Se dependesse dos governos da vizinhança, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia ser dirigente perpétuo do Brasil. Eles sabem que, seja quem for seu sucessor, certamente não haverá outro tão disposto a submeter a maior economia da região aos interesses de autoridades e empresários dos países hermanos. Essa disposição para a generosidade se manifestou, de novo, na semana passada, durante a visita da presidente argentina, Cristina Kirchner, à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Pouco antes da visita, jornais de Buenos Aires publicaram extenso material sobre as tensões comerciais entre os dois países, aumentadas a partir do segundo semestre do ano passado, quando o governo argentino impôs novas barreiras a produtos da indústria brasileira. Se havia alguma tensão, não foi notada nas declarações dos dois presidentes. O brasileiro chegou quase a defender a política argentina de comércio exterior. As medidas tomadas em Buenos Aires, segundo o presidente Lula, são "normais".
Podem ser normais para o padrão argentino de comércio exterior, caracterizado, há muitos anos, pelo desinteresse em criar de fato, e não só no discurso diplomático, um mercado livre para os produtores dos quatro países sócios do Mercosul. Esse desinteresse se manifesta não só nas frequentes medidas protecionistas contra o Brasil, mas também na permanente insatisfação com o funcionamento do acordo bilateral para o comércio de veículos e componentes.
O que foi combinado inicialmente é que esse acordo seria provisório e substituído num prazo não muito longo por um regime de comércio livre. Mas o acordo não foi abandonado e não há perspectiva de liberalização do intercâmbio entre montadoras e fabricantes de peças. Agora o governo argentino pretende uma nova mudança - desta vez sobre o sistema de ingresso de autopeças na Argentina - e a discussão deve começar nesta semana.
Além de aceitar como normais as medidas protecionistas, o presidente Lula engoliu sem reagir a qualificação da política brasileira de câmbio como protecionista. Esta é uma das mais interessantes gracinhas inventadas por autoridades argentinas. Segundo a presidente Cristina Kirchner, há protecionismo dos dois lados e, do lado brasileiro, sua manifestação é a desvalorização do real. Em outras palavras: o governo brasileiro, segundo ela, manipulou o câmbio e provocou a depreciação do real para dar competitividade aos produtores nacionais.
Não se trata - no caso dessa afirmação - de simples desinformação, mas de evidente má-fé. Desde o agravamento da crise internacional, a moeda brasileira desvalorizou-se pela ação do mercado e o Banco Central (BC) só interveio para conter, não para causar a depreciação do real. O presidente pode até aceitar muita coisa em silêncio, em nome de sua concepção da boa vizinhança e dos interesses diplomáticos do País, mas não pode sancionar com sua passividade uma acusação desse tipo. Se se tratasse de ignorância, ele poderia gentilmente, com sua resposta, fornecer uma informação preciosa à visitante.
Como se trata de má-fé, uma contestação, com a máxima polidez, teria posto a questão nos termos devidos. Ser tolerante com o protecionismo de um parceiro comercial é muito diferente de aceitar uma acusação absurda contra o País. Ao fazê-lo, a autoridade brasileira deixa de ser compreensiva e cooperadora e assume a posição de intolerável inferioridade.
Para o presidente Lula, a melhor solução para os problemas de comércio entre os dois países deve ser a negociada entre os empresários. Seu comentário poderia parecer razoável se os problemas pudessem ser resolvidos, de fato, em negociações do setor privado. Mas não é isso que acontece, normalmente.
Hoje, quando o empresariado brasileiro negocia diretamente, não conta com o apoio do governo, a não ser para estimulá-lo a fazer concessões. Do outro lado, os empresários são apoiados pelo governo e iniciam as negociações a partir de uma posição de força: se os interlocutores não cederem, o governo argentino fará valer as barreiras protecionistas. Como, nesse caso, o governo brasileiro apoiará as pretensões argentinas, os empresários brasileiros preferem ceder alguma coisa para não perder tudo. Cooperação, para o presidente Lula, é isso. |
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