeiro palpite, somos todos treinados a dizer o que não pensamos.

Seja porque seríamos presos por corrupção ou tomados como desmancha-dores de prazer; seja porque faz parte de nossa persistente camada aristocrática não confrontar o outro com a tal “franqueza rude” a ser reprimida por sinalizar não o desrespeito, mas um igualitarismo a ser evitado justamente porque nivela e subverte hierarquias.

Somos a sociedade da casa e dama. Em casa, somos reacionários e sinceros; na ma viramos revolucionários e ninjas - a cara encoberta. 

Somos imperiais em casa, quando se trata das nossas filhas e fervorosos feministas em público, com as “meninas” dos outros. Observo que quando há hierarquia, não há debate nem discórdias; já o bate-boca é  igualitário e nivelador. Por isso, ele é  execrado entre nós, alérgicos a todas as igualdades. Discutir é igualar, de modo  que as reações de Joaquim Barbosa assustam e surpreendem. Afinal, ele é um ministro. Como pode se permitir tamanha sinceridade? O superior não deveria discutir, mas ignorar e suprimir.

Palpite 2 (águia), Um presidente da instância legal mais importante do País que esconde por educação seus valores seria um poltrão? E isso, leitor, é justamente o que esse Joaquim Barbosa, negro e livre, não é e não  quer ou pode ser. Na nossa sociedade, você está fora do eixo (ou da curva) até o eixo entrar nos eixos. 

Aí,  você vira celebridade e começa a ser fino como um aristocrata. Na oposição, seu senso crítico é gigantesco,  mas no dia em que você vira governo surgem as etiquetas reacionárias. Eu  queria ir, você diz, mas a minha assessoria impediu. Não ficaria bem...  

O confronto não seria a maior prova de igualdade e de respeito pelo outro?

Afinal, ator e papel não podem operar como um conjunto? Ou devem  agir se autoenganando para serem  permanentemente elogiados como  “espertos” ou “malandros”? Esse apanágio do nosso sistema político que glorifica a hipocrisia e condena a opinião pessoal sincera que, em circunstâncias gravíssimas como a que estamos vivendo no momento, exige o confronto e, consequentemente, a desagradável rispidez da discórdia?

 Palpite 3 (burro). Como ter democracia sem conflito? Se passamos a  mão na cabeça dos mais gritantes conflitos de interesse nessa nossa sociedade de vizinhos de bairro e de parem telas adocicadas pelos compadrios, por que temos de nos sentir aporrinhados porque um juiz confrontou, de modo direto, um colega cujo objetivo óbvio era o de protelar o arremate de um processo que, no meu entender, vai definir o caráter de nossa democracia liberal e representativa?

 Palpite 4 (borboleta). Pergunto ao leitor: existe sinceridade sem emoção? Existe honestidade sem estremecimento? Existe algum regime ético no : qualse troca convicção por boas maneiras? Afinal de contas, o que seria uma pessoa com “bons modos”? Seria um cagão sem espinha dorsal? Como, pergunto, mudar um país com essa maldita tradição de dizer que somos assim,  mas no fundo somos assado sem dis-sensões? Afinal o que preferimos: o golpe que silenciosamente suprime o bate-boca ou o bate-boca que é a única arma democrática contra o golpe?

Um amigo me díz que o ministro Barbosa estava certo no conteúdo, mas errado na forma; e que o ministro Lewandowski estava errado no conteúdo e certo na forma. Mas, palpito eu, como separar forma de conteúdo quando  se trata do futuro da democracia ou de um grande amor? Seria possível uma noite de núpcias com um noivo  certo no conteúdo, mas sem traduzir esse conteúdo formalmente?

O sinal dos tempos no Supremo  tem sido, precisamente, o estilo sincero e desabrido - honesto pela raiz - do estruturalismo de Joaquim Barbosa. Nele, forma e conteúdo estão juntos como estiveram em todos aqueles que tentam j ser uma só pessoa na casa e na rua, na intimidade e no púlpito, entre  os amigos e os colegas de tribunal.

Para se ter uma democracia é preciso juntar forma e conteúdo. Não  se pode condenar a discórdia e o  direito à diferença como somente  um gesto de má educação ou de  egoísmo autoritário. É preciso abrir  um lugar para o bate-boca no sistema moral brasileiro, caso se queira terminar com a sujeição e a autocon-descendência que nos caracteriza como uma sociedade metade aristocrática, metade igualitária. Prova isso agravante de que, quando essas metades entram em choque, tendemos a ficar do lado aristocrático ou do bom comportamento. Do formal e do legalmente correto, sem  nos perguntarmos se o confronto não seria a maior prova de igualdade e de respeito pelo outro.

Será que aceitei novamente no elefante, ou deu burro e avestruz?


adicionada no sistema em: 21/08/2013 04:35

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